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Pastores vivenciam perseguições ao acolherem fiéis LGBTQIA+

Líderes religiosos são, frequentemente, xingados em redes sociais e até ameaçados de morte

20 mai 2022 - 05h00
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"Não julgueis, para que não sejais julgados, porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.". 

Apesar de ter sido escrito por volta de 50 d. C., o trecho do livro de Mateus, capítulo 7, versículos do 1 - 5,  traz algumas lições quanto à prática do julgamento muito comum na sociedade.  E a igreja, como parte dela, ocupa um grande espaço nesse assunto. São nesses espaços que alguns temas considerados intocáveis ou tabus passam a ser objetos de discurso. A participação ativa de LGBTQIA+ nessas entidades é, talvez, uma das principais questões. 

Em oposição a esse pensamento, algumas igrejas por todo o Brasil têm quebrado esse silêncio ensurdecedor e virado exemplos de amor e apoio às pessoas do grupo   — que é alvo constante das consequências da intolerância, como a agressão verbal, a violência física e até mesmo a morte. Ao se colocarem contra a maré, esses templos e seus líderes se tornam — de certo modo — alvo da opressão e perseguição que tanto tentam combater.

Pastor Wellington Santos está há quase 30 anos na Igreja Batista do Pinheiro
Pastor Wellington Santos está há quase 30 anos na Igreja Batista do Pinheiro
Foto: Wellington Santos/Arquivo Pessoal

O pastor Wellington Santos, à frente da Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, há quase três décadas, sabe bem sobre essa realidade. Há seis anos, em decisão inédita após inúmeras reuniões e uma votação, sua congregação passou a permitir que homossexuais se tornassem membros da denominação por meio do batismo. Além dele, as famílias que integram o templo também foram vítimas de coerção e discriminação nos seus locais de trabalho e em escolas. 

“Eu digo que a gente se aproximou um pouco da realidade — com o devido respeito do que irmãos e irmãs LGBTQIA+ passam nesse país, porque nada se compara aos crimes, as palavras, o ódio, os olhares que essas pessoas ouvem em casa, nos cultos e na rua. Não esperávamos aplausos nem flores, porque Jesus Cristo, preto, pobre e periférico que a gente segue não recebeu aplausos, Ele recebeu cuspe, críticas e uma  cruz”, relembra Santos. 

Como resultado da decisão, a IBP foi expulsa do rol de filiadas da Convenção Batista Brasileira (CBB), organização que é responsável por centenas de igrejas batistas no país. 

Todo o processo de exclusão é doloroso e não desejamos ser excluídos da Convenção. Surpreendentemente, estamos em processo de exclusão por desejarmos ser includentes. (Trecho da carta da Igreja Batista do bairro do Pinheiro, em Maceió, enviada à CBB, em 2016).

Citando o salmo 126:1 que diz "Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham", Santos comenta que houve um aumento na presença de pessoas LGBTQIA+ na igreja e reflete, ainda, que a própria congregação nos últimos 40 anos vem lutando em diversas frentes e pautas pelos grupos que foram e são historicamente oprimidos.

“Os públicos LGBTQIA+ de seis anos atrás e o atual não são muito diferentes. De fato, aumentou, mas ainda é um grupo  —  lhe garanto perto de igrejas conservadoras   — menor. Nas outras, há milhares de pessoas silenciadas. Fazem de conta que aquelas pregações de ódio não é com elas e as suas lideranças fazem de conta que não sabem, desde que sejam bons fiéis, contribuintes e dizimistas. Por lá, não há o direito de fala e de existir com plenitude no espaço religioso”, argumenta o pastor.

Igreja Batista do Pinheiro, exemplo de acolhimento de LGBTQIA+, teve seu prédio tombado como Patrimônio Imaterial de AL.
Igreja Batista do Pinheiro, exemplo de acolhimento de LGBTQIA+, teve seu prédio tombado como Patrimônio Imaterial de AL.
Foto: Divulgação

Na mesma linha de frente contra a intolerância e pelo respeito ao primeiro mandamento – amar ao próximo como a ti mesmo – o pastor Joel Zeff, da Igreja Batista Nazareth, em Salvador, conta que a criação do templo é, por si só, marcada pelo combate às opressões. A IBN foi fundada em fevereiro de 1975, por um grupo de jovens que se opunha à falta de liberdade e a todos os atos durante a Ditadura Militar. 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação compartilhada por Igreja Batista Nazareth (@igrejabatistanazareth)Post da IBP no dia 17 deste mês, Dia de Combate à LGBTfobia

“Recebemos pessoas LGBTQIA+ por batismo há mais de dez anos. Tanto no espaço interno quanto externo, temos nos envolvido com ações de promoção à diversidade e o combate à LGBTQIA+fobia, seja com formações para conscientização, ou mesmo protestos para promoção de direitos. A ideia é que não existem pessoas de segunda categoria, portanto, tudo tem que ser comum a todas, todos, todes”, ressalta Zeff.

O soteropolitano, que já participou de duas Paradas do Orgulho LGBTQIA+. dá um conselho à sociedade, aos pastores e reverendos sobre o tema.

Pastor Joel, da Igreja Batista de Nazareth, de Salvador
Pastor Joel, da Igreja Batista de Nazareth, de Salvador
Foto: Joel/Arquivo Pessoal

“Recebemos ofensas via redes sociais, na tentativa de descredibilizar a comunidade como sendo ‘não cristã’, e ofensas dirigidas às lideranças. Para eles, digo que voltem aos evangelhos e sigam o exemplo de Jesus de Nazareth, que acolheu a todas as pessoas, em especial aquelas que eram excluídas e marginalizadas na sociedade de sua época, e na sua religião, em particular. Foi a esse que Jesus mais reservou tempo e cuidado durante todo o seu ministério. Por que nós como seus discípulos não fazemos o mesmo?”, reflete o líder religioso.

Reafirmação da fé

A gastróloga Tuane Alves, que casou-se em dezembro com Érika Ribeiro, sob benção da pastora e teóloga Odja Barros, é batizada em outra igreja evangélica, mas pretende passar pelo mesmo processo na Igreja Batista do Pinheiro, a fim de reafirmar ainda mais sua fé e seu sentimento de pertencimento à comunidade. Para ela, é importante se tornar membro oficial na congregação que acolheu sua família e o seu direito de amar e de ser o que se é.

“É um ato simbólico e que faz bastante sentido pra mim. Meu sentimento até hoje é de profunda gratidão à Ruah, por me levar até ali e profunda gratidão por me receberem de maneira não superficial e mecanizada. Ainda nem tinha me percebido lésbica quando já era pregada na cruz. Me sentia vigiada e invadida. Era julgada por ter opinião e por ser contra o que ouvia dos líderes. Depois, parei de caber na caixa construída por eles”, comenta a jovem. 

Alves diz que atualmente se sente segura, amada e completa por estar mais próxima do que acredita. Durante anos, na luta de tentar se adequar ao que sempre soube que não era, pensou que não iria encontrar uma comunidade de fé que pudesse respeitá-la.

Tuane Alves e sua esposa Érica Ribeiro, fiéis da IBP
Tuane Alves e sua esposa Érica Ribeiro, fiéis da IBP
Foto: Arquivo Pessoal

“Essa não é a única pauta e nem a maior, ela é só mais uma pauta de tantas outras que são levantadas e debatidas lá. Acho que ninguém pode se diminuir para caber em nada, e eu acredito que é isso que acontece majoritariamente com jovens nessas igrejas. O encontro com Deus vai além de pirotecnias e que há a possibilidade de comungar, de viver Cristo, sendo quem você é genuinamente, afinal, foi Ele quem nos criou assim”, relata a fiel.

O pedagogo, teólogo e consultor Vanderlei Varoto, 39, também está em um relacionamento homoafetivo e frequenta a congregação da capital alagoana. Ele considera que o santíssimo representa, antes de tudo, abrigo e proteção.

“Meu namorado é de outra igreja e sempre olham para a gente quando eu apareço. É como se eles dissessem assim ‘o que eles estão fazendo aqui?’, ‘porque eles estão aqui?’, porém eles falam assim por lá  ‘vocês podem, sim, ficar aqui’, ‘podem continuar vindo aqui’. É preciso que se entre no evangelho com o coração e a mente abertos para perceber que o amor de Cristo é importante e é para todos”, argumenta o professor.

Fonte: Redação Nós
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