PUBLICIDADE
URGENTE
Saiba como doar qualquer valor para o PIX oficial do Rio Grande do Sul

Somos NÓS: ‘Foi mais difícil me entender como assexual do que como trans’

Trans, não-binária e demissexual, Sara luta para provar que a luta assexual não precisa ser solitária e deve ser coletiva

22 jun 2023 - 05h00
(atualizado às 13h49)
Compartilhar
Exibir comentários
Prazer, Sara Hanna.
Prazer, Sara Hanna.
Foto: Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

Me chamo Sara Hanna, tenho 38 anos, sou trans, não-binária e demissexual. Sou designer gráfica e membro-fundadora do Coletivo Abrace, que se propõe a dar voz para o movimento assexual no Brasil. E você sabe o que ele significa? Vou falar aqui eu descobri e me entendi dentro dele.

Na universidade, quando tinha uns 25 anos, um amigo me disse ser assexual e fui atrás do termo para saber como tratá-lo, afinal, ele merecia respeito. Na época, não existia nada na internet em português que explicasse realmente como temos hoje. Tudo era focado na prática sexual, ou seja, que o assexual não sente atração sexual e não transa. 

Então, para mim, nada mudou, porque eu perdi a virgindade aos treze anos. Eu cresci no centro de São Paulo e sempre tive muito contato com sexo, não só comigo, mas o assunto, sabe? Eu tinha colegas ali no centro que eram profissionais do sexo. Nada me tocou ali. 

Até que aos 28, quatro anos depois, descobri a área cinza da assexualidade, que envolve pessoas demissexuais. Aí eu comecei a me pensar como uma pessoa do espectro assexual. 

E foi uma coisa que, para mim, foi mais difícil do que me entender pansexual na adolescência ou uma pessoa não-binária depois aos trinta. Foi bem mais complicado porque isso permeou a minha vida toda e principalmente em um lugar de muito auto-abuso.

Junta do Coletivo Abrace, que fala sobre a causa assexual.
Junta do Coletivo Abrace, que fala sobre a causa assexual.
Foto: Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

Eu havia permitido muitas coisas, que se eu soubesse que existia a assexualidade, talvez não tivessem acontecido, ou talvez não de uma forma que eu me sentisse tão mal de me colocar em certas situações. 

E todo essa escala se multiplica ao colocar na mesa que também sou trans, afinal, no Brasil, o corpo trans é hipersexualizado, apesar de ser o país que mais mata pessoas trans no mundo. Esse lugar de fetiche sexual acontece com pessoas trans e também com pessoas assexuais.

Acho que vivemos em uma sociedade que tem uma construção do sexo um tanto abusiva. Então, você dizer que é assexual, para muitas pessoas, vira desafio. Tipo: “Ah é? Comigo você vai aprender a gostar de sexo!”, em um tom de ameaça.

Já aconteceu muito comigo, vezes em que não senti atração sexual pela pessoa e a pessoa forçava e falava “não, mas e se a gente tentar isso ou tentar aquilo, ou tentar de dessa forma…”, por várias vezes passei por isso. 

Sara durante palestra com o Coletivo Abrace.
Sara durante palestra com o Coletivo Abrace.
Foto: Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

Durante um período da minha vida, onde eu estava em um término de relacionamento, um antigo “companheiro” me estuprou pelo simples fato de estarmos terminando e ele achou que de alguma forma, deveria me marcar para me deixar com saudade. Daí você vê que o sexo pode ser usado muito como arma. 

Por isso é importante ter em mente que a sexualidade não é sobre prática sexual e sim sobre atração sexual. É até romantizar o sexo achar que toda vez que se praticar sexo é porque se tem atração sexual. As pessoas transam por várias razões e por muitos motivos. Lembrando, óbvio, que estupro não é sexo, né?

A partir destas vivências foi fundado o Coletivo Abrace com a participação de amigos da mesma causa, um lugar em que a gente se identificasse, que a gente pudesse entrar e que existisse um ativismo de fato, né? Que fosse ir atrás de políticas públicas para pessoas assexuais e tudo mais. Coisa que não existia.

Não aguentávamos mais ouvir piadas do tipo "ah, é só transar". Não é sobre transar ou não, é sobre a gente viver numa sociedade permeada por sexo, onde o sexo é norma ao passo que a gente vive numa sociedade mega moralista.

E o que eu posso dizer para você que está passando por esse processo de descoberta da assexualidade? 

Você tem que entender que está tudo certo. Acho que o principal é saber que você não é doente. Isso não é uma doença, não há nada a ser curado. Pode ser que algumas pessoas estejam aí tentando se entender e passem por tentativa de cura, que nunca vai existir.

Afinal, não há cura para o que não é doença, certo?

Fonte: Redação Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade