“Nem toda magra é saudável e nem toda gorda é doente”, afirma nutricionista contra o IMC
“Chegaram a questionar a minha capacidade como profissional, como se meu corpo fosse um cartão de visitas"
Émili Paliliunas, 29, desenvolveu diversos transtornos alimentares ao longo da vida e escolheu estudar nutrição porque odiava ser gorda e queria a todo custo emagrecer. Hoje, ela fez as pazes com o espelho e ajuda mulheres a recuperar a autoestima e a relação com a comida, sem culpa e sem medo da balança.
Até se tornar uma referência em nutrição, Émili teve uma longa jornada de autoaceitação. Aos 11 anos fez sua primeira dieta. “Ouvia que jamais casaria se fosse gorda, que nenhum homem iria me querer acima do peso. Também ouvia, como se fosse um grande terror, que se continuasse engordando deste jeito, teria que comprar roupas em lojas especializadas”, relembra.
Embora choque o fato de uma criança se preocupar em emagrecer, isso é mais comum do que se imagina. Um levantamento feito em 2014 pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, mostrou que 46% das meninas entre 10 e 24 anos acreditam que pessoas magras são mais felizes. Essa mesma pesquisa mostra que 77% das jovens paulistas estão propensas a desenvolver distúrbios alimentares.
A primeira dieta de Émili, ainda na infância, foi a dos “pontos”, em que eliminou 12 Kg e, a partir de então, desenvolveu bulimia. “Eu não tinha a mínima noção do meu corpo e do quão estava magra, pois ainda me via gorda no espelho. Adquiri um medo gigantesco de comer. Achava que comer era algo pecaminoso e que eu engordaria tudo de novo. Então, eu comia tudo o que queria e vomitava logo depois. Colocava aquele “mal” para fora. E acreditava estar fazendo bem a mim mesma”, explica.
Os episódios de bulimia eram seguidos de compulsão alimentar, logo, engordou todo o peso que havia perdido. Estudar nutrição surgiu como mais uma tentativa de “aprender” a emagrecer. Ela acreditava que descobriria o segredo para ter o corpo que, até então, ela julgava perfeito.
“Eu crescia, mas continuava a escutar piadinhas sobre o meu corpo. Coisas que me machucavam profundamente e me faziam sentir a pior pessoa desse mundo. Comecei a faculdade com intuito de emagrecer de fato. Acreditava que todos os meus problemas seriam resolvidos. Naquela época a nutrição era meio quadradona, focava no emagrecimento e nem se falava de nutrição comportamental”, esclarece.
Frustrada, continuou engordando e usando roupas largas para se esconder. “Decidi que atuar em consultório era a última coisa que queria e que minha vida seria atuar em hospital. Afinal, ali eu não precisaria lidar com emagrecimento e nem nada disso”.
Após alguns anos trabalhando em hospital, Émili terminou um relacionamento e mais uma vez, decidiu encontrar soluções milagrosas para emagrecer. “Eu achava que comia por ansiedade e por isso somente um remédio me ajudaria. Emagreci muito mesmo, naquela época. Mas ainda assim, não estava feliz comigo mesma.
Parecia que faltava algo, sabe? Eu estava magra, mas sentia um vazio gigantesco dentro de mim”. O efeito do emagrecimento durou pouco tempo, logo ela engordou novamente, repetindo todo o ciclo de “engorda e emagrece” que sofria há anos.
“Acabei conhecendo um curso de consultório para nutricionistas, e foi aí que eu realmente entendi que estava fazendo tudo errado. Nessa época, conheci a nutrição comportamental. Resolvi estudar a fundo e entendi que meu problema não era a comida. Eu precisava mudar a forma como me enxergava e parar de me cobrar tanto. A partir daí, a balança estabilizou e nunca mais ganhei peso. Fiz as pazes com a comida e comigo mesma”.
Com o sucesso pessoal, Émili decidiu focar no atendimento às mulheres. Usou o Instagram como ferramenta para divulgar seu trabalho e atrair mais clientes. “É incrível, quando a nossa autoestima está recuperada conseguimos fazer muitas coisas, mostrar nosso trabalho e chegar longe”.
Todavia, a profissional sabia que a exposição nas redes sociais como uma nutricionista acima do peso traria, também, muitos comentários preconceituosos. “Chegaram a questionar a minha capacidade como profissional, como se meu corpo fosse um cartão de visitas. Mas quantos mais ataques eu recebia, mais escancarava a minha vida. E foi aí que algo extremamente maravilhoso aconteceu: inúmeras mulheres com histórias de vidas semelhantes à minha vieram me procurar”, comemora.
Ela acrescenta que suas clientes estavam cansadas de profissionais da área da saúde julgando-as. “Elas estavam exaustas de serem julgadas como desleixadas, como se toda pessoa gorda se alimentasse mal e fosse sedentária. No meu trabalho retiro aquela mentalidade de dieta. Elas aprenderam a confiar nelas mesmas e aprendem a ter autonomia para decidir o que, quanto e como comer. É uma liberdade”.
Segundo a nutricionista, há uma interpretação errônea sobre saúde e peso. “Nem toda magra é saudável e nem toda gorda é doente”, afirma. Ela acredita que o IMC (Índice de Massa Corporal) é um conceito ultrapassado, com a qual não é possível ter uma noção real da composição corporal do indivíduo, tampouco da sua saúde, e afirma não aplicar o método em seu consultório.
“Muitas das pessoas magras, na verdade, não estão nem aí. Elas comem o que querem e não são julgadas por isso, porque o peso delas, aparentemente, está normal. A verdade é que quando elas chegam no consultório estão com muitos problemas de saúde, como colesterol alto e gordura no fígado, condições extremamente perigosas”, explica.
A nutricionista também esclarece que, muitas vezes, a pessoa com sobrepeso e obesidade possui uma maior quantidade de massa magra do que de gordura. “Mas o IMC as considera fora do padrão e essas mesmas pessoas são julgadas pelo seu corpo. Associam seu corpo com sua capacidade física e intelectual”.
Hoje, Émili diz que fez as pazes com o espelho. Pratica esportes, não come fast foods, tem uma alimentação balanceada e não se importa mais com o peso da balança. “Quero continuar ajudando centenas de mulheres a se libertarem do IMC e a recuperarem a autoestima”.