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"Homens não falam sobre paternidade ativa na roda de amigos"

Tiago Koch, do perfil @homempaterno criou curso para discutir masculinidade, paternidade e equidade de gênero no trabalho do cuidado.

14 ago 2022 - 07h15
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Tiago Koch, criador do projeto Homem Paterno, durante curso antes da pandemia
Tiago Koch, criador do projeto Homem Paterno, durante curso antes da pandemia
Foto: Tiago Koch/Arquivo Pessoal

Quando nasceu sua primeira filha, Iara (hoje com seis anos), o naturólogo e terapeuta Tiago Koch foi preenchido com diferentes sensações: a euforia por se tornar pai e a solidão, pela falta de repertório, conhecimento e referência que tinha para lidar com a paternidade. Mesmo já sabendo que gostaria de exercer uma "paternidade ativa", ele não tinha com quem conversar sobre o tema, a não ser com sua companheira Bruna ou outras mulheres, que é quem assume toda a carga do trabalho do cuidado integralmente.  

"Quando começamos a pesquisar sobre gestação, não havia conteúdo para homens: como eu poderia apoiá-la nesse processo. Para além do protagonismo que a mulher tem no momento da gestação e parto, há também uma sobrecarga de estudo e pesquisa que fica apenas com elas. Nossa filha nasceu em um parto incrível e potente, mas ninguém me falou desse 'tempo fora do tempo' que acontece quando um bebê chega. Os homens, convenientemente não cobrados desse processo", contou. 

Durante o puerpério, Tiago começou a se incomodar com o que sentia. Foram grandes desafios. "Tive confrontar o luto pela perda da liberdade e autonomia. Eu via meus amigos tendo uma vida normal, mesmo com filhos pequenos, olhava pra minha companheira e tinha dificuldade em me conectar com aquilo tudo que ela estava vivenciando, a conta não fechava. E ai no meio desse caos eu entendi. Homens não falam sobre paternidade ativa na roda de amigos. As conversas sobre paternidade eram sempre superficiais, sobre brincadeiras com as crianças, não sobre desafios reais como introdução alimentar, rotina de saúde, o trabalho do cuidado". Tiago não conseguia conversar com os homens mais próximos sobre as dificuldades com o cuidado da filha pequena em casa. "Não tinha esse espaço, não era uma pauta". 

Tiago Koch com a filha Nalu
Tiago Koch com a filha Nalu
Foto: Tiago Koch/Arquivo Pessoal

A pesquisa "Tempo de cuidar", da Organização Oxfam mostrou que as mães fazem mais que 75% do trabalho de não remunerado no mundo - como cuidar  e educar uma criança, por exemplo. Com isso, 42% das mulheres não conseguem um emprego, porque ficam responsáveis por todas as tarefas. Entre os homens, esse percentual é de 6%. "Nesse conceito de masculino, há um distanciamento dos homens sobre essas responsabilidades. É dificil encontrar um pai que sabe cozinhar para as crianças, troca a fralda ou sabe a data da próxima vacinação. E isso vai gerando outros problemas, não existe rede de apoio paterna, como existe para as mulheres, porque os homens não ocupam esse lugar", detalhou Tiago. 

Passado todo o caos do primeiro ano do puerpério da primeira filha, o terapeuta começou então a tirar do papel o projeto Homem Paterno. Para conseguir criar conteúdos específicos para homens, mergulhou no universo materno ouvindo, principalmente, a demanda de mulheres sobrecarregadas com o trabalho do cuidado com os filhos. Quando Iara já estava com 1 ano e meio, o projeto saiu do papel. 

A ideia era criar uma rede de apoio para atender homens interessados em paternidade, além de tentar trazer outros homens a refletir e ressignificar o papel de pai. O primeiro encontro aconteceu em Florianópolis, antes da pandemia. "Foi preciso falar primeiro sobre o que é ser homem, o que foi construído e o que trazemos de bagagem que precisamos abandonar" contou. 

Tiago Koch com as filhas Nalu e Iara
Tiago Koch com as filhas Nalu e Iara
Foto: Tiago Koch/Arquivo Pessoal

Raça e vulnerabilidade social também determinam paternidades

Aos poucos o grupo de pais foi crescendo, mas há uma questão que precisa ser trabalhada, segundo Tiago. Fazer um curso sobre paternidade ainda é um privilégio de raça e classe social, como mostrou o perfil das primeiras turmas: praticamente todos os homens brancos e de classe média ou classe média alta. "Consegue também pensar nessa estrutura quem tem tempo e condições financeiras de se fazer presente em casa. Um pai que sai às 4h da manhã para trabalhar e volta às 22h, não vão conseguir suprir essa demana e por isso precisamos também pensar em políticas públicas mais eficientes.Hoje as políticas não levam em conta a importância da construção da afetividade, da participação ativa. Já deveríamos estar estruturando uma licença parental. Ouço relatos muito absurdos do tipo: 'nem vi meu filho'. Encaram a licença do pai como um prejuízo econômico. O machismo contamina todas as discussões". Atualmente, além de cursos, o projeto tem quatro canais em um aplicativo de mensagens que abrigam grupos de apoio paterno. 

Pais e futuros pais no primeiro encontro do projeto Homem Paterno
Pais e futuros pais no primeiro encontro do projeto Homem Paterno
Foto: Tiago Koch/Arquivo Pessoal

Paternidade e influência

Sergio Carolino com sua companheira Andressa Reis, e os filhos Maria e Caetano.
Sergio Carolino com sua companheira Andressa Reis, e os filhos Maria e Caetano.
Foto: Sergio Carolino/ Arquivo Pessoal

Com mais de 18 mil seguidores, Sergio Carolino, pai de Pedro, Maria e Caetano, dupla com a esposa para falar sobre paternidade, responsabilidades, afeto, paternidade preta e educação respeitosa. Filho de mãe solo, sempre sentiu a ausência paterna como algo que gostaria de corrigir quando tivesse uma família. "No conteúdo que crio, não quero falar com mulheres. Já existem bons consteúdos sendo produzidos para falar sobre o machismo e como isso as afeta. Eu quero denunciar o patriarcado cômodo para os próprios homens e de alguma forma alcançar alguma mudança com isso. A paternidade não começa só quando o bebê nasce".

Muitos dos vídeos abordados pelo casal falam sobre a carga mental da mãe no trabalho do cuidado. O problema estrutural, para Sergio, precisa também ser resolvido com políticas públicas que incentivem homens a assumir o trabalho de cuidado. "Um projeto que trouxesse o pai para as consultas de pré-natal, de forma mais ativa, por exemplo. É preciso tirar essa carga de só a mulher gestante é que precisa se informar sobre tudo, enquanto os homens ou aprendem por elas, ou simplesmente se abstém desse processo. Pai não pode ser só um executor de tarefas que a mãe pede pra ele fazer. É preciso assumir essa responsabilidade de forma ativa"

Fonte: Redação Nós
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