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Bahia: Terreiro denuncia racismo ambiental em Lauro de Freitas

Petição disponibilizada na internet aponta os problemas gerados por descarte ilegal de lixo em bairro da Região Metropolitana de Salvador

18 ago 2022 - 10h24
(atualizado às 18h30)
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Fotos do descarte de lixo próximo ao terreiro.
Fotos do descarte de lixo próximo ao terreiro.
Foto: Imagem: Acervo pessoal / Alma Preta

No início deste mês (3), o Terreiro Ilè Àse Oià Ajìmudà, liderado pela Ialorixá Mãe Alda de Oyá, expôs uma denúncia sobre a situação de racismo ambiental que vem sofrendo em Lauro de Freitas, na Bahia. Foi publicada na internet uma petição que está coletando assinaturas para pressionar a prefeitura da cidade a resolver a situação de descarte ilegal de lixo que dificulta a circulação das pessoas e a ida ao terreiro no bairro Itinga.

De acordo com Mãe Alda de Oyá, o trecho onde está sendo feito o descarte de diversos materiais foi criado há aproximadamente dois anos para a construção da rodovia Via Metropolitana.

"Depois da construção da Via Metropolitana, esse acesso ficou sendo usado pelo município para passar carro de lixo e para a construção do hospital metropolitano. É uma pista que ficou sendo usada para tudo", comenta.

Entretanto, a Ialorixá ressalta que há muito tempo a região enfrenta problemas provocados pela falta de suporte e fiscalização por parte da prefeitura.

"É uma série de coisas que aconteceram nesse pedaço e a prefeitura não toma conhecimento. Teve uma exploração de arenoso irregular. Com a construção da rodovia, as terras que foram tiradas aterraram uma grande parte desse lugar, mas os postes podem cair a qualquer hora, porque ficaram soltos devido à escavação do arenoso", explica Mãe Alda.

Dificuldades enfrentadas

De acordo com a Ialorixá, o acesso onde o lixo é descartado, que é de terra, fica intransitável, o que impede a comunidade de acessar suas casas e impossibilita o acesso ao terreiro e o cumprimento de obrigações religiosas. Mãe Alda, que tem 71 anos, também encontra dificuldades de locomoção para resolver suas demandas, como ir ao médico.

"Estamos tendo prejuízo das pessoas não terem como transitar, de aplicativo não poder passar para cá. Eu mesma, para me deslocar, tenho dificuldade. Carro de aplicativo não quer vir, porque a pista é ruim e o descarte de lixo chega até servir de emboscadas pela quantidade grande. O motorista de aplicativo deixa a pessoa na pista, exposta a risco de assalto e tudo para não entrar nesse pedaço", relata.

"O descarte é ilegal porque são lixos de obras grandes. É caçamba de lixo. Eu não sei a origem, mas são de vários lugares e de todas as qualidades. Então, cabe à prefeitura sinalizar e proibir", acrescenta a líder comunitária.

A Ialorixá também conta que teve chikungunya há pouco tempo e que um vizinho chegou a falecer de dengue hemorrágica. "A gente não sabe onde foi a contaminação. Para mim, eu adquiri aqui. Aqui no terreiro tem criança e eu tenho 71 anos. Então eu quero que haja pelo menos fiscalização, orientação, sinalização e proibição para o lixo não ser descartado nessa região, além de que se melhore esse acesso", destaca.

Mobilização contra o racismo ambiental

A carta-denúncia formalizada e disponibilizada na petição cobra providências urgentes das autoridades, instituições e órgãos estatais. A solicitação é baseada em direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito ao meio ambiente equilibrado, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, o direito à segurança pública e o direito ao transporte.

"O racismo ambiental é justamente isso que acontece, porque será que no centro, em uma rua central, vão colocar lixo à toa? Vão colocar caçamba de lixo, resto de obra em uma via principal? Não! Então aqui por ser uma adjacência, não muito habitada, não ter muitas residências, acham que deve ser usado para esse despejo de lixo", enfatiza Mãe Alda.

A advogada Natalie Coelho, que acompanha o caso e é integrante da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/BA, também ressalta que a situação que o terreiro e as casas da região estão enfrentando é uma afronta à dignidade da pessoa humana.

Caçambas de lixo são despejadas no acesso | Crédito: Reprodução/ Youtube

"Somente nessas áreas que eles fazem isso, como se não tivesse nenhum respeito mesmo. É como se fizesse pra que aquilo ali deixasse de existir, se tornasse invisibilizado. É um lugar desertificado. A gente vai buscar força dos orixás, vai buscar esperança, axé e, quando eles jogam lixo em cima, é um ato simbólico muito triste e revoltante", comenta a advogada.

Além da fiscalização da área por parte dos órgãos ambientais responsáveis para impedir desmatamento e descarte ilegal de lixo, a petição também requer que as autoridades tomem conhecimento e providências necessárias para combater o problema estrutural, que as ruas da localidade afetada sejam devidamente pavimentadas e iluminadas e que sejam pensadas políticas públicas de reparação ambiental e de reflorestamento para o local.

"A gente busca realmente que a área seja reflorestada, pavimentada, iluminada, para garantir segurança. As pessoas não estão conseguindo ter acesso a suas obrigações religiosas, porque o lugar já é perigoso, já é distante", explica Natalie Coelho, advogada que acompanha o caso e é integrante da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/BA.

A Ialorixá Mãe Alda conta que já chegou a fazer denúncias para a Prefeitura de Lauro de Freitas para apontar os problemas gerados pela situação, mas não foi atendida. Na semana passada, após a repercussão da carta-denúncia, ela relata que integrantes da Prefeitura chegaram a ir até o local para ver a situação e prometeram providências quanto à limpeza da rua, mas, até o momento, não teve um prazo de quando a situação será resolvida.

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Prefeitura de Lauro de Freitas, que informou que as Secretarias de Meio Ambiente, Serviços Públicos e Infraestrutura estão fazendo um trabalho conjunto de planejamento e já iniciaram a tratativa relacionada à denúncia. Ficou deliberado que o município vai remover os resíduos depositados clandestinamente, bem como vai realizar melhorias na estrada que dá acesso ao terreiro.

Além disso, a Prefeitura também se colocou à disposição para diálogo de conscientização junto a comunidade do entorno. Até o fechamento do texto, não foram informados prazos para o andamento das providências que vão solucionar as demandas colocadas na carta-denúncia. Caso essa informação seja enviada, o texto será atualizado.

Leia mais: O que é racismo ambiental e como contribui para a retirada de direitos no Brasil

Alma Preta
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