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O que faz um país ser bom no futebol?

Riqueza, tamanho e interesse no futebol explicam a metade do desempenho internacional dos países no campo futebolístico. O resto é a se pensar

15 jun 2018 - 17h28
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Numa tarde ensolarada de domingo, num campo a pouca distância do estádio nacional de futebol no Uruguai, os garotos de 14 anos entraram no campo bastante irregular. Foram aclamados pelos pais, que também são os treinadores, os encarregados dos uniformes e da sua alimentação. Esse jogo era um entre as centenas disputados a cada fim de semana como parte do Baby Football, um programa nacional dedicado à garotada entre 4 e 13 anos de idade. Entre os formados pelo programa estão Luis Suárez e Edinson Cavani, dois dos melhores atacantes do mundo.

Suárez e Cavani são dois ponta de lança do Uruguai nesta Copa do Mundo que começa dia 14 de junho. Os agentes de apostas colocam a Celeste como a nona favorita a vender o campeonato, o que seria sua terceira vez.

Somente o Brasil, Alemanha e Itália venceram mais vezes, embora a população do Uruguai seja muito menor do que a de Berlim. Mas o time não é mais o gigante que era no início do século 20. O Uruguai ainda joga bem. Suárez e Cavani chegaram às semifinais em 2010 e garantiram um 15º campeonato sul-americano em 2011. Seu rosto adorna os museus de futebol de Montevidéu ao lado das camisas em frangalhos e os troféus ganhos em um século.

Se o minúsculo Uruguai obteve tamanho sucesso no futebol, por que países muito maiores e mais ricos não o conseguem? Essa pergunta parece atormentar Xi Jinping, o presidente da China, que quer que o seu país se torne uma superpotência no futebol em 2050. Seu plano inclui a construção de 20.000 novos centros de treinamento, juntamente com a maior academia do mundo, em Guangzhou, que vai custar US$ 185 milhões. Os Emirados Árabes Unidos e o Qatar gastaram bilhões de dólares na compra de clubes europeus importantes, esperando aprender com eles. A Arábia Saudita está pagando para enviar os nove jogadores da liga espanhola. Um ex-amador de futebol chamado Viktor Orban, hoje primeiro ministro da Hungria desembolsou muito dinheiro em estádios que estão raramente cheios. Até agora esses países mostraram pouca coisa apesar dos gastos. A China não conseguiu se qualificar para a Copa do Mundo deste ano e chegou mesmo a perder por 1x0 para a Síria - uma humilhação de provocou manifestações de protesto.

Futebolista deve se enquadrar no modelo

The Economist elaborou um modelo estatístico para identificar o que torna um país bom no futebol. Nosso objetivo não é prever quem será o vitorioso na Rússia, o que seria feito melhor examinando os recentes resultados de uma equipe ou o calibre do seu esquadrão. Em vez disso queremos descobrir os fatores econômicos e esportivos subjacentes que determinam o potencial de um país na área do futebol - e avaliar por que alguns países superam ou melhoram rapidamente as suas expectativas. Pegamos os resultados de todos os jogos internacionais desde 1990 e verificamos que variáveis estão relacionadas com a diferença de gols entre os times.

Começamos com o fator econômico. Stefan Szymanki, economista da Universidade de Michigan, que criou um modelo similar, mostrou que países mais ricos tendem a ser mais esportivos. O futebol está repleto de estrelas de miseráveis a ricas, mas aqueles que cresceram em países pobres enfrentam os maiores obstáculos. No Senegal, os treinadores têm de curar dos parasitas e alimentar alguns jogadores antes de eles começarem a ser treinados. Uma autoridade do país admite que apenas três estádios no país têm um gramado. Assim, incluímos o Produto Interno Bruto (PIB) per capita no nosso modelo.

Em seguinte tentamos medir a popularidade do futebol. Em 2006 a FIFA pediu às federações nacionais para incentivarem a criança de times e jogadores de qualquer padrão. Acrescentamos os dados populacionais para mostrar a taxa de participação no geral. Complementamos essas estimativas com dados mais recentes: com que frequências as pessoas buscaram pela palavra "futebol" no Google entre 2004 e 2018, em comparação com outros esportes como rúgbi, críquete, futebol americano, beisebol, basquete e hóquei sobre patins. O futebol despertou a atenção de 90% das pessoas na África, comparado com 20% na América e apenas 10% na Ásia Meridional, onde o críquete é adorado. Para conquistar o entusiasmo nacional e os gastos em esportes no geral, incluímos também as medalhas olímpicas ganhas por pessoa.

Depois incluímos as vantagens internas, que equivale a 0,6 gol por jogo, e a força da oposição. O Peru obteve um crédito extra por jogar com muita frequência contra equipes superqualificadas. Finalmente, para reduzir o efeito de distorção de peixes miúdos como Ilhas Cayman e Butão, nós reduzimos nossos resultados aos 126 países que jogaram pelo menos 150 jogos desde 1990.

Nosso modelo explica 40% da variação em diferença média de gols no caso desses times. Mas estatisticamente há muitas inconsistências. O Uruguai ficou entre os maiores, com quase um gol por jogo melhor do que o esperado. Brasil, Argentina, Portugal e Espanha vêm logo atrás. África Ocidental e Bálcãs também se sobressaíram.

Infelizmente para os autocratas ambiciosos, os dados sugerem que China e Oriente Médio já mostraram um desempenho aquém do seu já baixo potencial. O críquete domina as buscas no Google nos Estados do Golfo. Somente 2% dos chineses jogaram futebol em 2006 de acordo com a FIFA, comparado com 7% dos europeus e sul-americanos. Os países do Oriente Médio e a China ocasionalmente se qualificaram para uma Copa do Mundo, mas nenhum deles venceu um jogo no campeonato mundial desde 1998.

A conclusão mais impactante do modelo é que grande parte do que determina o sucesso está além do controle imediato dos que administram o futebol. Aqueles na África não podem tornar seus países menos pobres. Na Ásia eles têm dificuldade para aumentar o interesse no esporte. O número de buscas por futebol no Google vem aumentando na China, mas caindo na Arábia Saudita.

Entretanto, autoridades com sonhos de vencer a Copa do Mundo podem aprender quatro lições a partir das inconsistências e aperfeiçoamentos do nosso modelo. Em primeiro lugar, encorajar as crianças a se desenvolverem criativamente. Em segundo, impedir que adolescentes talentosos sejam ignorados. Terceiro, aproveitar ao máximo a vasta rede global do futebol. E quarto, preparar-se adequadamente para o próprio torneio.

Vamos começar com as crianças. A lição clara oferecida pelo Uruguai é ter o maior número possível de crianças chutando bola, para desenvolver suas habilidades técnicas. Xi quer que o futebol seja ensinado em 50.000 escolas chinesas em 2025. A China pode tentar algo como um "Projeto 119", um programa de treinamento 24 horas para jovens, o que ajudou o país a ganhar o maior número de medalhas na Olimpíada de Pequim em 2008. O problema é que o treinamento incessante "faz perder aquelas pequenas asperezas que produzem gênios", diz Jonathan Wilson, editor do Blizzard, que cobre jogos em todo o mundo. Os jogadores da Alemanha Oriental treinavam muito mais do que aqueles da Alemanha Ocidental, mas só se qualificaram para um campeonato importante uma vez.

O problema não é apenas ter muitas crianças jogando, mas também deixar que elas desenvolvam sua criatividade. Em muitos países elas se desenvolvem por conta própria. George Weah, hoje presidente da Libéria, mas que foi o atacante mais temido do continente, aperfeiçoou seu chute com uma bola feita de pano em uma favela. Futsal, um jogo com uma pequena bola que exige muita técnica, aperfeiçoou as habilidades de jogadores latino americanos como Pelé, Diego Maradona, e também Cristiano Ronaldo, Lionel Messi e Andrés Iniesta. Zinedine Zidane foi um dos muitos prodígios franceses que aprenderam futebol na rua.

Tais oportunidades estão desaparecendo nos países ricos. Matt Crocke, que dirige o setor de desenvolvimento de jogadores para a Associação de Futebol da Inglaterra, diz que os pais hoje relutam a deixar os filhos saírem de casa para jogar uma partida de futebol. Muitos espaços livres em conjuntos habitacionais contêm uma plana proibindo jogos com bola. Dele Alli, atacante inglês, é um caso à parte por ter aprendido a jogar no que chamou de "jaula de concreto". O desafio é "organizar as ruas para torná-las o seu clube", diz Guus Hiddink, que foi técnico de futebol na Holanda, Coreia do Sul, Austrália, Rússia e Turquia.

Alemanha acima de tudo

A Deutscher Fussball Bund (DFB), federação nacional da Alemanha, tem feito isto entusiasticamente. No início da década de 2000 ela percebeu que os jogadores alemães vinham lutando contra equipes mais hábeis. No modelo considera que a equipe nacional alemã deve superar todos os demais em razão da riqueza do país, do vasto conjunto de jogadores e ausência de esportes concorrentes.

Desse modo a DFB se renovou. Os clubes alemães gastaram cerca de US$ 1,2 bilhão na criação de academias para jovens desde 2001. Os jovens hoje treinam duas vezes mais quando chegam aos 18 anos. As aulas focam na criatividade em ambientes desconhecidos.

Um dos exercícios envolve uma jaula robótica que lança bolas de vários ângulos para o jogador controlar e passar para a frente. Os homens que venceram a Copa do Mundo de 2014, escreveu Raphael Honigstein, autor alemão, aprenderam através de "um treinamento sistemático a jogar com o instinto e a imaginação daqueles míticos 'jogadores de rua' com os quais os torcedores mais velhos na Alemanha sempre estão sonhando". Nosso modelo avalia que desde 2006 a equipe tem tido um desempenho quase no mais alto nível esperado.

A Inglaterra seguiu o exemplo, reformulando seu programa para a garotada em 2012. Crocker diz que os jogadores são incentivados a assumir riscos e a pensar por eles próprios. Os clubes espanhóis são ótimos nisto. Mas a equipe dos sub-7 ingleses que derrotou a Espanha por 5 a 2 na Copa do ano passado driblou seus oponentes. Crocker diz que eles desenvolveram suas próprias táticas, com pouca ajuda do técnico. O time do Sub-20 inglês também conquistou sua Copa do Mundo.

Essa autoconfiança não existe na Coreia do Sul. Quando Hiddink assumiu a equipe em 2001, o país já estava mais do que preenchendo as baixas expectativas do nosso modelo, com sua taxa de 2% de participação. Mas o treinador diz que aos poucos ele foi descobrindo muitos jogadores criativos. Com a ajuda de algumas decisões felizes, a Coreia do Sul chegou à semifinal em 2002 - o único país fora da Europa e da América do Sul a chegar tão longe desde 1930.

A segunda lição é se certificar de que adolescentes talentosos não sejam esquecidos. A DFB da Alemanha percebeu que muitos eram desprezados pelos caçadores de talentos, assim ela criou 360 centros regionais para esses esquecidos. Um deles foi André Schürle, responsável pelo gol da vitória em 2014. Na Coreia do Sul, Hiddink observou que alguns dos melhores jovens jogavam pelo Exército ou em universidades, onde às vezes não eram vistos pelos caçadores de talentos profissionais.

Programas centralizados são mais fáceis de serem criados em países pequenos. Cada equipe da Uruguayan Baby Football tem seus resultados anotados em um banco de dados nacional. A Islânida, que se qualificou apenas de uma população de 330.000 pessoas e 100 profissionais em tempo integral, treinou mais 600 técnicos para trabalhar com clubes locais. Desde 2000 ela construiu 154 campos miniatura para dar a cada criança uma chance de joga sob supervisão. Esse tipo de programa não é possível na África. Abdoulaye Sarr, ex-técnico do Senegal, diz que o número de jovens com talento é enorme, mas não acessado. O dinheiro que poderia ser gasto com eles é esbanjado pelas autoridades. O Senegal, num desperdício de recursos escassos, está enviando 300 desses jovens para a Rússia.

Bélgica caça elefantes

A África Ocidental tem adotado nossa terceira dica, que é acessar a rede global do esporte. A Europa está no centro desta rede, uma vez que possui os clubes mais ricos, onde os jogadores têm o melhor treinamento. A Costa do Martim, que não conseguiu se classificar para esta Copa do Mundo, exportou uma geração de jovens estrelas para o Beveren, um time belga. Muitos foram depois para clubes de primeira liga da Inglaterra. Quando o Senegal derrotou a França em 2002, dois dos seus jogadores estavam em clubes franceses.

O Senegal poderia ter usado seus recursos ainda de modo mais eficaz. Patrick Vieira, que deixou Dacar e foi para a França aos 8 anos de idade, estava jogando para a antiga potência colônia. Ele foi um dos vários franceses imigrantes que garantiu a Copa para a França em 1998. Seu país natal jamais o contatou. Hoje o Senegal está mais astuto e recrutando jogadores na diáspora, e selecionou nove nascidos fora do país para o torneio. Segundo nosso modelo, o país marcou cerca de 0,4 gol por jogo mais desde 2002 do que até então.

A consultora de futebol 21st Club observa que entre os países europeus os Bálcãs exportam o maior número de jogadores para ligas domésticas mais fortes. Desde 1991, quando 4 milhões de habitantes da Croácia conquistaram sua independência, nenhum dos seus clubes avançou muito na Liga dos Campeões, a maior competição de clubes da Europa. Mas os clubes croatas venderam inúmeros jogadores para o Real Madrid, Barcelona, o Bayern de Munique e o Milan, e esses emigrantes levaram a Croácia para as semifinais em 1998. Esses canais de exportação podem se perpetuar, acha Wilson, "quando um time tem um bom desempenho na Copa do Mundo e alguns dos seus jogadores se sobressaem e todo mundo quer comprá-los".

Alguns países são menos propensos a isto. Nos últimos 15 anos os jogadores com menos de 17 anos no México tiveram um desempenho inferior aos do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Mas um terço das equipes sênior do México joga na liga doméstica, em comparação com apenas dois ou três jogadores em outros lugares. Dennis Kloese, diretor nacional, diz que a diáspora mexicana oferece jogadores e receitas para os clubes domésticos que podem pagar salários altos e manter jogadores de talento locais no país. Isto ajuda a explicar por que o México é um dos poucos países latino-americanos a ter um desempenho bom como se espera, mas não melhor.

A exportação de jogadores não é a única maneira de se beneficiar da experiência estrangeira. Wilson diz que grande parte da educação futebolística da América do Sul veio dos treinadores judeus que fugiram da Europa na década de 1930. Hoje há um numero maior de gurus como Hiddink, que foi um dos primeiros de uma dezena de antigos técnicos do Real Madrid que trabalharam na Ásia. Mas segundo Zymanski da Universidade de Michigan, poucos técnicos podem fazer muito para melhorar times medíocres. Ele acha também que clubes fora da Europa e da América do Sul não estão próximos de se equiparar como há 20 anos. Os dados sugerem que desde 2002 a Coreia do Sul teve um desempenho pior do que tinha antes.

Ele acredita que estes países estão vivendo um tipo de "armadilha de renda média" no futebol, em que economias em desenvolvimento rapidamente copiam as tecnologias de países ricos, mas não colocam em prática as reformas estruturais necessárias. Um técnico sagaz pode trazer novas tendências em termos de tática, mas não consegue produzir uma geração de jovens jogadores criativos. A China estaria pagando a Marcello Lippi, que levou a Itália à vitoria em 2006, a soma de US$ 28 milhões por ano. Salvo se ele foi apoiado por jovens treinadores que recompensem as jogadas imaginativas e uma geração de jovens que adorem jogar, esse dinheiro será um desperdício.

Nossa última lição é para a própria Copa de Mundo: é necessário se preparar adequadamente. Em primeiro lugar, é preciso ter certeza de que você pode se permitir a isso. Em 2014, Gana aplicou US$ 3 milhões de bonificações para evitar uma greve de jogadores, ao passo que a equipe da Nigéria boicotou os treinamentos porque os jogadores não recebiam o salário. Fabio Capello, ex-técnico da Rússia, ficou sem os US$ 11 milhões de salário durante meses depois do colapso do rublo. Além disso, superar a política nos vestuários é mais complicado. Jogadores que venceram campeonatos da Espanha e da Alemanha descreveram a importância de romper as claques dentro dos clubes e as estrelas que não se encaixam nas táticas no time.

As decisões mais difíceis cabem aos jogadores. Os resultados da Inglaterra nos pênaltis foram desastrosos, tendo perdido seis dos sete pênaltis em torneios. Análises de vídeos mostram que os jogadores que se apressavam perdiam os pênaltis. Os ingleses em particular são acelerados. Assim os menores de 17 anos, que venceram um pênalti na sua Copa do Mundo, treinaram para ser mais lentos e praticar uma série de jogadas premeditadas.

O pesadelo e as alegrias da Copa do Mundo é que décadas de planejamento dependem de fatores muito sutis. Um país pode planejar meticulosamente e ainda ser frustrado por um salto da bola infeliz ou uma má decisão do árbitro. Para os expectadores, porém, este fator aleatório dá alguma esperança. Equipes da Ásia, da África e da América do Norte continuam não sendo as favoritas, mas tiveram uma sequência de sucessos como num conto de fadas, caso da Coreia do Sul em 2002. A consultora 21st Club calcula que há uma chance em quatro de surgir um campeão pela primeira vez neste ano. Durante um mês inebriante, os torcedores em todo o mundo esquecerão os anos de sofrimento e acreditarão que em seus livros de história, como a contada no museu de Montevidéu, um novo capítulo de glória poderá ser adicionado. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Estadão
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