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Jogos de Paris

Olimpíada: Ana Marcela, Calderano, Ana Sátila e Robert Scheidt narram ansiedades e receios aos Jogos

Em depoimento ao 'Estadão', atletas contam sobre como lidam com a espera, treinos adaptados e o temor de um possível cancelamento da Olimpíada

9 mar 2021 - 18h01
(atualizado em 18/3/2021 às 09h05)
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Restando menos de cinco meses para o início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, o Estadão reuniu depoimentos de quatro atletas brasileiros que garantiram vaga no evento, mas que, em meio à pandemia e situação crítica no Japão, têm convivido com a ansiedade, treinos adaptados e o temor de um possível cancelamento da competição.

Um dos maiores nomes da história da maratona aquática, a baiana Ana Marcela Cunha, de 28 anos, buscará em Tóquio a conquista que lhe falta no currículo. Maior medalhista na história dos Mundiais, com 11 pódios - com direito a cinco ouros -, além de seis vezes eleita a melhor do mundo pela Fina (Federação Internacional de Natação), Ana Marcela tentará este ano uma inédita medalha olímpica. Isso só será possível se, de fato, os Jogos de Tóquio acontecerem a partir de 23 de julho, apesar dos problemas em razão da pandemia do coronavírus, que ainda está bem longe de ser controlado.

Atual número 6 do ranking mundial da ITTF (Federação Internacional de Tênis de Mesa), o carioca Hugo Calderano, de 24 anos, vive a expectativa que poucos atletas têm em seu currículo: disputar a segunda Olimpíada de sua vida, após chegar às oitavas de final nos Jogos Rio-2016. O atleta de 1,81 m de altura e que foi medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2014, em Nanjing (CHN), no entanto, também sabe que há um grande ponto de interrogação no caminho dos Jogos de Tóquio, que é a covid-19.

Situação semelhante vive a jovem mineira Ana Sátila. Principal nome da canoagem slalom feminina do Brasil, Ana Sátila já tem vaga assegurada na Olimpíada, mas torce para que os japoneses consigam controlar a pandemia do coronavírus e realizar o evento normalmente.

Dono de cinco medalhas olímpicas (duas de ouro), um recorde no esporte brasileiro, ao lado de Torben Grael, o velejador Robert Scheidt se prepara para bater na Olimpíada uma nova marca. Caso os Jogos Olímpicos previstos para começarem em 23 de julho aconteçam de fato, Scheidt se tornará o atleta brasileiro com mais participações, sete. Às vésperas de completar 48 anos, no próximo dia 15 de abril, Scheidt entende que a pandemia do coronavírus irá impor uma edição dos Jogos completamente diferente a todos os participantes. Veja o depoimento de todos eles ao Estadão.

'Treino todos os dias na certeza da realização dos Jogos', diz Ana Marcela

"Sigo acreditando na realização dos Jogos Olímpicos e estou me preparando para isso. Treino todos os dias, na certeza da realização dos Jogos e da minha prova, marcada para o dia 3 de agosto. Mesmo neste atual momento da pandemia, na minha opinião teremos um controle muito rígido e talvez não tenhamos público para evitar aglomerações nos eventos.

Esta possibilidade de não ter público, ou uma quantidade controlada de torcedores na Olimpíada, não me preocupa em relação à minha prova, não vejo nenhum impacto. Mas para os Jogos, de modo geral, será diferente. Contudo, acredito que será a Olimpíada da esperança por um mundo melhor.

E por isso, acho válido que façam um controle mais rigoroso da movimentação dos atletas em Tóquio, além de estabelecer regras para entrada e saída do Japão. Particularmente, estou indo para lá para disputar uma medalha! Não penso em ficar passeando nem há clima para isso neste momento. Óbvio que toda esta situação me preocupa. Não só para mim, mas a toda a minha equipe, estamos mais atentos ao controle para evitar uma contaminação. Mesmo assim, tudo isso não tem gerado nenhum tipo de ansiedade especial.

Desde o ano passado, tivemos de nos reinventar, até mesmo em métodos de treinamento, quando tudo estava fechado, simulando os movimentos que fazemos na água no seco mesmo. Agora, estou focada 100% nesta fase final do meu treinamento e sem pensar em cancelamento dos Jogos. Eles irão acontecer, tenho certeza disso."

'O cancelamento da Olimpíada teria um impacto imensurável', diz Calderano

Hugo Calderano sonha alto com os Jogos de Tóquio
Hugo Calderano sonha alto com os Jogos de Tóquio
Foto: Divulgação/Hugo Calderano / Estadão

"Gosto de pensar de uma forma positiva e acredito que a Olimpíada será mesmo realizada. Sei que tudo é muito incerto, então não temos muito o que fazer, a não ser torcer. O cancelamento da Olimpíada teria um impacto imensurável na vida e na carreira de muitos atletas. A gente treina diariamente para isso, para competir nos Jogos Olímpicos a cada quatro anos. Perder uma das poucas chances de disputá-los desmotivaria muitos atletas, isso teria um impacto muito grande.

Fala-se muito sobre a possibilidade de os Jogos serem realizados sem a presença de público. Acredito que isso impactaria bastante o ambiente na competição. A Olimpíada é sempre marcada pela presença dos torcedores, pela atmosfera incrível que eles trazem para todas as modalidades, mas, se tiver de ser assim, com certeza darei o meu melhor e contarei com o apoio de todos que torcerão por mim de casa.

Acho correta a criação de protocolos rígidos de segurança sanitária, como os que foram já anunciados, como controle de movimentação e datas de chegada e partida bem rigorosas. Só acho que é preciso dar tempo suficiente para os atletas chegarem a Tóquio e se acostumarem com as condições da competição, com o fuso horário e, além disso, com todos estes aspectos dos protocolos de saúde.

É claro que tudo isso faz com que eu me preocupe muito com a segurança, não só minha, mas de todas as pessoas envolvidas. Porém, confio que o Japão conseguirá cuidar desta questão com sucesso. Profissionalmente, mesmo com todas as incertezas que estamos vivendo desde 2020, meus patrocinadores e meu clube continuaram me apoiando totalmente. Não tive nenhum tipo de impacto financeiro em minha carreira na pandemia.

No fundo, acho que estou lidando bem com esse clima de incerteza em relação aos Jogos. Como não há muito o que eu possa fazer, procuro me concentrar mais no presente, nos meus treinamentos para chegar na melhor forma possível caso a Olimpíada aconteça. Penso mais no meu dia a dia e não fico pensando muito no que não tenho controle."

'Seria devastador se a Olimpíada fosse cancelada', afirma Ana Sátila

"Acredito que os Jogos Olímpicos de Tóquio acontecerão em julho, mas com certeza será muito diferente. A gente precisa estar preparado para todas as novidades e tenho certeza de que será um desafio muito grande. Espero que tudo dê certo e a gente possa competir e participar dos Jogos Olímpicos, levar muita alegria para o mundo inteiro.

Seria devastador se a Olimpíada fosse cancelada. Eu venho treinando todos os dias e em nenhum momento isso passa pela minha cabeça. Para mim traria um impacto muito grande, mesmo já tendo participado de duas Olimpíadas e ainda sonhando em disputar outras mais. Porém, para muitos atletas, eles têm só esta chance. Então, nem consigo imaginar o que significaria um cancelamento dos Jogos. Espero que tudo ocorra bem e que a gente consiga participar e abrilhantar essa evento que é tão importante.

A possibilidade de competir em Tóquio sem a presença de público em razão da pandemia mudaria bastante a Olimpíada. A torcida é o maior diferencial, especialmente na nossa modalidade. A gente nunca participa de nenhum campeonato que tenha tanto público como atletismo ou futebol. Então, claro que muda totalmente sem torcida. Mas acredito que o comitê organizador está lutando para que os Jogos aconteçam, então precisam tomar as decisões para que tudo ocorra da forma correta.

Justamente por isso, concordo com os protocolos rigorosos de segurança sanitária que foram divulgados. Claro que todo mundo está muito focado nas competições, será totalmente atípico de tudo o que a gente já viveu. Então, acredito que devam mesmo ser tomadas certas precauções e que a gente precisa ficar atento a isso e respeitar. É o caminho a ser seguido.

Toda esta situação deixa a gente um pouco ansiosa sim, porque tudo será muito diferente. Até agora, não sabemos exatamente como vai acontecer. Então, causa uma certa ansiedade, mas estou muito focada no meu treinamento. Está fora do meu controle, então procuro me preparar muito bem para chegar lá, cumprir as recomendações, competir e voltar para casa. Espero que tudo dê certo neste caminho e que a gente consiga seguir bem, respeitar bastante todo o regulamento e que nada aconteça conosco.

Assim, a maior preocupação é conseguir fazer um planejamento muito bom nas competições que serão realizadas antes dos Jogos e que até agora não temos certeza como ocorrerão. Essa é a parte mais complicada, pois estamos treinando sem saber exatamente quando vamos viajar e competir. Esta é a parte mais complicada. Mas o objetivo é o treinamento e quando a gente tiver uma data certa, seguir como planejado.

Uma coisa que me deixa bem tranquila em minha preparação é que consegui manter todos os meus patrocinadores neste período. Não posso reclamar. Eles me abraçaram como atleta, sendo que a maioria deles já me apoia há muito tempo, mesmo antes da pandemia. Sou muito grata a todos eles. Estão a meu lado pelo incentivo ao esporte, não apenas pelo que pode trazer à minha carreira, mas também para o Brasil."

'Será uma Olimpíada com restrições, porém vai acontecer', acredita Scheidt

"A gente não tem dúvida nenhuma de que a Olimpíada irá acontecer este ano, mesmo com a pandemia em todo o mundo. Será uma Olimpíada com muitas restrições, muitas regras a serem cumpridas. Porém, vai acontecer. Os Jogos Olímpicos serão um pouco diferentes, com todos os protocolos que serão exigidos, mas para os atletas, é preferível realizar uma Olimpíada com restrições a não realizar. O importante é manter o sonho olímpico para todos e que a gente não perca estes Jogos Olímpicos, o maior evento esportivo mundial. Se tem a chance de realizá-los mesmo com restrições, seria ótimo que seja feito.

O protocolo será bastante rígido, com isolamento social, com horários para treinar e competir, entrada e saída nos locais, enfim, serão vários protocolos de segurança. Mas repito, os atletas terão de se adaptar às exigências. Será igual para todos e isso que é importante, ou seja, todos estarem em pé de igualdade. Não é o cenário ideal para competir. Vai do que cada atleta conseguir se adaptar e tentar performar da melhor maneira possível dentro destas restrições todas.

Pessoalmente, a experiência de já ter participado de seis Jogos Olímpicos ajuda um pouco a não sofrer com ansiedade. Financeiramente, apesar de muitas modalidades e atletas estarem sendo afetados pelos problemas decorrentes da covid-19, mesmo com o adiamento da Olimpíada para 2021 continuei contando com o apoio de meus parceiros, como Banco do Brasil, Rolex, CBVela e COB, que tinham confirmado o apoio até depois dos Jogos Olímpicos. Isso foi muito importante para eu seguir me preparando neste período com poucas competições.

Já para a competição em si, sei o que irei enfrentar em relação à expectativa, tanto externa quanto minha mesmo. Eu me conheço bem para saber o que irei enfrentar lá. Teremos de ter um pouco mais de flexibilidade, um pouco mais de adaptabilidade com esta questão toda da pandemia.

Na vela, a gente tem uma particularidade que é a de conhecer a raia olímpica, adaptar-se aos ventos, à correnteza, ao mar. Com pouco tempo de treinamento, isso vai ser significativamente reduzido. Os atletas terão de usar da experiência passada que eles têm na raia. Felizmente, participei do evento-teste em 2019 e então é procurar lembrar o que aconteceu no evento. Outros atletas também treinaram bastante por lá e poderão levantar estas informações que foram colhidas. O mais importante é ter igualdade para todos, que ninguém tenha vantagem neste momento.

Por fim, acredito mesmo que a Olimpíada não será cancelada. Seria muito triste para a comunidade esportiva, os atletas e todos os envolvidos perderem este ciclo olímpico. Mas acho que isso não vai acontecer e torço muito para que de fato não aconteça este cancelamento."

Estadão
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