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Rússia

Russos têm vida simples em casas construídas durante o socialismo

Como acontece com a grande maioria da classe média de Moscou, habitações são pequenas e não têm o padrão Fifa

12 jul 2018 - 05h11
(atualizado às 05h11)
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O apartamento de Daria Kornilova fica no prédio 1 da Rua Bolshaya Filekovskaya, perto do centro de Moscou. Ele foi construído nos anos 1960, tem tijolos aparentes e porta pesada de ferro. O elevador desce rangendo devagar. Como em todas as casas russas, é preciso tirar os sapatos na porta. Daria concordou em mostrar onde e como mora ao Estado, coisa rara aqui. "Os russos só convidam amigos. Mas se você se abre para ter informações, tem mais chance de aprender."

Como acontece com a grande maioria da classe média de Moscou, a casa não tem o padrão Fifa. Cozinha pequena, duas salas e dois quartos. O orçamento apertado vai empurrando as reformas sempre para o ano seguinte. Daria acha que elas já passaram da hora de acontecer.

A geladeira, com uns cinco ou seis anos de uso, traz alguns ímãs que mostram as viagens da família: Egito, Rio de Janeiro e as ex-repúblicas soviéticas.

Na pia com água quente e fria, outra de suas lembranças preferidas como turista: uma caneca com o desenho do calçadão de Copacabana. Foi por causa dessa viagem que ela aprendeu português. No fogão branco, um pouco enferrujado, frango e arroz. Ela se apressa em dizer que foi o marido, Konstantin, que deixou tudo pronto, pois ela não é muito de cozinhar. Tudo parece gostoso.

Daria ganha R$ 1.800 como jornalista e tradutora em um site importante da Rússia. Decidiu trabalhar com um salário menor para ter horários flexíveis e poder ficar com a família e estudar. Disse que já chegou a ganhar 70 mil rublos (R$ 4.300) quando trabalhava na área administrativa de uma empresa.

São duas filhas: a mais velha é Katya; a mais nova, Lada - como o carro. Seu marido é advogado e tem renda média de R$ 3 mil. A casa é própria, mas eles têm despesas da ordem de R$ 600 por mês com água, luz, internet e gás. Saúde e educação são gratuitos. Não gastam com TV por assinatura, pois não veem TV. Preferem internet.

O prédio é bem localizado, distante cinco minutos do metrô Bagrationovskaya e em frente ao Parque Fili, um dos principais centros de lazer da cidade. Dá para passear de barco no rio, caminhar, andar de bicicleta ou de patins, assistir aos filmes nas noites de cinema e acompanhar concertos ao ar livre. Esse é o lazer da família de Daria.

Na garagem, dois carros. O mais novo é um Toyota branco 2001, que sofreu uma batida na traseira. Outro conserto que vai sendo adiado. Daria acha que o apartamento de 61 metros quadrados é grande, mas reclama que não é muito confortável. Eles foram projetados ainda na época do socialismo para que acomodassem duas ou três famílias. Isso mesmo. Várias famílias dividiam o mesmo espaço em nome do conceito de coletivismo soviético. Mas a ideia foi perdeu força com a morte de Stalin e acabou nos anos 1960.

Katya, a filha mais velha, aproveitou o espaço à sua maneira. Fez uma divisória dentro da sala grande. Privacidade. "Gosto de quartos dentro dos quartos", justifica a menina de 17 anos.

Seus desenhos representam grande parte da decoração do local. Ela aprendeu a desenhar na Escola de Artes e agora quer aprender animação. Em agosto, fará um exame no Theatrical Art Technical College. De certa forma, levou adiante o talento da mãe, que gostava de desenhar e criar objetos com peles de animais na adolescência. Daria conta que a filha não tem tudo o que as amigas têm, mas Katya nunca reclama e entende.

Não deu tempo de ficar para o frango com arroz, apesar do convite. A próxima tarefa era entrevista coletiva da Croácia. No dia seguinte, na hora de agradecer a hospitalidade e o carinho, a pergunta mais delicada do encontro. Daria acha difícil a questão. "Acho que sou feliz. As pessoas queridas estão perto de mim e saudáveis. Tenho filhos e tenho saúde. Minha consciência é clara. Nem sempre estou satisfeita com o que percebo no plano social, mas isso depende de mim."

Estadão
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