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Preparador de 1977 recorda uso de astrologia e acolhida a Ruy Rey

7 mai 2017 - 08h42
(atualizado às 08h42)
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Aos 81 anos, José Teixeira não perdeu o hábito de fazer anotações enquanto assiste a jogos de futebol pela televisão. Preparador físico do Corinthians e braço direito do técnico Oswaldo Brandão durante o Campeonato Paulista de 1977, ele reúne em seu acervo pessoal alguns valiosos papéis amarelados daquela decisão contra Ponte Preta de quatro décadas atrás. Um deles teria sido determinante para a até hoje controversa expulsão do atacante Ruy Rey.

"A ciência é real ou subjetiva?", pergunta um falante José Teixeira, após estacionar o seu carro em dia de rodízio e adentrar a redação da Gazeta Esportiva, quando o assunto é Ruy Rey. "É subjetiva!", exclama, contrariando o senso-comum.

A ciência à que Teixeira se refere é a ciclobiologia, um misto de estatística e astrologia que tem como ramos a signologia e o biorritmo. Como explica o próprio treinador aposentado no livro "A história de um tabu que durou 22 anos", o estudo defende que a vida de uma pessoa é influenciada pela data e a hora do seu nascimento, bem como pelas posições em que se encontram os planetas.

A ciclobiologia foi apresentada à comissão técnica do Corinthians de 1977 por Antonio Oláia e Jorge Rioji Ue e logo acabou incorporada à rotina de um clube que se agarrava a tudo na esperança de findar um jejum de quase 23 anos sem conquistas expressivas. Como combinado, os especialistas entregavam envelopes a José Teixeira com informações detalhadas sobre como estariam as condições físicas, emocionais e intelectuais de todos os atletas e do trio de arbitragem envolvidos em um compromisso daquele Campeonato Paulista.

"Vou te dar um exemplo. No segundo jogo da final contra a Ponte Preta, estava escrito: possibilidade de gol acidental e contusão de Palhinha. Juro por Deus. E o que aconteceu? Aquele gol sem querer e a contusão!", empolga-se José Teixeira, citando diversos outros casos em que a ciclobiologia teria comprovado a sua eficácia.

O mais emblemático foi o de Ruy Rey, autor do gol da vitória da Ponte Preta, por 2 a 1, na partida em que Palhinha se contundiu. "Estava lá para o terceiro jogo: Ruy Rey, triplo dia crítico - físico, intelectual e emocional. Isso dá uma vez de anos em anos, e ele estava nesse dia", observa Teixeira, sobre uma quinta-feira que, de fato, não acabou bem para o jogador adversário.

De acordo com o preparador físico do time de 1977, o Corinthians se organizou para tirar proveito do inferno astral de Ruy Rey até com a contratação de um falso repórter, incumbido de provocar o atacante à beira do campo. Os zagueiros Ademir Gonçalves e Moisés e o volante Ruço também colaboraram, com ameaças. "Vou te pegar", diziam, fazendo com que o rival se queixasse com o árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia antes mesmo de o jogo começar no Morumbi.

"Quando a bola rolou, o Ademir foi lá e pegou o Ruy Rey. Depois, o Moisés fez o mesmo. Ele estava alterado, pelo dia que estava vivendo, e foi reclamar de novo. O Dulcídio mandou ele sair de perto outra vez. Aí, o Ruço disse: 'Você vai deixar que ele apite o jogo?'. E o Ruy Rey foi para cima do árbitro com tudo, reclamando. Recebeu o amarelo. Deveria ter abaixado a cabeça e ido embora. Não foi. Acabou expulso", resume José Teixeira.

Ainda que Ruy Rey não tivesse sido provocado, os rumos do Campeonato Paulista de 1977 seriam os mesmos, na opinião do preparador. "Tenho absoluta certeza e asseguro por tudo o que é sagrado: o Ruy Rey seria expulso de qualquer jeito. E mesmo com ele ou com 15 jogadores em campo, a Ponte Preta não ganharia", disse, de punhos cerrados. O motivo para tamanha certeza? A ciclobiologia. "Todos do Corinthians estavam em um dia excelente. Já a turma da Ponte estava em baixa", recorda.

Seja como for, a polêmica em torno de Ruy Rey não se encerrou no fatídico 13 de outubro de 1977. Meses mais tarde, o jogador que foi vice-campeão estadual pela Ponte Preta se transferiu justamente para o Corinthians, gerando suspeitas em torno de sua conduta explosiva na final. José Teixeira, alçado ao cargo de técnico do clube naquela temporada, defende o seu antigo comandado: "Era um fulano sério, bacana, que nunca criou um problema. Sempre foi extrovertido, com uma personalidade borboleteante, estando em todos os lugares".

Ruy Rey preferiu estar em apenas um lugar nas semanas posteriores ao histórico gol de Basílio no Morumbi. Achincalhado, o atacante não saía mais de casa, o que teria comovido Vicente Matheus, então presidente do Corinthians, a contratá-lo à revelia da sua comissão técnica.

"Lembro que estávamos reunidos na sala do Matheus, fazendo o planejamento para a temporada, quando a secretária anunciou que uma pessoa desejava falar sobre a contratação de um jogador. Esse sujeito entrou de terno Pitex, sapato de cromo, camisa e gravata de seda. Você precisava ver o homem!", diz José Teixeira.

"O homem", cujo nome o integrante da comissão técnica corintiana não guardou, avisou que estava ali para oferecer Ruy Rey ao Corinthians. "O Matheus disse que aquilo era problema da Ponte e mandou se retirar. Mas ele não se mexeu e perguntou: "Então, é verdade que o senhor comprou o Ruy Rey?'. O Matheus queria bater nele. Só que ele começou a contar que o Ruy Rey não saía de casa, que a mulher dele não podia nem ir ao supermercado, que haviam descarregado um caminhão de lixo na porta deles… Enfim, o Ruy Rey estava morto. O Matheus era muito família e ficou sensibilizado", conclui.

Ainda em 1978, o próprio José Teixeira auxiliou um familiar de Ruy Rey. O lateral direito Luís Cláudio, primo do ex-jogador da Ponte Preta, virou uma aposta pessoal do treinador para a sucessão do ídolo Zé Maria. "Encontrei esse garoto no vestiário do time profissional, e o Ruy Rey disse que era primo dele, que tinha vindo do Rio de Janeiro para passar as férias. Simpatizei com o Luís Cláudio, que só jogava futebol na praia, e o convidei para entrar no time júnior", comenta, sobre o atleta que viria a disputar 113 partidas como corintiano. Curiosamente, Ruy Rey contabilizou 77.

Já José Teixeira comandou o Corinthians em 118 ocasiões, entre 1965, 1966, 1978 e 1979. São-paulino na infância e com passagens pelas comissões técnicas do clube rival, da seleção paulista, da Seleção Brasileira, do Bahia, do Barretos, do colombiano Millonarios, do Guarani, dos árabes Al-Nassr e Al-Shabaab, do peruano Universitário, do Ituano, do Taubaté, do japonês Tokio Gas, do Coritiba, do Novorizontino e do Santos, ele se identificou mesmo com o time do Parque São Jorge, para o qual se orgulha de ter referendado as contratações de Garrincha, Biro-Biro e Sócrates.

Hoje, o vestiário da comissão técnica do Corinthians no CT Joaquim Grava leva o nome de José Teixeira, que torce para Fábio Carille repetir, quatro décadas depois, o feito de Oswaldo Brandão e derrotar a Ponte Preta em uma decisão de Campeonato Paulista. "O Corinthians será campeão!", prevê, assertivo, sem a necessidade de consultar nem um relatório de ciclobiologia sequer.

Gazeta Esportiva Gazeta Esportiva
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