A Copa que eu perdi
Na Copa da Inglaterra, eu tinha onze anos. Morávamos em São Vicente. Todos nós gostávamos de futebol lá em casa
Foi melancólico para todos nós aquele 1966, o ano da Copa da Inglaterra. Nosso escrete submetido a uma afronta nos domínios de Sua Majestade ganhou só uma e voltou mais cedo para casa com o rabo entre as pernas. Humilhação severa para o selecionado que o mundo reverenciou em 58 e em 62, as Copas que imortalizaram Pelé e Garrincha.
Nos diários esportivos, um Rei magoado, aviltado pelos súditos em gramados britânicos, declara que não mais jogará uma Copa. Voltou a jogar sim e todos vimos o espetáculo admirável que nos ofereceu no México.
Mas eu queria voltar a 1966. O Robson Morelli, nosso diligente editor de Esportes, me colocou nessa enrascada. Pediu-me que escrevesse para o seu caderno. Passeis uns dias mergulhado em considerações. Vou falar do Brasil do Tite que não levou o Vinícius Júnior? Vai entender... Decidi, enfim, falar da Copa de mais de meio século atrás, a Copa que o Brasil perdeu, a Copa que eu perdi.
Na Copa da Inglaterra, eu tinha onze anos. Morávamos em São Vicente. Todos nós gostávamos de futebol lá em casa, porque o futebol era bonito, não era esse joguinho meia-boca de hoje, povoado de brucutus. Imaginem que eu vi jogar, pela TV e na Vila Belmiro, Pelé, Carlos Alberto, Coutinho, Ademir, Pepe, Rivelino (isso, com um 'ele' só), Tostão, Dirceu Lopes, Gérson, Jair, uma constelação! Tinha também o Garrincha, mas o Mané estava com a saúde das pernas debilitada. Mesmo assim, foi para a Copa.
A Copa se aproxima, eis que uma emissora de rádio resolve lançar uma competição. Ela oferece um aparelho de rádio a quem acertar a escalação para o jogo contra a Bulgária. Aquilo me empolgou de tal sorte que me pus a escrever cartas e cartas à emissora, cada uma com uma escalação. Caprichava na letra, mais do que nas tarefas do Ateneu São Vicente.
Em outra frente, repeti muitas vezes o mesmo elenco. Perdi a conta de quantas correspondências enviei pelos Correios e quantas levei à emissora, em mãos.
Chegou o dia da estreia. O Brasil nos gramados de Liverpool. O escrete formou com Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Altair e Paulo Henrique; Denilson e Lima; Garrincha, Alcindo, Pelé e Jairzinho. Um elenco de peso, que não deu liga. Mas certamente foi uma das disposições que enviei e reenviei.
No dia seguinte, lá estava eu na porta da rádio à espera do sorteio. Qual não foi a minha surpresa, e desapontamento, quando o locutor anunciou o resultado, de bate-pronto: "O ganhador é!!.." e, sem nenhum suspense, ele comunicou que o pé-quente tinha sido o dono de uma Ótica ali das imediações, "nosso grande amigo".
"Aliás, por acaso, diletos ouvintes, ele já está aqui para receber seu devido e justo prêmio!!", declarou o radialista.
O Brasil perdeu a Copa do Mundo. E eu perdi o rádio.
*FAUSTO MACEDO É REPÓRTER DO 'ESTADÃO'
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