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"Neymar já deveria ter recebido a Bola de Ouro", diz Zico

Em entrevista ao 'Terra', o ex-craque relembrou diversos capítulos da sua rica história no futebol brasileiro e mundial

7 abr 2017 - 14h38
(atualizado às 14h42)
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Numa das salas de seu clube, o CFZ, no Recreio dos Bandeirantes, bairro nobre da zona oeste do Rio, Zico se ajeita ao redor da mesa de reunião e escolhe um lugar ao lado de troféus e quadros que contam a sua trajetória no futebol. Confere na agenda uma penca de compromissos que se estendem por vários dias e recebe a reportagem do Terra para uma conversa de pouco mais de uma hora. Está gripado, mas a disposição é a mesma. Ele fala sobre diversos assuntos e, claro, trata de um tema com o qual se familiarizou – o talento de Neymar.

Para o maior ídolo da história do Flamengo, o craque do Barcelona e da Seleção desponta como favorito ao título de melhor jogador de 2017. Prêmio que, segundo Zico, já poderia ter vindo dois anos atrás.

Zico recebeu a reportagem do 'Terra' em sua residência no Rio de Janeiro para falar sobre Seleção Brasileira, Neymar, Flamengo e outros assuntos da bola
Zico recebeu a reportagem do 'Terra' em sua residência no Rio de Janeiro para falar sobre Seleção Brasileira, Neymar, Flamengo e outros assuntos da bola
Foto: Silvio Barsetti / Especial para Terra

Nesta entrevista, o ‘Galinho de Quintino’ confidencia que o pênalti perdido em jogo decisivo contra a França na Copa do Mundo de 1986 ficou marcado em sua história e o incomoda até hoje - “eu fico chateado toda vez que alguém atribui a mim aquela eliminação”.

Sobre o Campeonato Brasileiro de 2017, aponta o Palmeiras como o grande favorito, embora considere outras equipes – Cruzeiro e Atlético-MG, por exemplo – como capazes de fazer frente ao time paulista. Ressalta, porém, que a abertura da janela de transferências, durante o ano, pode mudar muita coisa e dar outro rumo à competição. De acordo com Zico, o Flamengo tem um bom time, mas ainda insuficiente para brigar pelo título.

Terra - Neymar desponta como favorito ao prêmio de melhor do ano pela Fifa?

Zico - Deve ficar com ele. Vamos aguardar. Mas já deveria ter recebido a Bola de Ouro em 2015. Em 2016, o Cristiano Ronaldo venceu a disputa de modo incontestável. Foi campeão da Champions League, conquistou a Copa Europa pela seleção de Portugal. Sempre jogando muito bem. Mas, em 2015, o Neymar jogou tanto quanto o Messi (que ficou com o prêmio) no Barcelona e ainda teve a seu favor o desempenho pela Seleção brasileira, enquanto o Messi fez uma temporada apagada na seleção argentina.

Zico, técnico do Iraque, encontra Neymar, que estava defendendo a Seleção Brasileira, em partida amistosa em 2012
Zico, técnico do Iraque, encontra Neymar, que estava defendendo a Seleção Brasileira, em partida amistosa em 2012
Foto: Getty Images

O que você destaca no futebol de Neymar? 

A alegria, o prazer de estar com a bola, a qualidade técnica, a criatividade. É inventivo, é um cara diferente, tem uma habilidade enorme e uma facilidade incrível de dar dribles impressionantes. Além de tudo isso, desfruta de um ótimo preparo físico, o que fica evidente nas arrancadas dele.

Como explica uma mudança tão repentina na Seleção brasileira, que venceu os últimos oito jogos nas Eliminatórias do Mundial da Rússia?

Hoje, a equipe tem um futebol compacto. Mudou a montagem e também o ambiente. Você sabe de que forma o time vai atacar, como vai se defender. Não depende apenas de lances esporádicos do Neymar ou de outro. A marcação é bem feita, seja no ataque ou na defesa. Quando tem de correr risco e abrir para buscar o resultado, faz isso com inteligência. O Tite veio numa crescente, cada vez mais se preparando para um cargo de tamanha responsabilidade

A torcida cantou em São Paulo, quando da vitória recente sobre o Paraguai, que ‘o campeão voltou’. Voltou mesmo?

Está no caminho certo. Primeiro, voltou a se tornar forte no seu continente. Agora, todo mundo vai começar a observar como a Seleção joga, a nova formação. Pelo menos adquiriu de novo o respeito e o temor dos adversários. Coisa que a gente perdeu até aqui na América do Sul. A Venezuela vinha pra cima e não queria nem saber. Agora, o Uruguai vem pra cima e toma 4, vem a Argentina e toma 3, vem o Paraguai e leva 3. Todos esses tradicionalmente adversários dificílimos. Com isso, os de lá da Europa também já ligaram o sinal de alerta.

Aquela goleada de 7 a 1 da Alemanha já cicatrizou?

Não tem como, jamais vai cicatrizar. Igual à Copa de 1950 (perdida no Maracanã em final com o Uruguai), a bola cruzada do Toninho Cerezo na Copa de 1982 (em jogo com a Itália), ao pênalti que perdi contra a França no Mundial de 1986. Fica marcado. Anos atrás, eu fiz uma reunião aqui no CFZ com 90 nomes que tinham participado de alguma Copa do Mundo pelo Brasil. Nunca me esqueci quando o Barbosa (goleiro da decisão em 1950) me abraçou chorando. Ele me dizia que aquela homenagem resgatava a autoestima dele e que ninguém tinha feito nada por eles durante décadas. Que isso o magoava muito e aos outros daquela equipe também.

"Não tem como, jamais vai cicatrizar", diz Zico sobre a derrota de 7 a 1 do Brasil para a Alemanha na Copa de 2014
"Não tem como, jamais vai cicatrizar", diz Zico sobre a derrota de 7 a 1 do Brasil para a Alemanha na Copa de 2014
Foto: Getty Images

Pode-se dizer que esse vexame no Mundial de 2014 foi acidente?

Não, de jeito nenhum. Foi competência, supremacia do adversário. O Brasil era para ter perdido antes, Chile, México. No jogo com os mexicanos, eles chutaram umas 30 bolas de fora da área. Se tivessem um bom finalizador ali, já era. O Brasil foi muito inferior o tempo todo. Cometeu um erro grande, o de acreditar na Seleção que um ano antes venceu uma competição (Copa das Confederações), na qual os derrotados não se classificaram nem para a fase seguinte do Mundial. E ali o Brasil acreditou que tinha um timaço.

Ainda com relação ao desfecho do Mundial de 1986, o pênalti perdido no empate (1 a 1) com a França ainda lhe traz incômodos?

Quando alguém diz que o Brasil perdeu por minha causa, aí sim incomoda. Um time tem que estar preparado para os erros no jogo e superar um frango do goleiro, uma furada do zagueiro, um pênalti desperdiçado. Essa é a questão. O Brasil não perdeu o jogo. Empatou e foi decidir vaga nos pênaltis (nessas cobranças, a França ganhou por 4 a 3). E eu fui lá e fiz. Se eu tivesse feito durante o tempo regulamentar, quem pode garantir que a França não buscaria o empate de novo ou até que viraria o jogo? Ok. O ‘se’ não entra no jogo. Mas daí ter de ouvir bobagens como ‘ele não joga na seleção’, ‘ele amarela’, essas idiotices todas, isso aborrece, é claro. O cara não tem o que falar da sua carreira e busca esse episódio. Essas coisas marcam, não tem jeito. Fiz 826 gols ao todo na minha carreira e é como se viessem me questionar por não ter feito 827. Ou seja, tem que pinçar algo na carreira para falar mal.

"Fiz 826 gols ao todo na minha carreira e é como se viessem me questionar por não ter feito 827. Ou seja, tem que pinçar algo na carreira para falar mal", diz Zico sobre críticas que recebeu por sua atuação na Copa do Mundo de 1986, na qual o Brasil acabou eliminado pela França nas quartas de final
"Fiz 826 gols ao todo na minha carreira e é como se viessem me questionar por não ter feito 827. Ou seja, tem que pinçar algo na carreira para falar mal", diz Zico sobre críticas que recebeu por sua atuação na Copa do Mundo de 1986, na qual o Brasil acabou eliminado pela França nas quartas de final
Foto: Getty Images

Há quem diga que você não incluiu nessa conta um gol marcado com a camisa do América-RJ. Isso procede?

Pelo infantil, comecei no América. Joguei lá uma única partida, num sábado de 1967, em que vencemos por 3 a 2. Não lembro quem era o adversário. Meu irmão Tonico atuou comigo. Era um amistoso. E ficou realmente uma dúvida sobre a contagem dos meus gols. Naquele jogo, eu cobrei uma falta da entrada da área e não lembro se a bola entrou ou bateu na trave. Talvez aí, com essa confirmação, eu chegasse aos 827 gols.

O mal-estar com Romário, pelo corte do atleta no Mundial de 1998, quando você era o coordenador da seleção, já foi superado?

Totalmente. Nossa relação é tranquila. Ele já veio participar do nosso Jogo das Estrelas (evento beneficente organizado por Zico). Aos poucos, ficou claro para o Romário que eu não tive nada a ver com o corte dele.

Zico era coordenador técnico da Seleção Brasileira na campanha da Copa do Mundo de 1998, na qual o Brasil acabou derrotado pela França na decisão do título
Zico era coordenador técnico da Seleção Brasileira na campanha da Copa do Mundo de 1998, na qual o Brasil acabou derrotado pela França na decisão do título
Foto: Getty Images

Depois, houve a divulgação daqueles desenhos na porta dos banheiros do bar que ele tinha na Barra, em que ele ironizava você e o Zagallo (técnico da Seleção em 1998). Como ficou aquilo na Justiça?

Ganhamos. Mas, como eu disse, isso já foi superado. O Romário faz um trabalho hoje bem bacana em defesa das pessoas especiais e está numa cruzada em defesa da moralização do futebol. Isso é o que interessa.

Por que essa opção de só treinar times de fora (Catar, Turquia, Japão, Grécia, Índia, etc)? É por causa do Flamengo?

Sim, sem dúvida. Minha ligação como jogador do clube por 20 anos é muito forte. Eu não enfrentaria o Flamengo de jeito nenhum.

E se você chegasse ao Mundial de Clubes por uma daquelas equipes e tivesse pela frente o Flamengo, eventual vencedor da Libertadores, o que você faria?

Eu sairia fora. Muita gente não ia entender, mas eu largava o clube e deixava o filé mignon pra outro. Não tem como. Decisão minha, tomada faz muitos anos. Não vou ter o Flamengo como adversário nunca.

O Japão está com a classificação encaminhada para o Mundial de 2018. Ainda vê sua marca por lá? (Zico dirigiu a seleção daquele país de 2002 a 2006)

É só ver o que o Kashima Antlers fez no último Mundial de Clubes. Os jogadores que fizeram os gols nos jogos com Atlético Nacional e Real Madrid tinham passado aqui pelo CFZ, num trabalho de intercâmbio nosso.

Depois de ter brilhado como jogador pelo Kashima Antlers, Zico fortaleceu mais ainda seus laços com o Japão ao dirigir sua seleção nas Copas de 2002 e 2006
Depois de ter brilhado como jogador pelo Kashima Antlers, Zico fortaleceu mais ainda seus laços com o Japão ao dirigir sua seleção nas Copas de 2002 e 2006
Foto: Getty Images

O futebol japonês já avançou até onde podia ou ainda há espaço para crescer mais?

Pode ir mais longe. Desde que haja um trabalho psicológico com os jogadores. Nos últimos anos, eles evoluíram muito tecnicamente, isso é inegável. E hoje você tem vários deles em clubes europeus de prestígio.

Anos atrás, se dizia que não demoraria muito para que a África ganhasse um Mundial. Isso não ocorreu. O futebol na Ásia estaria cotado para subir esse degrau?

Está longe disso. Ao asiático falta a agressividade dos africanos e aos africanos falta a disciplina do asiático. Se conseguissem unir essas qualidades, aí tanto a Ásia quanto a África poderiam almejar algo mais no cenário mundial. Os africanos já deveriam estar disputando com os demais em igualdade, por causa de seu biótipo, qualidade técnica. O problema é que são muito rebeldes e indisciplinados. Tiveram uma ótima seleção, com a África do Sul, em 2002. Também já formaram ótimas equipes com a Nigéria, Camarões, Gana, Costa do Marfim. Mas, quando chegam na reta final, sempre há um retrocesso, com falta de disciplina, perdem foco.

Como avalia a atual fase administrativa do Flamengo? 

Está excelente, a estrutura lá e fantástica. Os caras tem que dar a vida jogando pelo clube. Eu me juntei a esse grupo (diretoria) em 2012, e a primeira coisa que falei foi que não adiantava ter projeto se não se pagasse salário em dia. O Flamengo não tinha credibilidade por causa disso. Para cobrar, tem que pagar em dia. Se fizerem isso, eu falei, vai ser a primeira grande contratação do clube. O bom é que ali, naquele grupo, ninguém precisava do Flamengo para nada. É logico que às vezes uma questão de vaidade, disputa de poder, essas coisas acabam afastando um ou outro. Mas a filosofia foi mantida, e hoje o Flamengo é um clube totalmente estruturado, respeitado, com credibilidade no mercado, credibilidade dos jogadores. Antigamente, eles falavam entre eles: ‘Está louco eu não vou pra lá, não, o clube não paga’. Hoje, isso acabou.

Maior ídolo da história do Flamengo, Zico elogia a atual fase do time, tanto dentro de campo quanto fora, e diz que o elenco rubro-negro precisa levar uma "chamada" para crescer e brigar por títulos
Maior ídolo da história do Flamengo, Zico elogia a atual fase do time, tanto dentro de campo quanto fora, e diz que o elenco rubro-negro precisa levar uma "chamada" para crescer e brigar por títulos
Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

E com relação ao time, vai fazer bonito em 2017?

É um time bom, mas precisa de reforços para brigar lá na ponta. Tem também que ser mais ousado, talvez mais criativo, e menos previsível. Deve haver mais cobranças. Tenho notado que os erros estão se repetindo em campo. Faz num jogo, e no seguinte a mesma coisa. Dá a impressão que o jogador não levou uma chamada.

Quem entra como favorito no Campeonato Brasileiro?

O Palmeiras. Foi quem fez as melhores aquisições, as trocas certas. Está um degrau acima dos demais. O Cruzeiro e o Atlético-MG também têm ótimos times. Mas o Brasileiro é longo, tem as mudanças que podem acontecer no meio, a janela de transferência para o exterior.

"Flamengo ainda precisa de algumas peças", analisa Zico:
Fonte: Especial para Terra
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