"Fifa cobra Brasil forte no feminino", diz novo coordenador
A bordo de uma lancha, numa encosta de Ilha Bela (litoral norte de São Paulo), o coordenador de Seleções da CBF, Gilmar Rinaldi, dividia as iscas com Marco Aurélio Cunha, enquanto conversavam sobre o tamanho adequado dos anzóis. Seria uma pescaria despretensiosa, que lhes renderia apenas algumas anchovas e corvinas, não fosse a intenção logo revelada pelo anfitrião. "Marco, a pescaria aqui é outra. Quero você no comando do futebol feminino da CBF".
O então vereador pelo PSD da cidade de São Paulo recolheu a linha, desmontou o caniço e continuou ouvindo Rinaldi, atento e surpreso. "Tudo que eu faço para o futebol masculino, preciso fazer para o feminino. E você é a pessoa para isso. Já falei com o presidente Marco Polo Del Nero (da CBF)". O encontro, no primeiro fim de semana de maio, selou a contratação do ex-superintendente de futebol do São Paulo, um homem com experiência de mais de três décadas no esporte profissional.
Aos 61 anos, Cunha vai substituir Ariberto Santos - demitido da coordenação do futebol feminino da CBF - com a missão de "fomentar" a modalidade no Brasil. Nesta entrevista exclusiva ao Terra, ele fala do "desafio" e da promessa de lutar por uma reformulação ampla que inclua campeonatos estaduais e competições nacionais fortes para as mulheres.
Terra - Por que aceitou ser coordenador de futebol feminino da CBF?
Marco Aurélio Cunha - Quero ajudar a diminuir o abismo entre o futebol masculino e o feminino do País. Gosto de desafios, e já temos pela frente a Copa do Mundo (em junho, no Canadá), o Pan-Americano (em julho, também no Canadá) e a Olimpíada (em 2016, no Rio). Meu objetivo é sair deste lugar no dia em que o namorado reservar o domingo para assistir à namorada disputando um jogo oficial.
Terra - Como se diminui esse abismo?
Marco Aurélio Cunha - Criando competições, com investidores de peso, capazes de instigar o mercado. Precisamos de Estaduais espalhados por todo o Brasil, e a partir daí organizar um Campeonato Brasileiro e uma Copa do Brasil fortes. Temos de estimular, incentivar a prática do futebol feminino. Que as escolas públicas, por exemplo, se abram para isso.
Terra - Essas ideias não são novas.
Marco Aurélio Cunha - Sim, eu sei disso. Mas agora temos uma situação diferente. A Fifa tem cobrado de nós um futebol feminino mais bem organizado e competitivo. A Fifa botou o dedo na ferida. É quase uma intimação. Temos de crescer. O Brasil forte no feminino é muito bom comercialmente para a entidade.
Terra - O senhor deixou seu mandato de vereador da cidade de São Paulo para assumir o cargo na CBF. Ao se licenciar, não se sentiu incomodado...
Marco Aurélio Cunha - (interrompe) Não me licenciei. Eu renunciei à cadeira. Por favor, esclareça que eu renunciei. Já estava no segundo mandato, há seis anos e meio como parlamentar. Não concorreria de novo. Fiz o que pude na vida política. Sou do risco. Ou arrisco total, ou não sou eu. Não fico marcando lugar.
Terra - O que o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, lhe disse no ato da contratação?
Marco Aurélio Cunha - "Você faz isso aí".
Terra - Só lhe falou isso?
Marco Aurélio Cunha - É que eu já tinha conversado bastante com o Gilmar Rinaldi (coordenador de Seleções da CBF), e estava ciente do que a CBF queria. O presidente já estava inteirado de tudo.
Terra - Nas vésperas de uma Olimpíada, há sempre um novo gás para o futebol feminino. Mas depois...
Marco Aurélio Cunha -
O futebol feminino não pode morrer depois da Olimpíada. Se eu sair daqui depois dos Jogos, pode vir aqui e me dar um pontapé. Claro, a não ser que o presidente queira. Não poderia aceitar o cargo só por causa de uma agenda positiva.
Terra - Qual sua opinião sobre a MP do Futebol, que obriga os clubes a criarem departamentos de futebol feminino?
Marco Aurélio Cunha -
Isso é errado. Não se conserta nada por obrigação. Isso acaba reforçando o preconceito. Fica aquele sentimento de que "estão aqui (as mulheres) por que me empurraram vocês". Ou algo como "sou obrigado a tolerar você". Seria mais lógico dedicar uma verba específica para se fomentar o futebol feminino.
Terra - Ainda existe preconceito para quem pratica futebol feminino?
Marco Aurélio Cunha - Muito, no Brasil. Mas na Suécia, Dinamarca, Alemanha, EUA, Japão, nesses grandes centros, a visão é completamente diferente. Aqui, havia o mesmo (preconceito) anos atrás com as mulheres do basquete, do vôlei, do handebol. No vôlei, principalmente, isso foi superado, graças aos resultados. Obtendo resultados, muda-se tudo. Agora, o handebol também segue esse caminho. E por que não no futebol feminino? Há interesse, há uma grande oferta. No início deste ano, o São Paulo fez uma peneira, e 1.500 meninas Sub-17 se inscreveram. Podemos mudar isso.