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GP Brasil 2003: a corrida mais louca de todos os tempos

20 anos atrás, Interlagos teve uma das provas mais loucas de sua sua história. Tudo foi intenso dentro e fora da pista

6 abr 2023 - 14h27
(atualizado em 8/4/2023 às 12h30)
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Giancarlo Fisichella dribla os destroços das batidas de Alonso e Webber
Giancarlo Fisichella dribla os destroços das batidas de Alonso e Webber
Foto: Giancarlo Fisichella / Instagram

O GP Brasil foi a terceira etapa da temporada 2003. O líder do campeonato até aquele momento era Kimi Raikkonen (McLaren), que vinha de sua primeira vitória na Malásia. Até aquele momento, apenas os pilotos da McLaren tinham vencido na temporada, já que na primeira etapa, David Coulthard levou o caneco.

Diante de tudo que aconteceu naquele final de semana, precisamos contar a história por capítulos.

Kimi Raikkonen com o troféu da vitória na Malásia
Kimi Raikkonen com o troféu da vitória na Malásia
Foto: F1 / Twitter

Capítulo 1: não vai ter corrida!

Na sexta-feira, tudo estava um caos. Por conta de uma lei que proibia qualquer propaganda tabagista, aprovada três anos antes no Congresso Nacional e entrou em vigor em 1° de Janeiro de 2003, as equipes não poderiam mostrar nenhuma marca de cigarro. Para contornar isso, foi feita uma Medida Provisória alegando que o evento da F1 tinha contrato desde 1999, mas o Ministério Público Federal entrou com uma ação para anular a decisão e conseguiu ter sucesso.

A Ferrari foi para a sexta-feira sem patrocínio da Marlboro por preocupação, enquanto a CBA tentava desesperadamente derrubar a liminar, já que Bernie Ecclestone, chefão da categoria na época, ameaçava não realizar a corrida. Naquele mesmo dia, acabou saindo a decisão que salvou o Grande Prêmio.

Ferrari sem patrocínio, foto em Silverstone. Por pouco as equipes não tiveram que correr assim em Interlagos
Ferrari sem patrocínio, foto em Silverstone. Por pouco as equipes não tiveram que correr assim em Interlagos
Foto: Wikimedia Commons

Capítulo 2: a qualificação da esperança

Naquela época a qualificação era dividida em duas sessões, uma na sexta-feira e outra no sábado, o formato era o seguinte: uma volta rápida para cada piloto por sessão. A primeira sessão definia a posição que os pilotos iriam para a pista na segunda, que definia o grid.

Na sexta-feira, em pista molhada, Mark Webber (Jaguar) foi o mais rápido, seguido por Rubens Barrichello (Ferrari). Isso significava que o brasileiro seria o penúltimo a entrar na pista no sábado a expectativa era enorme. Quando o brasileiro entrou na pista, o tempo mais rápido era de David Coulthard (McLaren) com 1m13s818, Rubens lutou muito e conseguiu extrair o máximo de sua Ferrari, passando o tempo por 0s011, conquistando a pole. Mark Webber entrou na pista depois, mas não melhorou o tempo.

A festa no autódromo era enorme, Barrichello que já tinha tido tantos azares em Interlagos, parecia que tirava uma tonelada nas costas e se tornava o maior favorito à vitória, até pelo fato de seu companheiro, Michael Schumacher, largar em oitavo lugar. 

Capítulo 3: a chuva vem da represa…

A chuva caia forte no domingo e os pilotos não queriam largar. A razão era que as equipes não tinham trazido pneus para chuva intensa, apenas para chuva leve. A direção de prova resolveu dar 15 minutos de SC para a adaptação. Foram oito voltas de espera até a largada. Enquanto isso, uma coisa curiosa aconteceu. Giancarlo FIsichella, da Jordan, que até aquele momento não tinha conquistado grandes resultados, deixou sua posição de oitavo lugar, entrou nos boxes, encheu o tanque (lembrando que na época era permitido) e voltou para a pista em penúltimo. Essa informação será importante nos próximos capítulos.

Capítulo 4: por água abaixo

A largada foi bem cruel para Rubens Barrichello. Seu carro estava acertado mais para pista seca e os pneus Bridgestone não ajudavam. Naquela condição de pista, a Michelin que equipava McLaren, Williams, Renault e Jaguar rendia melhor. O que significava que naquela situação a perda de posições era inevitável, e começou logo no S do Senna, quando Coulthard ultrapassou o brasileiro.

Na volta 10, foi a vez de Kimi Raikkonen e Juan Pablo Montoya (Williams) fazerem a ultrapassagem em cima de Barrichello e na volta seguinte, os dois também passaram por Coulthard, travando uma batalha pela liderança. Enquanto Mark Webber e Michael Schumacher ultrapassaram Rubens, que caiu para o sexto lugar.

Raikkonen consegue se livrar de Montoya e abre rapidamente uma distância confortável, enquanto o colombiano começa a ser atacado por Coulthard, que ganha a posição na volta 14. Na volta seguinte, Schumacher ultrapassa Webber. Na volta 16, o alemão ultrapassou Montoya. Naquele momento Michael estava conseguindo ter um ritmo parecido com Raikkonen.

Capítulo 5: Curva do Sol ou da Chuva?

A partir da volta 15, começou uma série de abandonos: Justin WIlson (MInardi) rodou na curva do sol. Na volta 17, a suspensão Ralph Firman (Jordan) quebra e o carro descontrolado acerta o carro de Olivier Panis (Toyota). Na mesma volta, Rubens Barrichello consegue ultrapassar Mark Webber, mostrando que o rendimento da Ferrari, antes ruim, parecia estar bem forte.

Na volta 19, por precaução, o Carro de Segurança volta à pista, o que provoca uma ida de vários carros aos boxes. São raros os carros que não param, entre eles, Raikkonen, Da Matta (Toyota) e Pizzonia (Jaguar). Após o realinhamento, Barrichello conseguiu a posição de Montoya, mas Da Matta ficou entre ele e Schumacher.  Mas Rubens resolveu a questão na relargada, na volta 22, ao recuperar a quarta posição.

Michael Schumacher parte para cima de David Coulthard, seguido por Barrichello. Enquanto Montoya parte para cima de Da Matta e conquista a quinta posição. Porém, sua alegria dura pouco: o colombiano perde o controle de sua Williams na Curva do Sol e bate forte, seguido por Pizzonia. Na volta 27, quem sai da pista no mesmo ponto é Michael Schumacher, que chega a quase bater em um trator que retirava os carros da pista. Um acidente bastante perigoso.

O Carro de Segurança faz sua terceira passagem pela corrida. Raikkonen para nos boxes, voltando em nono lugar.  Após três voltas, a pista é liberada e temos a corrida novamente. Na volta 30, Jos Verstappen (MInardi) escapa na mesma curva do sol e abandona. Na volta 33, Jenson Button (BAR) tem o mesmo destino e o Safety Car faz sua última passagem pela pista. Sobram apenas 11 carros da prova. Entre eles, Giancarlo Fisichella, que estava em sexto lugar. Kimi Raikkonen já tinha recuperado quatro posições, com ajuda dos acidentes, era o quinto colocado.  

Capítulo 6: o sonho vira pesadelo

Rubens Barrichello estava vendo seu sonho de vencer uma prova no Brasil se tornar cada vez mais real. Era o segundo colocado e apenas David Coulthard separava o brasileiro do primeiro lugar. Após a relargada, na volta 37, Barrichello começou a pressionar para conquistar a tão sonhada vitória.

A briga pelo terceiro lugar estava quente: Kimi Raikkonen não quis saber de brincadeira e passou Ralf Schumacher (Williams) e Fernando Alonso (Renault) ainda naquela volta. Entretanto, seu ritmo não era tão rápido quanto o dos líderes. Coulthard e Barrichello eram muito rápidos, mas parecia questão de tempo para o brasileiro conseguir ultrapassar,

Na volta 45, veio a oportunidade: Coulthard errou no S do Senna, abrindo para Barrichello ultrapassar. O público foi ao delírio e nada poderia atrapalhar. Rubens tratou logo de abrir quatro segundos em duas voltas. Parecia tão rápido, tão leve… Mas estava leve demais. Seu carro simplesmente parou na curva do lago de forma trágica e aquilo parecia inexplicável.

Barrichello era só lamentações, enquanto ninguém entendia o que acontecia.  A explicação veio e ela parecia até uma piada de mal gosto, mas era a realidade: a telemetria pifou e a Ferrari estava tendo que fazer cálculos manuais para determinar a quantidade de combustível. Ao que parece, os cálculos estavam falhos e, por um erro de certo ponto, banal, acabou acontecendo o abandono.

Capítulo 7: quem venceu?

Sem brasileiro na jogada, as coisas pareciam definidas com os dois carros da McLaren fazendo dobradinha. Logo atrás vinha Ralf Schumacher, seguido por Giancarlo Fisichella, Alonso tinha feito sua parada algumas voltas antes e estava atrás. Era notório que Ralf e Coulthard estavam próximos de parar, o que aconteceu nas voltas 48 e 52 respectivamente.

Com isso, a liderança ficou no colo de Kimi Raikkonen. Mas Fisichella, que também parecia estar próximo de parar, se aproximou do finlandes com um carro bem pior e começou a pressionar. A situação era surreal e parecia um sonho para Jordan, mas só com um milagre eles conseguiriam vencer a corrida.

Mas situações surreais eram comuns nessa corrida. Para transmissão transmissão do Brasil, a TV Globo estava colocando frases dos pilotos durante a transmissão. Na volta 54, a frase foi de Kimi Raikkonen, que tinha dito naquela semana : “Schumacher não é superior a mim”. Na mesma volta, o finlandes errou a tangência da curva do mergulho, deixando a liderança para Giancarlo Fisichella.  

Na volta 55, as condições de pista estavam piorando. Mark Webber, que estava na nona posição, bateu forte na Subida dos Boxes, espalhando destroços pela pista toda. Fisichella e Raikkonen conseguiram desviar, mas Alonso, então terceiro colocado, não teve a mesma sorte, acertando em cheio um pneu que estava no meio da pista, perdendo o controle e batendo forte no muro, sem nenhuma proteção. Uma pancada seca, que o deixou zonzo, mas ainda consciente. Mesmo assim, foi necessário levar o espanhol ao hospital para verificações de rotina.  

Com o caos causado, a direção de prova decidiu mostrar a bandeira vermelha e encerrar a prova. A festa na Jordan era grande, Giancarlo Fisichella chegou aos boxes comemorando, e o motor pegou fogo, ficou nítido que se tivesse mais uma volta, o italiano iria abandonar a prova, aquela parada mostrada no capítulo 3 foi fundamental seu feito, porém a festa deu lugar a frustração, quando a direção de prova determinou que a corrida tinha acabado na volta 55, então pelas regras, devia ser considerado a penúltima volta completada, por tanto a 53, quando Raikkonen ainda era líder. 

Capítulo 8 - O pódio mais louco da história

Subiram ao pódio: Kimi Raikkonen e Giancarlo Fisichella, o terceiro lugar ficou vago, sem Fernando Alonso. Os mecânicos da McLaren comemoraram enquanto o clima na Jordan era de total revolta. Com certeza Eddie Jordan, fundador e chefe de equipe, não saiu nada feliz e foi procurar uma forma de validar sua vitória.

Ao ter acesso às imagens da própria transmissão, a equipe mostrou que Giancarlo Fisichella tinha aberto a volta 56 antes da bandeira vermelha, diante disso, o resultado foi revertido, ou seja, foi o primeiro e único pódio da história onde nenhum piloto estava no local certo, já que Raikkonen e Fisichella estavam trocado e Alonso estava no hospital, ao invés de estar em seu lugar.

Em Imola, onde seria realizado o GP de San Marino duas semanas depois, houve uma cerimônia de troca de troféus. Foi a primeira vitória de Giancarlo Fisichella, a última da equipe Jordan e dos motores Ford. Com a correção, Raikkonen perdeu dois pontos e, ironicamente, perdeu o campeonato daquele ano com uma diferença de dois pontos para Michael Schumacher.

Raikkonen entregou o trofeu a Fisichella na etapa seguinte
Raikkonen entregou o trofeu a Fisichella na etapa seguinte
Foto: F1 / Twitter

Porém, se vencesse a prova, Raikkonen perderia do mesmo jeito, mas seria o primeiro caso na história onde a diferença do primeiro para o segundo estaria zerada, batendo o recorde de 1984 de 0,5 pontos entre Lauda e Prost.

Capítulo 9 - O gosto amargo da vitória

A vitória foi boa para a Jordan, mas poderia ter sido ainda mais, se Eddie Jordan não tivesse agido nos bastidores antes da temporada começar. Em 2002, a categoria viu um domínio muito grande da Ferrari e principalmente, de Michael Schumacher, o presidente da FIA na época, Max Mosley, queria mudar isso e fez várias regras para tentar barrar o domínio da equipe italiana.

Uma dessas regras foi sugerida com Eddie Jordan, a ideia era “desvalorizar” a vitória, a pontuação até 2002 premiava os seis primeiros, na distribuição 10-6-4-3-2-1. A partir de 2003, a pontuação iria para os oito primeiros, na distribuição 10-8-6-5-4-3-2-1. A verdade é que o irlandes fez a regra pensando em benefício próprio, já que Jordan estava no meio do grid em 2002; Então se o sétimo e oitavo colocado pontuarem, a equipe poderia ter maiores benefícios.

Sabemos que a distribuição de dinheiro na F1 depende, entre outras coisas, da posição de chegada no campeonato. Naquele momento, a Jordan deixou de ser uma equipe de meio do grid em 2003 para ser a segunda pior equipe, ganhando apenas da simpática Minardi. Mas aquela vitória incomum poderia ter dado a equipe um grande salto na tabela de construtores. Porém, a equipe não saiu do nono lugar.

Isso porque se fosse pela pontuação antiga, que valorizava mais as vitórias, a Jordan terminaria em quinto lugar. isso teria aumentado a premiação do time. Isso ajudaria a equipe a ter um maior investimento para 2004, podendo sair das últimas posições, porém como é de conhecimento, a Jordan continuou se arrastando em 2004 e foi vendida no final daquele ano, depois de tantas trocas de nomes e dono, a estrutura da antiga equipe amarela pertence hoje a Aston Martin.

Otávio Mesquita, Giancarlo Fisichella e Reginaldo Leme quando o italiano autografou o seu carro
Otávio Mesquita, Giancarlo Fisichella e Reginaldo Leme quando o italiano autografou o seu carro
Foto: Otávio Mesquita / Instagram

Capítulo 10 - Adivinha quem está de volta na praça?

O apresentador Otávio Mesquita é um grande fã de automobilismo. Mas ele conseguiu viver seu sonho. Entre várias coisas, ele chegou a pilotar a Benetton de 1999, que por curiosidade era o mesmo carro de Giancarlo Fisichella naquela temporada. Em 2007, a Jordan EJ13 do italiano que correu no GP do Brasil estava à venda em Londres, o proprietário pedia €400.000, um valor muito caro. Depois de algum tempo o brasileiro voltou a entrar em contato e descobriu que o proprietário havia falecido e o valor da venda era 25% do valor original.

O carro não tem motor e câmbio. Mesquita colocou o carro na parede de sua casa, em São Paulo,  onde teve as maiores glórias. Quando Mesquita inaugurou a casa, Giancarlo Fisichella estava presente, autografou o bico do carro, mas seu desejo mesmo era comprar o carro de sua primeira vitória.

O GP do Brasil de 2003 foi épico, uma das melhores histórias da F1 e possivelmente o GP mais caótico de todos, que está completando 20 anos na data de publicação deste texto. 

Parabólica
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