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Dona Anjinha aprendeu a atirar aos 12 anos e, hoje, é a primeira chefe de um grupo de bacamarteiros

Apresentações das armas de fogos ancestrais bacamartes integram a programação do São João de Caruaru, no Agreste de Pernambuco

17 jun 2025 - 04h59
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Bacamarte: tradição que passa de geração para geração é liderada pela 1ª vez por uma mulher em Caruaru:

Aos 63 anos, a agricultora Ângela Maria, mais conhecida como dona Anjinha, quebrou tabus e venceu barreiras em busca da realização de um sonho: se tornar uma bacamarteira. Mas ela foi muito além. Hoje, comanda um batalhão e é a primeira mulher a ocupar esse posto em Caruaru, na região do Agreste de Pernambuco. E, todo São João, coloca o seu tradicional chapéu e troca a enxada pelo bacamarte. 

Os bacamarteiros são grupos culturais que se apresentam com bacamartes --armas de fogos ancestrais-- em festividades populares, como o São João. A prática é uma parte vital da identidade cultural de Caruaru, com raízes no período colonial, quando os armamentos eram usados em combates e celebrações. 

“A gente que é mulher faz o que quer e pode chegar onde quer. Não existe mais isso do ser frágil, apenas coragem de chegar onde quiser. E eu tenho minha história com o grupo 27, estou a mais de 30 anos como bacamarteira e resolvi ser uma chefe porque eu tenho uma história”, pontua. 

Muito inspirada pelo pai, dona Anjinha sempre se mostrou interessada nas histórias de valor e bravura associadas a esses grupos, que eram majoritariamente formados por homens. Nem mesmo os 20 anos vividos em São Paulo a fizeram abandonar as tradições da cidade Natal. 

"Meu pai participava de um grupo. Aos 12 anos, ele me ensinou atirar e eu dei o meu primeiro tiro de bacamarte. Daí, fui aprendendo tudo, até como manusear", afirma Ângela. "Eu nem morava aqui, morava em São Paulo, mas todo ano eu vinha só para brincar o mês de junho", completa ela, que é casada e tem dois filhos, três netos e dois bisnetos.

“Eu sofri muito preconceito mesmo delas [mulheres], mandando eu ir lavar roupas", afirma dona Anjinha
“Eu sofri muito preconceito mesmo delas [mulheres], mandando eu ir lavar roupas", afirma dona Anjinha
Foto: Arquivo Pessoal

Preconceitos e resistência

Enfrentando preconceitos e resistência, ela desafiou normas de gênero com sua determinação e paixão pela cultura popular. Aos 30 anos, ao voltar a morar em Caruaru, ela resolveu participar de um grupo de bacamarteiros e ingressou no batalhão que tanto admirava: o 27º Batalhão da Serra dos Cavalos. “Meu pai e eu nunca mudamos de batalhão de Bacamarteiros, eu nasci e me criei junto do meu pai no batalhão 27 e é dele que eu quis participar”, explica.

Foram dois anos de muita luta para convencer o então chefe do batalhão Sebastião Claudino de que ela era apta para virar uma bacamarteira. “Era muito difícil, porque aqui em Caruaru não tinha a brincadeira de bacamarte feita por uma mulher. E seu Sebastião dizendo que não, que não podia, que era contra a regra. Aí, quando eu vim embora de São Paulo, eu tomei coragem, peguei uma roupa do meu pai e participei de uma apresentação. Seu Sebastião ficou meio assim, mas deixou e acabou que foi também uma renovação, um estouro pra época.”

Sua primeira participação como bacamarteira foi em um clube perto da cidade de São Caitano. “A minha estreia foi lá, era um restaurante que recebia turista, essas coisas todas. Me falha a memória do dia exato, mas eu me lembro que era lá. E olha, foi a sensação do momento, eu, uma mulher, dando tiro de bacamarte no meio de uns 30 homens”, relembra com alegria.

Depois de muita insistência, ela entrou para o 27º Batalhão da Serra dos Cavalos aos 30 anos
Depois de muita insistência, ela entrou para o 27º Batalhão da Serra dos Cavalos aos 30 anos
Foto: Arquivo Pessoal

Falta de apoio feminino e dificuldades financeiras

Ela conta que lidar com o preconceito masculino já era esperado, mas a pior parte foi perceber o preconceito vindo de outras mulheres. “Eu sofri muito preconceito mesmo delas, mandando eu ir lavar roupas, que era melhor. Mas, hoje, eu consegui, superei e estou onde estou”.

No início, há 33 anos, a luta maior foi quebrar tabus e entrar para o grupo de bacamarteiros, mas atualmente, as dificuldades já são outras. "Hoje, minhas dificuldades são mais relacionadas ao financeiro, porque a despesa é muito alta. A gente não recebe nada pra estar no grupo e só pra sair de casa com meu grupo eu já saio devendo R$ 1.200", afirma a dona Anjinha.

Para contornar a situação, ela realiza eventos e rifas para arrecadar dinheiro e manter as despesas do grupo. “Quando fecha o mês de junho, já começo a fazer rifa, pra juntar um trocado, porque eu sou a chefe, eu que faço as festas, tem almoço de São João, de São Pedro e é tudo do meu bolso. Mas, graças a Deus, sou muito bem vista aqui na minha comunidade e sempre consigo organizar as coisas”, completa.

Mas nem tudo foi dificuldade. Durante seus 33 anos como bacamarteira, Ângela coleciona histórias engraçadas e memoráveis. “A mais marcante foi a minha primeira apresentação como chefe, que foi no dia de São José, dia 19 de março de 2023. Eu reuni todos os bacamarteiros, rezei o terço, festejei São José e fiz a estreia aqui na minha casa, que hoje é a sede do grupo. Foi uma estreia pra lembrar pro resto da vida! É sempre muito bom, tudo. Durante as apresentações a gente ama dar risada, se divertir."

"E eu amo meus bacamarteiros, amo meu grupo e a gente é realmente feliz e faz porque gosta”, afirma ela, ao se referir ao 27º Batalhão da Serra dos Cavalos, que atualmente é composto por 22 homens e 15 mulheres.

Ela aprendeu a atirar com o pai aos 12 anos
Ela aprendeu a atirar com o pai aos 12 anos
Foto: Arquivo Pessoal

"A mulher tem espaço onde quiser"

Hoje, Ângela Maria é reconhecida não apenas por sua habilidade nas práticas do bacamarte, mas também por seu papel em inspirar novas gerações. Seu legado continua a enfatizar a importância da igualdade e da expressão cultural, fazendo de Caruaru um exemplo de como as tradições podem ser enriquecidas por vozes diversas.

“Tudo eu aprendi no dia a dia, a gente só aprende vivendo. E, às vezes, as pessoas me perguntam porque eu não crio um grupo só de mulheres? Mas eu não quero, eu lutei pra estar entre os homens, então tem que ser homem e mulher. O nosso lugar é estar no meio dos homens, as mulher pode estar onde ela quiser”, afirma Ângela, que complementa: “As minhas bacamarteiras estão me representando até no futuro. Por isso é tão importante ter tanta bacamarteira no meu batalhão e nos outros também.”

A história de Ângela Maria, portanto, não é apenas sobre a inclusão de uma mulher em um grupo tradicional, mas sim sobre a transformação cultural, a luta contra preconceitos e a celebração da diversidade cultural de Caruaru. É sobre como uma agricultora cravou o nome na história da capital do forró como a primeira chefe de bacamarteiros da cidade.

“Sou mulher, sou vó, sou bisa, sou agricultora, sou feliz pelo que eu faço e dedico toda essa trajetória a todas as mulheres. A mulher tem espaço onde quiser!”, concluí a bacamarteira Ângela Maria.

Ela optou em fazer parte do mesmo batalhão que o pai integrava
Ela optou em fazer parte do mesmo batalhão que o pai integrava
Foto: Arquivo Pessoal

*Terraiá 2025: a cobertura do Terra para as festas de São João tem patrocínio de Amazon.com.br e Loterias CAIXA e apoio de Pringles®.

Fonte: Redação Terra
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