O que são as 'contas-bolsão' usadas pelo PCC e alvos de medidas do Banco Central
Instrumento usado para simplificar operações de fintechs estiveram no centro do esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital, desmantelado pela Operação Carbono Oculto
As "contas-bolsão" estiveram no centro do esquema de lavagem de dinheiro da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), desmantelado pela Operação Carbono Oculto, em agosto deste ano.
Na segunda-feira, 3, o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram normas que visam acabar com o mecanismo que dificulta o trabalho dos órgãos de controle.
A partir de 1º de dezembro, as instituições autorizadas ficam obrigadas a encerrar contas se constatarem que elas estão sendo usadas para realizar atividades caracterizadas como serviços financeiros ou de pagamento, sem o respaldo legal e em desacordo com a regulação vigente.
"O encerramento das contas também visa acabar com as chamadas 'contas-bolsão', que ocorre quando o cliente titular utiliza os recursos mantidos nas contas para efetuar pagamentos, recebimentos ou compensações em nome de terceiros, com o objetivo de ocultar ou substituir obrigações financeiras desses terceiros", diz o BC, em nota.
O que são as 'contas-bolsão'?
As fintechs mantêm uma conta corrente denominada "conta-bolsão" junto a um banco comercial, onde são realizadas milhares de transações com dinheiro de terceiros, clientes da fintech.
A "conta-bolsão" garante a invisibilidade do cliente da fintech, pois é impossível rastrear, de forma satisfatória, a origem e destino do dinheiro, segundo a Receita Federal.
De acordo com a investigação na Operação Carbono Oculto, quando a Justiça determinava bloqueio de bens de um investigado, por exemplo, não havia como rastrear contas justamente pelo fato de ficarem invisíveis.
"As fintechs serviram aos interesses de pessoas jurídicas sonegadoras contumazes que, por causa de suas altas dívidas tributárias, fraudavam a execução fiscal usando as fintechs especialmente pelo oferecimento de uma 'conta garantida'", informou a Receita.
Como funcionam?
- Uma pessoa física A tem uma conta de pagamento garantida aberta com a fintech e comanda suas operações através de um aplicativo digital;
- a fintech, por sua vez, tem uma conta corrente, do tipo bolsão, em seu próprio nome em um banco comercial;
- neste exemplo, a pessoa física A, de seu aplicativo, comanda uma transferência de R$ 150 mil para pessoa física B;
- como a pessoa física A não tem vínculo com o banco comercial, seu nome não aparecerá no extrato, mas sim a fintech, titular da conta;
- a transferência para pessoa física B aparece no extrato tendo como origem a fintech e não a pessoa física A;
- neste esquema, a pessoa física A é invisível a um bloqueio judicial e pode manter seu patrimônio livre de restrições.
Por que crime mudou de estratégia para lavar dinheiro?
O crime organizado mudou a estratégia para lavar dinheiro e trocou o uso de doleiros por fintechs, afirmou o presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), Dão Real.
"Tempos atrás, o crime organizado se valia de doleiros, de pagamento em dinheiro vivo. Mas agora grande parte desse fluxo financeiro ocorre através das fintechs. A partir (da mudança das regras), será mais fácil para o Estado controlar as operações, não só do crime organizado tradicional como o PCC, mas também das bets", afirmou o auditor fiscal à Coluna do Estadão.
A atualização da norma do Fisco foi publicada um dia após uma megaoperação policial mostrar que fintechs lavaram bilhões de reais para o PCC.
O auditor acrescentou que, antes da mudança das regras, as fintechs se beneficiavam de um modelo que permitia uma "total ocultação dos beneficiários" de contas-bolsão, o que abria margem para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.