O funil acabou? O novo marketing exige pensar além da conversão
Com consumidores realizando mais de 500 interações digitais antes de comprar, marcas repensam a lógica do funil
Com a mudança no comportamento dos consumidores, empresas estão abandonando o modelo linear do funil de vendas em favor de estratégias que priorizam valor contínuo, retenção e engajamento, reformulando conteúdos, mídia e métricas para criar relações de longo prazo.
Durante anos, o funil de vendas foi o principal modelo adotado por marcas e agências para entender e estimular o comportamento de consumo: levar o cliente da descoberta até a conversão, com etapas bem definidas. Mas esse modelo linear tem perdido espaço em um cenário em que o consumidor não segue mais uma trilha previsível até a compra e, muito menos, para além dela.
A mudança de comportamento tem impulsionado uma transformação nas estratégias de growth. Em vez de priorizar conversões únicas, as marcas agora olham para métricas como lifetime value (LTV) ou (Valor do ciclo de vida do cliente), retenção e recorrência, que apontam o valor gerado ao longo da vida do cliente e não apenas no momento da compra.
É o colapso do modelo linear?
O funil clássico — consciência, consideração, decisão e retenção — já não consegue mapear com precisão a jornada digital dos consumidores. Segundo o estudo “Decoding Decisions”, do Think with Google, a decisão de compra hoje é resultado de um processo fragmentado: os consumidores interagem com mais de 500 pontos de contato digitais antes de fechar uma compra de alto envolvimento. Eles pesquisam, comparam, reconsideram e retrocedem, em um ciclo que ignora a lógica linear.
“Os clientes entram e saem do funil em múltiplos pontos, misturando descoberta, comparação e recompra de forma não sequencial. Essa complexidade tem obrigado profissionais de marketing a abandonarem métricas centradas apenas na conversão imediata. A jornada do consumidor deixou de seguir um caminho previsível e linear. Hoje, ela se desenha de forma dinâmica, com múltiplos pontos de entrada, saída e retorno”, afirma o cofundador da Boomer e especialista em marketing digital, Pedro Paulo Alves.
O funil em looping: engajamento contínuo como estratégia
Diante dessa nova realidade, ganha força o conceito de “funil em looping”, no qual a venda não é o fim, mas o início de um ciclo contínuo de valor. O consumidor pode voltar para a etapa de descoberta mesmo após uma compra, ou saltar diretamente para a recompra com base em boas experiências anteriores.
“Estamos vendo uma mudança fundamental na forma como as marcas pensam sobre crescimento. A pergunta deixou de ser ‘como converter mais?’ para se tornar ‘como criar valor contínuo?’”, diz Pedro Paulo.
Como as marcas estão se adaptando?
A transição do marketing centrado em conversão para um modelo focado em valor exige transformações em várias frentes. Marcas que lideram essa mudança estão reestruturando suas estratégias de conteúdo, mídia e mensuração para priorizar o relacionamento com o cliente e sua permanência na jornada. Eis como isso tem se refletido na prática:
• Conteúdo: de funil para ecossistema – O conteúdo deixou de ser apenas uma etapa do funil para se tornar parte de um ecossistema contínuo de valor. Em vez de campanhas isoladas, marcas estão apostando em narrativas de longo prazo, com foco em educação, comunidade e utilidade real para o consumidor. Segundo a Salesforce, 88% dos consumidores dizem que a experiência oferecida por uma empresa é tão importante quanto seus produtos e serviços. Isso transforma o conteúdo em pilar estratégico de fidelização.
• Mídia: investimento em jornadas, não só cliques – Ao invés de concentrar verba em anúncios de performance voltados apenas para aquisição, as marcas estão diversificando seus investimentos para mapear e sustentar toda a jornada do cliente, inclusive pós-venda. Isso inclui ações em canais próprios (como e-mail marketing, aplicativos e programas de fidelidade), influenciadores de nicho e estratégias de CRM multicanal.
• Mensuração: KPIs que refletem relacionamento e valor – A escolha das métricas certas é essencial para sustentar essa virada. Em vez de avaliar o sucesso apenas pelo CPL (custo por lead) ou pela taxa de cliques, marcas mais maduras estão adotando indicadores como:
LTV (Lifetime Value): valor total que um cliente gera ao longo do tempo.
Taxa de recompra: quanto do faturamento vem de clientes que já compraram.
Retenção: quanto tempo o cliente permanece ativo.
Engajamento contínuo: abertura de e-mails, uso de apps, resposta a campanhas recorrentes.
“Essas mudanças refletem uma visão mais estratégica do marketing: menos pressão por resultados imediatos e mais construção de ativos duradouros, como reputação, comunidade e fidelização”, destaca o cofundador da Boomer.
Cultura, não só tecnologia
Apesar das vantagens, a adoção desse novo modelo não é trivial. Requer mudanças estruturais, processos criativos mais flexíveis e uma nova mentalidade sobre o que significa crescer.
“Estamos falando de uma transformação cultural. Mais do que perseguir conversões imediatas, as empresas precisam enxergar valor em construir relações duradouras com seus consumidores — mesmo que isso leve mais tempo para gerar retorno”, reforça Pedro Paulo.
Essa abordagem ganha ainda mais força em setores baseados em recorrência, como moda, alimentação, tecnologia e assinaturas. “E as marcas que conseguirem liderar essa virada podem conquistar uma vantagem competitiva sólida e duradoura”, acrescenta o especialista.
Em um mundo em que a atenção está cada vez mais fragmentada e os consumidores têm mais opções do que nunca, a verdadeira disputa talvez não esteja mais na conversão, mas na permanência. A pergunta que fica é: como criar experiências que façam o cliente voltar, engajar e recomendar e não apenas comprar?
(*) Homework inspira transformação no mundo do trabalho, nos negócios, na sociedade. É criação da Compasso, agência de conteúdo e conexão.