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Por que a Bolsa brasileira está caindo? 

Depois de atingir nível recorde em junho, Ibovespa apresenta tendência de queda nos últimos 60 dias

18 ago 2021 - 13h46
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A Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, teve uma recuperação muito forte entre o fim de 2020 e início de 2021, retomando o patamar de 120 mil pontos perdido em março do ano passado no derretimento dos índices globais do mercado financeiro por causa do início da pandemia de covid-19. Em 19 de março de 2020, por exemplo, a mínima registrada para o Ibovespa ficou na casa dos 61 mil pontos. Na virada para 2021, o cenário já havia ensaiado bem a recuperação até que, no começo de junho deste ano, veio o auge: 131.190,3 pontos, em negociações durante o dia, atingidos, no dia 7, o novo recorde da cesta de ações brasileira. No mesmo dia foi registrado o recorde de fechamento: 130.776,27 pontos.

Porém, depois dessa alta expressiva, o mercado brasileiro passou a mostrar tendência de queda. A Bolsa fechou o mês de julho com recuo de quase 4% e, no ano, contando até o fechamento de terça-feira, 17, que ficou em 117.903,81 pontos, tem queda de quase 1%. O Estadão consultou especialistas em mercado financeiro para saber os motivos por trás desse cenário negativo, considerando fatores externos, com questões relacionadas aos mercados internacionais, e internos.

No lado externo, de acordo com Jennie Li, estrategista de ações da XP, entre o fim de 2020 e o primeiro semestre deste ano, a economia global estava se recuperando do impacto da pandemia, com Estados Unidos e China, as duas principais forças econômicas do mundo, tendo bons resultados. Isso criou um efeito positivo na Bolsa brasileira, que, principalmente por causa da exportação de commodities (matérias-primas com cotação internacional), acabou tendo bons números.

"Nós tínhamos passado por uma recuperação relevante, mas que perdeu força, passando a ter resultados em um ritmo menos acelerado. Não ficou negativo, mas passou a ser mais brando. Passamos também da fase de commodities de preços altos, indo para uma tendência de moderação. Além disso, veio a variante Delta", explica.

Esse último tópico, a variante Delta do coronavírus, trouxe um outro forte impacto na economia brasileira: a China passou a ter novo surto do vírus, o que fez com que o país asiático entrasse em lockdown, reduzindo a mobilidade. Pelo grande peso chinês na parceria comercial com o Brasil, se a economia por lá sofre algum baque, a tendência é que isso seja refletido por aqui.

"Recebemos dados chineses abaixo das expectativas, o que indica desaceleração econômica. Isso era esperado, o governo chinês não vê mais um crescimento muito forte, não é prioridade deles, colocaram um pouco o pé no freio. E a China é um dos maiores motores globais, essa desaceleração impacta o mundo, como no consumo de commodities, e o Brasil é muito afetado nessa parte", explica a estrategista. Além disso, dentro dos dados menos fortes nos últimos meses, entram os Estados Unidos, que também não vêm tendo os mesmos números de recuperação anteriores.

Junto com o apetite ao risco menor no exterior, ou seja, com investidores com menor propensão à negociação de ativos na renda variável, há ainda os fatores internos, que o mercado financeiro gosta de chamar de "lado doméstico". Alguns ruídos político-econômicos também acabam contribuindo para o cenário de queda do Ibovespa.

De acordo com o gerente de research da Ativa Investimentos, Pedro Serra, incertezas geradas por assuntos de Brasília acabam segurando uma retomada mais forte da Bolsa do País. Os principais, segundo ele, são as mudanças no Imposto de Renda, parte da reforma tributária, cuja votação na Câmara foi mais uma vez adiada na terça-feira, 17, e a recente discussão sobre os precatórios, com a proposta de parcelamento das dívidas judiciais da União.

"O que impede um melhor desempenho da Bolsa é o ruído no âmbito político interno, com desdobramentos sobre a questão fiscal. A conta do mercado é feita de maneira muito rápida: questões políticas que impactam no lado fiscal, em juros e na inflação pesam. Não só em ações, mas também no mercado de juros", explica Serra.

Jennie, da XP, ainda acrescenta um outro ponto: o novo Bolsa Família, que o governo vem chamando de Auxílio Brasil. Esse último, segundo ela, provoca a seguinte questão no mercado financeiro: "O que vai acontecer com o teto de gastos?", ou seja, como tudo vai ser pago?

Temporada de balanços

Nem mesmo os balanços das empresas, que ainda estão sendo divulgados neste início de segundo semestre, conseguiram reverter a tendência de queda do Ibovespa. De acordo com os especialistas consultados pela reportagem, os números apresentados pelas empresas são bons, o que indica que as fundações das companhias são sólidas. Porém, por causa do mercado mais volátil, nem os bons parâmetros apresentados são suficientes. "A safra de resultados do segundo tri, que tem maior expectativa, veio em linha com o esperado, com algumas exceções. As recuperações estão ocorrendo. Validam a expectativa de recuperação", diz Serra, da Ativa. "Os resultados são bons, mas as ações não reagem porque acompanham o mercado", complementa Jennie, da XP.

Inflação e Selic

De acordo com Jennie, da XP, a Selic, a taxa básica de juros, traz algumas preocupações em relação à Bolsa, principalmente na percepção de valor da renda variável para o investidor, que pode se perguntar se vale mais a pena voltar para a renda fixa, por exemplo. O Banco Central vem aumentando a Selic, que atualmente está em 5,25% ao ano, ainda bem longe dos dois dígitos de meados de 2016. De acordo com os especialistas, esse movimento pode gerar ruído, mas sem muito impacto direto na Bolsa - ainda. O mesmo raciocínio vale para a inflação, que, no acumulado de 12 meses, está perto de 9%.

"O nível de juros precificado até cerca de 7% ainda não é problema, já vivemos dois dígitos. A inflação do jeito que está também não é problema, parte dela é do reaquecimento da economia, ainda sob efeito da pandemia. Tudo isso se torna má notícia quando perde-se o controle, quando se tira poder de compra. Os dois causam um pouquinho de ruído, mas não parece coisa de mudança de patamar", acredita Serra, da Ativa.

Tendência para o futuro

Os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que essa instabilidade deve ficar na economia brasileira por um período de médio prazo. Principalmente com a proximidade com o período eleitoral. De acordo com eles, ainda é muito cedo para falar que a disputa presidencial de 2022 já afeta diretamente o mercado, mas, com o passar dos meses, isso deve aumentar, o que trará uma maior volatilidade aos negócios. Porém, como os resultados das empresas são bons, assim que os ruídos se acomodarem, a perspectiva é otimista para os números da renda variável no Brasil, dizem.

Estadão
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