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Governo começa a testar em setembro embarque com 'selfie' em vez de documentos 

Sistema vai cruzar o reconhecimento biométrico da máquina com a selfie feita pelo cliente no momento do check-in

24 jul 2020 - 23h23
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BRASÍLIA - Uma nova experiência tecnológica nos aeroportos brasileiros, em que o passageiro pode embarcar apenas com a identificação facial - uma 'selfie' -, sem troca de documentos, pode se tornar realidade em breve. Projeto que ganhou ainda mais relevância no contexto de crise sanitária, o embarque com biometria facial tem previsão de ser testado em setembro deste ano no Aeroporto de Florianópolis (SC), em formato piloto.

Máquina de reconhecimento da Gunnebo, uma das empresas parceiras para a fase de testes
Máquina de reconhecimento da Gunnebo, uma das empresas parceiras para a fase de testes
Foto: Ulisses Dumas/Divulgação / Estadão

O programa é idealizado pelo Ministério da Infraestrutura, através da Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC), em parceria com o Serpro, empresa de processamento de dados federal.

"No 'estado da arte', o passageiro passará por todos os componentes do aeroporto sem ter que pegar num documento. Faria tudo com reconhecimento facial", disse ao Estadão/Broadcast o secretário nacional de Aviação Civil, Ronei Glanzmann.

Se o projeto piloto mostrar bons resultados, a expectativa é de que a tecnologia comece a ser usada em mais aeroportos até o início de 2022. Além do terminal em Florianópolis, também já há conversas com os aeroportos de Brasília (DF), Salvador (BA) e Galeão (RJ).

Hoje, as verificações nos aeroportos são feitas basicamente em duas etapas. Uma, para entrar na área de segurança, em que o passageiro valida seu cartão de embarque e depois passa pelas máquinas de raio-x. A outra é no momento do embarque na aeronave, no qual o atendente da empresa aérea verifica o bilhete e um documento de identidade do cliente.

No futuro, quando o embarque por 'selfie' já estiver em funcionamento pleno, essas duas entradas seriam feitas por máquinas de biometria facial, sem que documentos sejam trocados manualmente. O sistema vai cruzar o reconhecimento biométrico da máquina com a selfie feita pelo cliente no momento do check-in - que já pode ser realizado em casa, por exemplo, por meio do celular.

Especialistas e o próprio governo reconhecem que, com a pandemia e as inseguranças trazidas com a doença, a aviação terá de oferecer novas experiências para reconquistar a confiança do passageiro. O setor é um dos mais afetados pela crise do novo coronavírus. Esse cenário, portanto, tornou o embarque livre de contato humano ainda mais interessante. O projeto já é pensado há anos dentro do governo. As discussões foram embaladas pela preparação tecnológica dos aeroportos brasileiros para a Copa do Mundo de 2014.

"Pretendemos que o embarque seja, no futuro, 100% sem contato humano. As pessoas simplesmente apresentam a face, despacham a mala sozinhas, se apresentam nos portões e entram na aeronave sem precisar entregar documento a ninguém. Sem precisar conversar cara a cara, a não ser em casos de exceção", disse o consultor de negócios de Soluções de Gestão de Transporte Terrestre e Aéreo do Serpro, Fernando Paiva. Os cartões de embarque - que hoje podem ser acessados do celular - ainda serão necessários. Mas o "sonho" é poder dispensá-los futuramente.

Além do aspecto sanitário, a segurança e a agilidade são outras duas metas buscadas com o projeto. Os técnicos envolvidos no projeto lembram que, para entrar na "área segura" dos aeroportos, nenhuma verificação de identidade é feita atualmente. Basta que a pessoa apresente o cartão de embarque. "A aviação exige muitas informações por questões de segurança", observou o assessor técnico do Ministério da Infraestrutura, Paulo Possas, para quem o tempo de embarque também será reduzido a partir da tecnologia.

'Ok' do governo

Essa verificação de identidade só será possível com o programa desenvolvido pelo Serpro, que utiliza bases de dados de órgãos federais. A tecnologia já está preparada para comparar a selfie tirada pelo passageiro e a biometria facial com qualquer documento previamente emitido pelo governo federal que contenha foto. Mais à frente, a ideia também é ter acesso aos registros de documentos emitidos pelos Estados.

Na fase de testes do piloto, os técnicos devem utilizar apenas a foto da carteira de motorista do cidadão para fazer a validação. Portanto, quem topar participar, precisará ser maior de idade e habilitado como motorista.

Como a empresa aérea terá de alinhar seus sistemas internos para fazer o embarque por biometria, o governo conversa atualmente com a Latam para que a companhia possa ser parceira no experimento. "Nós já vamos iniciar o trabalho fazendo também comparações biográficas, de dados. Não comparar só a face, mas os dados que estão sendo inseridos no momento, o que garante a confiabilidade de saber que o cidadão é de fato o que está se apresentando", explicou Paiva.

No piloto, a ideia é separar um voo do aeroporto para testar uma série de pontos: se houve redução do tempo, aumento de segurança, como estão as respostas do sistema, e se há gargalos para serem corrigidos, por exemplo. "Precisamos testar para saber se o embarque biométrico vai cumprir requisitos", pontuou Possas. Segundo ele, o projeto - ao propor o cruzamento de bases de dados do governo para garantir a identidade do passageiro - preenche uma "lacuna" de viabilidade da tecnologia e coloca o Brasil numa posição dianteira com relação a outros países.

"Em outros países, o processo de embarque biométrico começa com você apresentando um documento. O projeto aqui é realmente algo inovador, porque a maioria dos países que usam tecnologias como essa têm esse problema que tínhamos e que o Serpro conseguiu resolver, que é a questão da checagem da identidade", disse o assessor técnico da pasta.

Proteção aos dados

O projeto do governo federal para embarque nos aeroportos por biometria facial já nasce "100%" aderente à nova Lei Geral de Proteção de Dados, disse o consultor de negócios de Soluções de Gestão de Transporte Terrestre e Aéreo do Serpro, Fernando Paiva. A legislação foi sancionada em 2018 e entrará em vigor no próximo mês.

Todas as fases do programa - que envolvem a validação da 'selfie' e da biometria facial com dados do governo - precisam envolver alto cuidado para proteger a privacidade do cliente. "No longo prazo, quem vai coletar as informações será a empresa aérea. Uma vez que você já está fazendo um negócio com ela, devido as características da nossa lei, a empresa já vai pedir anuência para usar os dados. E nessa anuência já vamos inserir também a necessidade de repasse para validação governamental. Vai ser dentro do fluxo", explicou Paiva.

As novas regras ainda precisarão ser consideradas quando, mais à frente, a tecnologia for alvo de monetização - algo que, por enquanto, ainda é discutido no projeto. Nesse momento de testagem do embarque biométrico, segundo os técnicos, as máquinas serão oferecidas por empresas sem custos - e também sem nenhuma garantia de contratação no futuro.

O próximo passo, portanto, é definir como o programa se tornará viável financeiramente, sem transferir custos ao passageiro. Várias alternativas estão em estudo. Além de uma parceria comercial com empresas privadas, também estão na mesa o uso dos recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) e desoneração na outorga (parcela paga pelas concessionárias de aeroporto ao governo). "Ainda não tem a solução fechada", disse o assessor técnico do Ministério da Infraestrutura, Paulo Possas.

Em outra frente, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) faz atualmente um processo de revisão de resolução que estabelece regras sobre a disponibilização de informações de passageiros. A ideia, portanto, é de que o projeto também esteja de acordo com as normas da agência, que está acompanhando desde o princípio seu andamento.

O diretor da ONG Data Privacy Brasil, Rafael Zanatta, avaliou que há uma tendência mundial de se considerar o uso de dados biométricos em larga escala como uma atividade de risco. Por isso, o advogado entende que uma avaliação de impacto de proteção de dados pessoais deve ser realizada para fundamentar o projeto.

A discussão sobre o uso de dados tende a ganhar ainda mais força a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dada em maio, observou Zanatta. A Corte barrou uma medida provisória que obrigava as operadoras de telefonia a cederem dados telefônicos dos consumidores para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o objetivo de viabilizar pesquisas durante a pandemia do novo coronavírus.

"Foi super importante porque o STF cravou a definição de que a proteção de dados pessoais é um direito fundamental, e que ações governamentais que possam colocar isso em risco - como neste caso, a obrigação do reconhecimento facial em serviços de aeroportos -, que essa imposição tem que ser contrabalanceada com uma série de salvaguardas", disse. Outro caso que pode servir como precedente é o da linha amarela do metrô em São Paulo, no qual a concessionária implantou uma tecnologia de portas interativas digitais que acabou questionada na Justiça.

Estadão
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