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Com episódio 'Fronteira do Medo', Into the Dark transforma crise de imigração em filme de terror

Dirigido pela mexicana Gigi Saul Guerrero, capítulo da antologia vai ao ar nesta sexta-feira, 12

12 jul 2019 - 03h11
(atualizado em 13/7/2019 às 08h51)
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Pauta recorrente em noticiários internacionais, a crise na fronteira entre Estados Unidos e México tem elementos dignos de uma distopia. Com o endurecimento na política de imigração, famílias são separadas e crianças são encaminhadas, sem os pais, a abrigos em más condições de infraestrutura. Inspirada por esse cenário, a diretora mexicana Gigi Saul Guerrero gravou Fronteira do Medo, episódio da série de terror Into the Dark, que estreia nesta sexta-feira, 12, no canal Space.

Parte de uma antologia, o episódio é, na verdade, um filme de uma hora e meia, não conectado aos capítulos anteriores. Na história, Marisol (Martha Higareda) é uma jovem mexicana que persegue o sonho americano. Em uma primeira tentativa de atravessar a fronteira entre os dois países, é estuprada pelo próprio namorado e abandonada por um 'coiote' - nome dado aos guias que conduzem os imigrantes na jornada ilegal. Meses depois, grávida do estupro, Marisol decide desafiar a sorte e tentar outra travessia.

"A inspiração para o episódio é realmente pontual. Nós estamos de fato vivendo uma situação horrível na fronteira entre os Estados Unidos e o México", afirma Gigi, em entrevista coletiva. "Quando me apresentaram o script, eu achei que era muito importante abordar esse tema a partir da perspectiva de uma mexicana".

Refletir a realidade era um dos imperativos da produção. "Fiz muita pesquisa, conversei com famílias de pessoas que realmente cruzaram a fronteira", conta a diretora. "Os roteiristas também traziam histórias que eles conheciam".

É na segunda parte do filme que o terror extrapola essa premissa. Ao acordar em uma bela casa nos Estados Unidos, após ser capturada na fronteira, Marisol é recebida por uma babá assustadora (Barbara Crampton) e uma vizinhança amigável - e patriota - demais.

[Atenção: o próximo parágrafo contém spoilers do episódio].

Não leva muito tempo até a mexicana descobrir que está presa em uma simulação de realidade virtual, como cobaia em um laboratório que testa uma nova política de imigração. O objetivo não é dar aos imigrantes o sonho americano, mas mantê-lo longe deles.

Fronteira do Medo vem na esteira de uma nova onda de filmes de terror inspirados por questões sociais, como Corra!, de Jordan Peele. O episódio, aliás, é produzido pela Blumhouse Productions, que assina o filme.

Para Gigi, a relação entre terror e questões contemporâneas é natural. "O gênero permite que você use a realidade, mas escape dela", diz. Ela cita os exploitation movies dos anos 1960 e 1970, produções 'lado B', geralmente de baixa qualidade, que fizeram sucesso ao retratar histórias com as quais o público se identificava.

'A boneca do terror'.

Gigi Saul Guerrero é também imigrante. Aos 14 anos de idade, mudou para o Canadá, onde estudou cinema. Apelidada de 'la muñeca del terror' ('a boneca do terror'), Gigi assina os filmes El Matador (2013), Dia de Los Muertos (2014) e El Gigante (2014), entre outros.

A mexicana trabalha com o subgênero gore - um terror explícito que não poupa os telespectadores de vísceras, tortura e sangue. Seus filmes são carregados de referências ao país de origem. Em Dia de Los Muertos, por exemplo, prostitutas subjugadas se vingam de homens em um bordel, usando as famosas máscaras La Catrina. Em Madre de Dios, de 2015, uma mulher é transformada por dois bruxos em uma estátua de carne e osso da Santa Muerte.

Recepção

Fronteira do Medo não é sutil, nem se propõe a sê-lo. O pesadelo real de Marisol acontece na semana de 4 de julho, data em que se comemora a independência americana. Os estadunidenses são retratados de forma caricata e assustadora. "O gênero de terror permite usar recursos exagerados para mostrar questões sociais", afirma Gigi.

Questionada sobre a recepção do episódio por parte das pessoas 'do outro lado do muro', Gigi afirma que espera que elas se assustem com o filme tanto quanto os latinos. "Foi importante mostrar duas diferentes perspectivas, dois diferentes mundos na fronteira", afirma. "Eu procurei ser o mais real possível para que o público não-latino se assuste e se pergunte: 'é realmente isso que acontece?'"

Nova onda

De Luis Buñuel aos mais recentes Guillermo del Toro, Alfonso Cuarón e Alejandro G. Iñárritu, o México tem uma forte tradição no cinema. O gênero de terror, no entanto, passou por períodos pouco animadores no México entre meados da década de 1980 e meados da década de 2000.

Com Cronos (1992), Guillermo del Toro deu um novo fôlego para o terror nacional. Em 2004, Lorena Villareal lançou Las Lloronas. Baseado em uma lenda nacional, o filme inspirou outras produções, como J-ok'el (2007), de Benjamin Williams, e Kilómetro 31 (2007), de Rigoberto Castañeda. Aos poucos, o mercado foi se reaquecendo.

Lançada em 2014, a antologia México Bárbaro reuniu oito diretores mexicanos em uma missão: produzir oito curtas de terror baseados em lendas mexicanas. Entre os convidados, estão Isaac Ezban (Os Parecidos), Jorge Michel Grau (Somos Lo Que Hay) e Lex Ortega (Atroz).

O resultado, disponível no catálogo brasileiro da Netflix, é uma obra sangrenta que mescla diversos subgêneros do terror - snuff, camp, gore, experimental, nota roja e outros. As histórias vão de influências astecas em rituais de traficantes de drogas (Tzompantli, de Laurette Flores), a um problema com o lendário bicho-papão (Lo que importa es lo de adentro, de Lex Ortega).

A antologia reuniu nomes que vinham construindo a cena de terror desde os anos 2000. E, mais importante, deu um passo em direção ao curso autoral e independente.

Responsável por Dia de Los Muertos, filme que encerra a antologia, Gigi Saul Guerrero afirma que a indústria de cinema mexicana tem crescido bastante. "Nos últimos oito anos, o cinema e as plataformas digitais demandaram muito trabalho no país", diz.

Para ela, o momento é propício ao surgimento de cineastas 'fora do eixo'. "O público busca novas vozes, pede mais diversidade", afirma. "E essas vozes existem e estão aparecendo".

Estadão
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