Novela da Globo fez referência à Cinderela com atriz indígena e virou alvo de críticas há 20 anos
Tentativa de trama da Globo em homenagear personagem marcante da cultura pop desencadeou reação de movimento de proteção indígena
Em 18 de abril de 2005, há 20 anos, a Globo estreava A Lua Me Disse como sua nova novela das sete. Escrita por Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, a trama resgatava a leveza e humor da faixa com referências às cenas marcantes da teledramaturgia e cultura pop. O folhetim chegou a ter versão brasileira de Cinderela com atriz indígena, mas núcleo virou alvo de críticas de grupos de proteção dos povos originários.
Referências polêmicas
Segundo o jornalista Nilson Xavier, do Teledramaturgia, a proposta de A Lua Me Disse era brincar com os clichês da teledramaturgia, ora os reverenciando, ora debochando deles. Miguel Falabella, inclusive, estrelou as chamadas de divulgação vendendo o "produto" como um verdadeiro camelô da dramaturgia pop.
Apesar do humor escrachado e das referências culturais divertidas, a novela não passou ilesa a polêmicas. Como relembra Xavier, no capítulo 90, exibido em 2 de agosto de 2005, os autores fizeram uma releitura inusitada do clássico Cinderela.
Na cena, a personagem Índia, interpretada por Bumba — atriz indígena de verdade — tem seu vestido de festa rasgado pelas megeras Adalgisa (Stella Miranda) e Adail (Bia Nunnes), repetindo a icônica sequência do filme da Disney. A personagem indígena representava a "gata borralheira" da vez, mas o Teledramaturgia destaca que a ambientação e o tom cômico do núcleo desagradaram profundamente grupos de proteção aos povos originários.
A crítica principal recaiu sobre o estereótipo aplicado à personagem Índia, que durante boa parte da novela era alvo de humilhações cômicas, com bordões e situações que exploravam sua origem como elemento de piada. Apesar da "recompensa" no último capítulo — quando Índia se torna rica e seus algozes acabam como suas empregadas — o arco narrativo foi visto como ofensivo e reducionista.
Humor que nem sempre faz rir
Além da controvérsia com a personagem indígena, Xavier relembra que A Lua Me Disse também foi alvo de críticas de movimentos do movimento negro. As personagens Latoya e Whitney, vividas por Zezeh Barbosa e Mary Sheyla, negavam constantemente sua identidade racial, o que foi interpretado por ativistas como incentivo ao racismo internalizado.
O Teledramaturgia avalia que, mesmo com a vilã Latoya sendo punida no desfecho da trama e Whitney tendo encontrado redenção, a construção das personagens reforçava estereótipos e levantava questões sensíveis sobre a forma como o humor pode perpetuar preconceitos.
Mesmo com os problemas, a recepção crítica foi positiva, mas a novela não foi um fenômeno de audiência. Ainda assim, A Lua Me Disse conseguiu reverter o desempenho da antecessora, a sombria Começar de Novo, devolvendo algum fôlego à faixa das sete.