Ivana representa a libertação de um padrão social opressor
Personagem de ‘A Força do Querer’ se torna icônica ao romper com a ditadura do controle comportamental
Estudioso das leis e dos poderes de Estado, o filósofo francês Montesquieu fez longa pesquisa a respeito da escravidão desde a época dos romanos.
Concluiu que o sistema escravocrata não se limitava ao comércio de pessoas. Agia também pela imposição de ideias e hábitos.
Ao se sentir obrigada a seguir um padrão predeterminado, a população – desde os ricos até os escravos considerados animais – virava refém da cúpula dominante.
É justamente o rompimento de um estereótipo social que resultou na catarse de Ivana (Carol Duarte, em atuação sublime) no já antológico capítulo de terça-feira (29) de ‘A Força do Querer’, de Gloria Perez.
A personagem se liberta de um modelo obrigatório de comportamento ao revelar à família que, apesar do corpo feminino, vê-se como homem. Sua transexualidade enfim brota à flor da pele.
Atônitos, os parentes de Ivana não compreendem aquilo que os olhos não são capazes de enxergar. Estão condicionados apenas ao que é visivelmente explícito e socialmente aceito – e, portanto, considerado ‘normal’.
Quase em surto, ela perde o pudor remanescente: corta os longos cabelos cacheados e, para horror de sua família tão tradicional quanto disfuncional, a ‘princesinha’ anuncia a decisão de se submeter a uma cirurgia para a retirada dos seios.
Ivana age como uma escrava que se alforria por conta própria, disposta a pagar o alto preço de ser quem é.
‘A Força do Querer’ faz jus ao título: quando a natureza represada ganha impulso e rompe a frágil barreira das aparências, a verdade individual se sobrepõe com fúria às regras da coletividade.
Entre a indignação e a revolta, o pai, Eugênio (Dan Stulbach), a mãe, Joyce (Maria Fernanda Cândido), e o irmão, Ruy (Fiuk), simbolizam o Estado sendo desafiado, a tradição ferida, a quebra de paradigma.
É apenas uma novela, mas é também uma representação pulsante da vida real.