Globo não quer "copiadores de fórmulas", diz Silvio de Abreu
Aos 72 anos, autor é o diretor de dramaturgia diária da emissora
A rotina de Silvio de Abreu mudou drasticamente nos últimos meses. Quando não está com alguma novela no ar, o autor costuma ficar à frente de algum projeto de supervisão ou busca inspirações para futuros folhetins. No entanto, com a aposentadoria do diretor geral de entretenimento da Globo, Manoel Martins, a emissora resolveu criar cinco diretorias específicas para a área. E coube a Silvio assumir o cargo de diretor de dramaturgia diária. "Quando surgiu o convite, vi que eu já fazia um pouco desse trabalho nas produções que supervisionei. Não tive receio, mas sei das responsabilidades do cargo. Além de aprovar sinopses, me intrometo em qualquer questão relacionada ao artístico. Estou na televisão há muitos anos e vi que essa era uma oportunidade única", valoriza.
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Às vésperas dos 72 anos – a serem completados no próximo dia 20 de dezembro –, ao lado de Cassiano Gabus Mendes, Silvio ajudou a criar o conceito de novela das sete com clássicos oitentistas como Guerra dos Sexos e Sassaricando. Nos anos 1990, obteve sucesso também no horário das nove, com tramas policiais do quilate de A Próxima Vítima e Torre de Babel. No entanto, também guarda seus "tiros no pé", com a urbana As Filhas da Mãe, de 2001, e a pouca repercussão do "remake" de Guerra dos Sexos, exibido em 2012.
Embora seja um entusiasta de que a televisão invista em ousadias e novidades, o autor acredita que é necessário ter cautela e visão de negócio para reconquistar a audiência. "A televisão só cresce como produto audiovisual se ousar. Mas é preciso respeitar o público e fazer novelas boas. No entanto, saber lançar os produtos pode fazer uma grande diferença", explica.
Há muitos anos, você se dedica a descobrir e supervisionar novos autores. Acha que foi isso que fez com que a cúpula da Globo o convidasse para ser diretor de dramaturgia diária da emissora?
Silvio de Abreu: Com certeza. Acho que, de todos os autores, sempre fui o mais a favor da renovação. Nunca tive medo de perder o meu espaço para o novo e sempre fui um entusiasta da presença dessas novidades nos corredores da emissora. Foi assim que acabei supervisionando gente que fez carreira e sucesso dentro e fora da Globo, como o (Carlos) Lombardi, a Maria Adelaide (Amaral) e o Alcides Nogueira. E recentes promessas que já se pode dizer que são autores consagrados, como a Elizabeth Jhin e o João Emanuel Carneiro.
Além do fator novidade, o que mais o instiga a investir tanto em sua porção supervisor?
S.A.: A troca de experiências. E como um trabalho pode ser influenciado pela minha assinatura, mas seguir por uma linha totalmente diferente. Meus supervisionados foram por caminhos bem diversos. Mesmo dando meus "pitacos", sempre os deixei livres para criar. O que a emissora quer são mentes pensantes e não copiadores das mesmas fórmulas. Do ponto de vista artístico, acho que tem dado muito certo. Embora a audiência das tramas esteja oscilante.
Sinal de que o público anda muito tradicional?
S.A.: O público realmente está querendo produtos mais tradicionais. Ousadias como Além do Horizonte e Meu Pedacinho de Chão mostram isso. Mas, ao mesmo tempo em que é preciso ter audiência, ousar e mostrar outros caminhos é de fundamental importância. No entanto, acho que é possível chegar ao meio termo. Novela é novela, tem de ter dramalhão, riso e seus arquétipos. Quando ousa demais, o público estranha.
A ousadia foi o grande problema de As Filhas da Mãe, de 2001, uma de suas tramas mais arrojadas. Qual sua principal lembrança dessa experiência?
S.A.: A frustração de uma novela totalmente feita para o seu tempo não ter conquistado o público. Mas, de alguma forma, aquele estilo de edição, a estética, a linguagem musical e outros detalhes influenciaram trabalhos futuros de outros autores. Então, as ousadias precisam existir, mas necessitam de um cuidado maior. Algo que minha equipe e a direção da emissora começaram a estudar foi a questão da duração das tramas.
Como assim?
S.A.: Só o autor sabe onde sua história pode render. Podemos ter novelas de 100 ou 200 capítulos. Desde que esteja contando a trama de forma satisfatória. Não queremos superficialidade e nem "barrigas" absurdas.
Mas a duração também envolve uma importante questão de rentabilidade da trama...
S.A.:Sim, mas sendo bem pensando é possível a novela se pagar e durar o tempo que for necessário para contar a história. A emissora já tem uma estrutura que comporta esse tipo de atitude. O formato precisa estar a serviço do texto.
Além da escolha das tramas, como diretor da área de teledramaturgia diária você também terá voz ativa na escalação de atores e diretores. Pretende buscar novos profissionais para uma possível oxigenação desses setores também?
S.A.: Os diretores de núcleo são meus principais ajudantes no processo de reformulação da teledramaturgia da casa. Conheço todos e já trabalhei com muitos deles, sei os estilos e acredito que consiga identificar o que vai funcionar com o olhar de cada um deles. Sobre os atores, a emissora quer novas opções de galãs e mocinhas. Sérgio Guizé, em Alto Astral, por exemplo, reflete esse momento. A ideia é evitar ao máximo as complicações nos bastidores por reserva de elenco. É preciso dar oportunidade para atores com uma imagem menos desgastada. E, para isso, é preciso fuçar.
Onde você costuma procurar esses novos nomes para suas tramas?
S.A.: Vou muito ao teatro e ao cinema. Presto atenção em tudo e entrego os nomes aos produtores de elenco. Mas não é só eu que tenho essa atitude, outros autores e diretores são "feras" em descobertas. Fora isso, a Globo tem olheiros espalhados por todo o Brasil.
Como funciona esse trabalho?
S.A.: São funcionários da emissora que frequentam audições para teatro, cursos de interpretação, festivais de cinema alternativos, testes para propagandas publicitárias. O que essas pessoas veem de interessante é repassado para nós. E durante o processo de escalação, isso conta também. A partir daí, fazem testes e são escalados. Essa coisa de "teste do sofá" está no passado (risos).
Seu cargo se tornou oficial em meados de novembro, mas você já vem trabalhando na leitura de sinopses há alguns meses. Alguma, em especial, já chamou sua atenção?
S.A.: Muitas. A Globo tem mais de 200 autores contratados. E muitos querem entrar para a área de dramaturgia. No entanto, poucos conseguem.
Por quê?
S.A.: Não basta apenas querer. É preciso ter disciplina, organização com processo criativo e desenvolver uma assinatura própria. O trabalho é árduo e exige muito esforço físico também. Além disso, novela tem de ser novela. Se você quer escrever novela com linguagem de seriado americano, dificilmente dará certo. É preciso ter ganchos e viradas muito específicas do texto folhetinesco. Quem quer fazer diferente, escreve uma série e a apresenta ao Guel (Arraes, Diretor de Dramaturgia Semanal).
Com tantos textos para ler e filtrar, sobra tempo para pensar em uma futura novela?
S.A.: (risos) Não mesmo. Tem bloco de sinopse em tudo quanto é canto da minha vida. É um processo sério e doloroso. Tão cansativo quanto a escrita de uma novela. Estou começando agora e devagar, mas tenho certeza que não terei tempo de pensar em uma trama minha agora.
Mesmo desgastante, você sente saudade de dar vazão a sua porção autor?
S.A.: Não. De alguma forma, estou dentro da TV e participando ativamente de alguma produção. Querendo ou não, vou dar meus "pitacos" no texto e nas questões técnicas. Não vai ter meu nome nos créditos como autor, mas a responsabilidade do que faço hoje é bem maior.
Foto: Jorge Rodrigues/Carta Z Notícias
Seis mãos
Além de se tornar uma espécie de "padrinho" artístico, Silvio de Abreu costuma ficar amigo dos autores que supervisiona. Foi assim com Andréa Maltarolli, de quem ficou próximo durante a criação dos primeiros capítulos de Beleza Pura, de 2008. Quando estavam prestes a começar a sinopse de uma segunda novela assinada pela autora, ela acabou falecendo. Passado o luto, Silvio, aos poucos, retomou algumas ideias de sua pupila. E assim nasceu Alto Astral, a atual novela das sete. "Ela tinha ideias muito boas e bem desenvolvidas. A morte dela foi muito prematura, seria uma grande novelista e resgatar essas ideias é uma forma de mostrar isso", exalta.
Sem condições de assinar a novela, Silvio resolveu mais uma vez dar uma chance ao "novo". E escalou Daniel Ortiz, outro de seu time de colaboradores, para o posto de autor principal. "Alguém tem de promover novos autores. A minha turma aprendeu tudo fazendo e quase todo mundo já passa dos 70 anos. Precisamos de bons substitutos", ressalta, aos risos. No processo, Silvio retomou os seis capítulos que já tinha feito com Maltarolli, implantou as diretrizes da novela junto com Ortiz e saiu de cena. "Apesar de idealizada por outras pessoas, a novela é dele e ele tem o direito de ir pelo caminho que quiser. A criação só funciona bem com liberdade. Fico olhando de longe e prestando atenção em tudo", destaca.
Atuação inicial
Silvio de Abreu descobriu sua paixão pela TV, primeiramente, como ator. No final dos anos 1960, após participar de algumas peças, filmes e novelas, viu que não tinha tanto talento para estar à frente das câmaras, mas descobriu sua facilidade em dialogar com intérpretes. Por conta disso, desenvolveu uma frutífera carreira como diretor de pornochanchadas, gênero que fez sucesso no Brasil ao longo dos anos 1970. A carreira de autor de novelas só começou no final da mesma década, em 1977, com Éramos Seis, da Tupi. A boa repercussão da novela o levou para a Globo, onde estreou direto como autor principal, em 1978, com Pecado Rasgado. "Estreei muito cru como autor. Era desesperador. Só fui organizar melhor as ideias e aprender mesmo o ofício na lida diária e na convivência luxuosa com o saudoso Cassiano Gabus Mendes", relembra.
Trajetória televisiva
- Éramos Seis (TV Tupi, 1977) - Autor.
- Pecado Rasgado (Globo, 1978) - Autor.
- Jogo da Vida (Globo, 1981) - Autor.
- Guerra dos Sexos (Globo, 1983) - Autor.
- Vereda Tropical (Globo, 1984) - Supervisor.
- Cambalacho (Globo, 1986) - Autor.
- Sassaricando (Globo, 1987) - Autor.
- Rainha da Sucata (Globo, 1990) - Autor.
- Boca do Lixo (Globo, 1990) - Autor.
- Deus nos Acuda (Globo, 1992) - Autor.
- Éramos Seis (SBT, 1994) - Autor.
- A Próxima Vítima (Globo, 1995) - Autor.
- Anjo Mau (Globo, 1997) - Supervisor.
- Torre de Babel (Globo, 1998) - Autor.
- As Filhas da Mãe (Globo, 2001) - Autor.
- Da Cor do Pecado (Globo, 2004) - Supervisor.
- Belíssima (Globo, 2005) - Autor.
- Eterna Magia (Globo, 2007) - Supervisor.
- Beleza Pura (Globo, 2008) - Supervisor.
- Passione (Globo, 2010) - Autor
- Guerra dos Sexos (Globo, 2012) - Autor
- Alto Astral (Globo, 2014) - Supervisor.
