Fingimento ou não, trama sobre filho com sequela incomoda por ter ator sem deficiência
Atores PcDs têm poucas oportunidades na teledramaturgia apesar de representarem 18,6 milhões de brasileiros, segundo o IBGE
Basta uma pesquisa rápida em plataformas populares, como o TikTok, para encontrar depoimentos de reprovação à escalação de um ator sem deficiência (Guilherme Magon) para interpretar Leonardo, o filho com sequelas de Odete Roitman (Debora Bloch) em ‘Vale Tudo’.
A coluna até aprendeu o termo para a situação: cripface. Crip em inglês é aleijado, palavra em desuso no Brasil ao se referir a alguém com alguma limitação física. Aplica-se pessoa com deficiência ou a derivada sigla PcD.
A Globo possui sólida política de diversidade e inclusão de perfis comumente excluídos na sociedade. Já escalou atores amputados, com deficiência visual, Síndrome de Down, deficiência auditiva, nanismo, entre outras condições.
No momento, o ator Pedro Fernandes — com paralisia cerebral e cadeirante — atua como Peter na novela das 19h, ‘Dona de Mim’.
Por isso, causa estranheza pensar que a emissora faria uma escalação equivocada no caso de Leonardo, vítima de acidente de carro provocado pela própria mãe.
Circula a teoria de que ele, na verdade, se recuperou ao longo de 12 anos de isolamento forçado e está fingindo a deficiência — com a cumplicidade da cuidadora Nise (Teca Pereira) e da neta dela, Clara (Samatha Jones) — enquanto arma plano para se vingar da matriarca dos Roitman.
Caso se confirme, a simulação da deficiência seria igualmente controversa, assim como colocar um ator não-PcD interpretando o gestual típico de um lesionado.
O leitor pode achar que se trata de preciosismo baseado no politicamente correto. Não há nada de ideologia aqui. A questão é outra: dar emprego a atores que realmente carregam alguma deficiência. Eles têm raras oportunidades no mercado audiovisual. A exposição no horário nobre da Globo seria valiosa realização profissional.
Veja o exemplo do ator Luciano Mallmann, da série ‘Justiça 2’ e da novela ‘Elas por Elas’. Conseguiu papel de destaque na TV somente após 20 anos do acidente que o deixou paraplégico.
Seria justo um artista sem deficiência aparecer em cadeira de rodas para fazer os personagens que ele interpretou usando a própria experiência de vida?
Há um aspecto importante na trama de Leonardo em 'Vale Tudo': o desprezo de sua mãe, que parece ter vergonha do filho, suscita a discussão sobre o preconceito contra PcDs. Renegar o amor ao rapaz é a maior monstruosidade da vilã Odete Roitman.
