Caio Blat se diverte com papéis inusitados com o budista Sonan
Caio Blat até começou a fazer sucesso na tevê na pele de um protagonista. Mas, ao contrário do que seu reconhecimento como o trapalhão Rafael de Um Anjo Caiu do Céu sugeria em 2001, o ator não teve uma carreira pautada por mocinhos. Em duas décadas dedicadas intensamente às novelas, o paulistano de 33 anos sempre se destacou interpretando personagens distantes, de alguma forma, da linha reta de um herói. Como o budista Sonan, de Joia Rara, um monge que decide largar o posto religioso para experimentar o amor de uma mulher. "Antes de gravar no Nepal, passamos uns dias em um templo em Cotia, em São Paulo, para entender como funciona. E li muito sobre o assunto. Já era um tema que me interessava, um tipo de pesquisa que eu curto", conta.
Na trama, Sonan se preparou desde muito novo para seguir os ensinamentos de Ananda, uma participação especial de Nelson Xavier na história das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes. Depois da morte do mestre, ele veio para o Brasil em busca de uma de suas reencarnações, a doce Pérola, de Mel Maia. Mas acabou se apaixonando pela vedete Matilde, papel de Fabiula Nascimento. "Fiquei muito emocionado quando soube que seria assim porque a Amora Mautner (diretora geral) me contou que era inspirado em Sansara, um filme que me marcou demais", conta.
Como você reagiu ao convite para interpretar Sonan?
A Amora me ligou e fiquei muito emocionado. Assisti a um filme há uns 10 anos que me deixou encantado. Chorei muito quando terminou, de ficar com a camisa molhada. Chama-se Sansara. Fala sobre um monge que larga o mosteiro porque se apaixona por uma mulher e vira plantador de arroz. Foi um dos filmes mais marcantes da minha vida. E a primeira coisa que Amora disse foi que esse personagem era inspirado nessa obra. Era quase a realização de um sonho para mim. Parecia mágica.
Você tem ideia de como chegaram ao seu nome para o papel?
Tenho. Duca e Thelma me contaram que, um dia, estavam pensando em quem poderia ser, mas que seria bom ter um olho levemente puxado. Nessa hora, Lado a Lado estava no ar e apareceu uma cena minha. Tudo coincidiu. E a Amora ainda comentou que era minha amiga e curtia meu trabalho. Nessa escolha dos monges, buscaram atores que tivessem intimidade com espiritualidade, meditação e que gostassem do tema. E o Ângelo Antônio, eu e o Nélson Xavier sempre procuramos um lado aberto para a fé na carreira.
Você já foi recordista de cartas da Globo e ganhou um protagonista muito cedo, em Um Anjo Caiu do Céu. Mas sua carreira não foi pautada nessa posição. Como analisa sua trajetória televisiva?
Tive muita sorte porque fiz tipos diferentes. Alguns personagens bem marcantes, como o Abelardo Sardinha de Da Cor do Pecado. E isso acabou levando minha carreira para um lado de diversidade, da criação de tipos. Mesmo em Caminho das Índias, quando interpretei um papel com ares de mocinho, tinha a coisa de ser indiano, rolava uma cultura distinta, a tradição hindu, a meditação, enfim, era outro universo. Fiz alguns vilões, como em Lado a Lado e Esplendor. Acho que tive sorte porque essa variedade me instiga, me dá mais prazer e me tira da zona de conforto.
Você também se dedica cada vez mais ao cinema...
O cinema foi uma coisa que aconteceu na minha geração. Fomos privilegiados. A retomada aconteceu quando a gente estava ali. Atores 10 anos mais velhos que eu não puderam ter essa carreira na sua juventude. Já tenho mais de 20 produções no currículo. É engraçado porque a gente cresceu tentando ter uma base sólida no teatro e, no meio disso, se manter na tevê. De repente apareceu essa terceira possibilidade e uma galera se apaixonou. Acabou, infelizmente, me afastando dos palcos, porque uma peça me faria passar um ano sem filmar.
O cinema hoje tem um peso mais importante para você?
O cinema virou nossa cereja do bolo. O trabalho é artesanal, como no teatro, com muita pesquisa, ensaio e um dia inteiro para gravar uma única cena. E que depois fica gravado, não tem a efemeridade do teatro. Para uma peça, você pesquisa, faz um trabalho impressionante e só aquelas poucas pessoas que o assistiram vão guardar o resultado. Filmar nos dá a ilusão de permanência, de uma obra preservada para sempre. Tenho uma prateleira no meu quarto que já tem uns 20 DVDs de filmes que eu fiz. Fico com o maior orgulho de participar desse movimento de contar e, ao mesmo tempo, construir a história do meu país. E cinema era quase um espaço virgem a ser conquistado. A gente não quis abrir mão. Algumas pessoas que foram na minha frente já são diretores.
Selton Melo e Wagner Moura deixaram a tevê aberta de lado para se dedicar quase exclusivamente aos longas. Você já pensou ou tentou seguir o mesmo caminho?
Eles já conseguiram independência financeira. Com um comercial, às vezes, ganham o que faturariam em um ano de contrato com a televisão. Não sei se eu conseguiria isso. Talvez tenha feito escolhas mais radicais na minha carreira, como filmar Cama de Gato e Bróder. Não sou um ator muito identificado com a publicidade. E entra o fato de eu ter feito poucos mocinhos. Eu quase sempre fui o problemático. Fiquei no meio do caminho, como o ator alternativo que faz filmes mais arriscados. Mas sou muito feliz com o lugar que ocupo. E meu físico me ajudou a conquistar esse espaço.
Por quê?
Tenho uma cara muito comum, que ajuda nas transformações. O Bruno Gagliasso, por exemplo, tem um olho que parece uma pedra preciosa, é um homem lindo. Para ele, é mais difícil se transformar em um morador de favela ou bandido. É raro as pessoas apostarem nisso. E acaba ajudando a não se cansarem de mim. Acho que essa é uma razão para eu sempre ter um trabalho engatado no outro.
Manter-se na televisão sempre foi seu foco?
Sempre olhei como um lugar que queria para mim. No Brasil, a única forma de falar para o país inteiro é essa. Novela é uma parte muito importante da nossa cultura porque as pessoas nem sempre têm acesso ao teatro e ao cinema. Isso torna a tevê um instrumento poderosíssimo. E com as tecnologias de hoje, a teledramaturgia talvez esteja retomando um lugar de vanguarda como experimentação estética. Os trabalhos mais interessantes agora são realizados na tevê aberta e a cabo. Nos Estados Unidos, isso é muito evidente. O mercado se fecha e só quer trabalhar com "blockbusters", como vemos aqui, com o cinema brasileiro se dedicando prioritariamente às comédias. Esse movimento tem levado os melhores fotógrafos – que tradicionalmente trabalhavam nos longas – para a televisão. Não tem mais uma minissérie da Globo que não seja fotografada por alguém de quilate, como o Walter Carvalho.
Você não fez tevê a cabo ainda. Por quê?
Eu poderia fazer, só precisaria pedir autorização para isso na Globo. Ainda mais se fosse Globosat. Quero experimentar, mas são séries feitas com orçamento apertado e que demandam dedicação intensa do elenco. Então, evitam escalar atores com contratos longos e que podem ser chamados a qualquer momento para uma novela, um especial ou algo do tipo. Se você for ver, normalmente são pessoas mais livres que atuam.
Você tem outros projetos para a tevê além de atuar?
Tanto a minha geração está chegando a um momento de busca cada vez mais intensa pela realização quanto a televisão vem abrindo espaço para esse tipo de profissional. Tenho um projeto apresentado para a Globo de minissérie em que quero participar do roteiro. E tendo a Amora na direção. É a primeira vez que estou levando uma proposta minha para a Globo sem me ver unicamente como ator.
Entrega total
Para interpretar um monge budista, Caio Blat precisou passar por uma transformação nada agradável. Ao ser escalado, foi avisado que seu cabelo seria constantemente raspado. Uma condição que não chegou a incomodar o ator. Mas ele assume que a ausência de cabelo gera certo desconforto. "É muito radical. A ideia que se tem de alguém com a cabeça totalmente 'limpa' é a de ser calvo ou paciente de quimioterapia. Porém, era importante abrir mão da vaidade, fazer esse voto de simplicidade", avalia.
Além disso, foi preciso tomar cuidados extras para não se bronzear. "Ainda mais na careca", brinca Caio, que estudou algumas orações em tibetano. Uma exigência que não foi feita diretamente pela direção, mas que entendeu ser necessária. Principalmente por já conhecer bem a diretora geral Amora Mautner, com quem trabalhou pela primeira vez quando protagonizou Um Anjo Caiu do Céu. “Ela gosta de trabalhar com improvisações. Então, do nada, me pedia: 'fala aí alguma coisa em tibetano'. Não dava para vacilar nessas horas", explica.
Por trás das câmaras
Além de investir em roteiro para a televisão, Caio também se prepara para estrear como diretor no cinema. E de um longa em que também se envolverá no texto. Trata-se de uma adaptação do romance Juliano Pavollini, do escritor catarinense Cristóvão Tezza. A história conta a vida de um garoto de seus 16 a 18 anos. O menino é criado em um bordel por uma mulher experiente, interpretada por Cássia Kiss Magro. "A intenção é filmarmos ainda este ano. Fiquei muito contente por poder contar com uma atriz como a Cássia nesse projeto, aumenta ainda mais minha empolgação", valoriza.