Pai branco, filho negro: iguais na bandidagem e no ódio
Segundo Sol expõe conflito racial familiar e o peso do dinheiro nos sentimentos
Severo (Odilon Wagner), o magnata de Segundo Sol, teve dois filhos com a empregada de sua mansão, Zefa (Claudia Di Moura). Um nasceu branco e foi criado como legítimo. O outro, negro como a mãe, foi mantido no quarto dos fundos.
Além de assumidamente corrupto, o patriarca do disfuncional clã Athayde é inegavelmente racista. A ponto de não incorporar o herdeiro de pele escura simplesmente por não se reconhecer nele. Já o filho de pele clara mereceu ser tratado como parte da família, ainda que seja tratado com ferrenho desprezo pelo pai.
Ao descobrir a verdade, Roberval (Fabrício Boliveira) promete vingança e vai embora. Aplica um golpe numa milionária carente e, muitos anos depois, volta milionário da África, sob a suspeita de enriquecimento ilícito.
Obcecado em destruir o pai que o rejeitou e o privilegiado meio-irmão branco Edgar (Caco Ciocler), o rapaz se torna uma caricatura do próprio Severo: um homem amargo, insensível, arrogante e igualmente desonesto.
O personagem foi de vítima a quase vilão. Sua dor emocional e motivação são compreensíveis, mas não justificam seus atos tortos. Vingador doentio, ele não tem a torcida da maior parte do telespectador.
O Roberval sociopata de agora não tem o carisma do Roberval obstinado da primeira fase de Segundo Sol. Somente uma redenção poderá salvá-lo de um final infeliz: a cadeia, o retorno à pobreza ou a morte.
Essa trama da novela das 21h da Globo mistura várias questões sensíveis à tradicional família brasileira. A começar pela já tantas vezes retratada relação íntima entre patrão e empregada, numa alusão aos abusos que o senhor da Casa Grande cometia contra as escravas da senzala.
Ressalta ainda a miscigenação racial brasileira. Tão elogiada e, ao mesmo tempo, fonte de conflitos intrafamiliares (o casamento inter-racial ainda é tabu) e discriminação pública. E há a concorrência entre pai e filho para ver quem tem mais dinheiro e poder, a fim de que um se sinta superior ao outro. Para isso, vale fazer negociatas e subornar.
Até hoje, Roberval e Severo tiveram poucos embates olho no olho. Neles, prevaleceu a revolta de um e a frieza do outro. Não houve ainda um acerto de contas relacionado aos sentimentos, às omissões, ao vínculo paterno-filial que jamais existiu.
Os dois se odeiam porque nunca tiveram a chance de se amar como pai e filho. São diferentes na aparência, porém quase iguais na essência e nas atitudes desastrosas.
Tomara que o autor João Emanuel Carneiro não limite os personagens à guerra de egos. Roberval e Severo podem render muito mais, dramaturgicamente, se a discussão a respeito do desamor ganhar destaque no roteiro.
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