Quando Ocidente e Oriente colidiam e se uniam para fazer música
O mundo no passado bastante restrito da música ocidental antiga se abriu a novos -bem, na verdade velhos- e exóticos panoramas nos últimos anos, ao explorar o fértil terreno do qual compartilha com os estilos de interpretação musical orientais, especialmente os do Oriente Médio. E ninguém desempenhou papel mais importante para essa exploração do que Jordi Savall, o virtuoso catalão das cordas que agora parece se sentir completamente em casa em meio ao ambiente musical muito diversificado de Jerusalém.
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O luxuoso álbum Jerusalem, de Savall, na verdade um livro da gravadora Alia Vox contendo dois CDs, serviu como base a um minifestival realizado como parte da série Great Performers no Linconln Center, com estreia no final de semana passado. Na noite de domingo, como preparação para o concerto Jerusalem que será executado na segunda-feira, Savall participou de um simpósio no Irene Diamond Education Center, parte da divisão de jazz do Lincoln Center. Lá, acompanhado por seu grupo Hesperion XXI, ele executou na Allen Room o concerto Orient-Occident: A Dialogue of Cultures, baseado em um álbum anterior também lançado pela Alia Vox.
No simpósio, Savall e seu colega espanhol Manuel Forcano atribuíram grande importância ao papel desempenhado pela Espanha na mistura de culturas que aconteceu no passado. Para os árabes, afirma Forcano, a Espanha representava o Ocidente; para boa parte da Europa, a Espanha, com a forte influência muçulmana em sua cultura, representava o Oriente.Savall expôs uma visão que, para ele, se tornou um artigo de fé. "Se usarmos a música dos séculos 10, 11 e 12 como base, estamos falando no mesmo idioma", ele afirma. Havia, evidentemente, diferenças de estilo, acrescentou, mas em termos básicos -no Oriente, ou no Ocidente antes da polifonia- o método envolvia essencialmente expor uma linha melódica e improvisar em torno dela.
A música que ele apresentou em seu concerto confirma essa visão. Se desconsideramos as inflexões microtonais de inspiração oriental, seria difícil classificar as peças apresentadas como ocidentais ou orientais. Dada a prevalência de instrumentos orientais, a exemplo do rebab, oud, kamancha, duduk e santur, os apreciador da música ocidental antiga tinham pouco de familiar a acompanhar, embora o grupo tivesse executado um dos mais conhecidos temas do gênero, Lamento di Tristano, uma das peças básicas dos álbuns de danças medievais, quando estes costumavam ser lançados com mais regularidade.
O fato de que esse terreno intermediário tem um rico repertório a oferecer fica evidente com base nos diversos números apresentados no concerto e que não foram incluídos no CD; e a riqueza nas possibilidades de interpretação também fica evidente com base na diferença entre as peças gravadas no CD e as versões apresentadas ao vivo no concerto. O desempenho dos músicos, como costuma ser o caso em todas as empreitadas de Savall, foi brilhante. Os sete instrumentistas eram todos virtuoses, e cada um deles teve amplas oportunidades de demonstrar seu domínio sobre os instrumentos, muitas vezes por meio de longos e inspirados solos.
Tipicamente, uma das alegrias dos espetáculos apresentados na Allen Room costuma ser as vista que a gigantesca janela para a rua 59 oferece, do lado de lá do palco. À noite, o desenho abstrato das luzes de veículos e edifícios, por mais que pareça contrariar a natureza da música que está sendo apresentada, em geral oferece uma oportunidade adicional de edificação, em lugar de distrair. Mas não é isso que acontece quando um comboio de veículos de emergência atravessa o Columbus Circle em alta velocidade, com luzes vermelhas piscando em padrões diferenciados, como um caleidoscópio monocromático em estado de descontrole -e foi isso que vimos na primeira meia hora do concerto de sábado.
Se essa interferência externa afetou de alguma maneira os músicos, isso não ficou evidente em seus desempenhos, caracterizados por uma mistura de intimidade comunicativa e intensa concentração.