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Por que a música brasileira faz tanto sucesso no Japão?

Cantora Mônica Salamaso, que lançou um álbum gravado no país da Olimpíada e produtores falam sobre o fenômeno, que começou com Carmen Miranda mas se consolidou nos anos 1960

1 ago 2021 - 05h10
(atualizado às 07h07)
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A cantora Mônica Salmaso guarda com carinho as palavras que ouviu de um presidente de uma associação de apreciadores de música brasileira da pequena e montanhosa cidade de Yamagata, no norte do Japão. Ela, o violonista Guinga, o flautista e saxofonista Teco Cardoso e o clarinetista Nailor Proveta haviam acabado de apresentar o primeiro dos quatro shows que fizeram pelo país em abril de 2019 e foram recebidos para um jantar. Após um discurso - e muitos presentinhos -, o líder, um médico, disse que, apesar da distância entre os países e das diferenças culturais, ele, que não falava português e tampouco compreendia as letras das canções, havia se emocionado e recordado imagens de sua infância.

Essas apresentações, que celebravam a música do carioca Guinga, deram origem ao álbum Japan Tour 2019, lançado no Japão em um sistema de financiamento coletivo. Agora, a gravadora Biscoito Fino lança o projeto aqui no Brasil, nas plataformas digitais e, futuramente, no formato físico.

A história da turnê por terras japonesa começou meses antes, quando Mônica e Guinga - parceiros antigos - foram convidados para uma apresentação no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Com a ideia de preencher a imensidão do espaço projetado por Oscar Niemeyer, os dois convidaram Cardoso e Proveta. "Juntos ou separados, eles têm algo que favorece a música do Guinga. São superimprovisadores - e a música do Guinga tem espaço para isso. Eles escrevem arranjos que dão um upgrade em tudo. São nossa miniorquestra de sopros", diz Mônica.

Acontece que, na época, uma emissora japonesa, a MHK, estava no Brasil para gravar um documentário sobre o violão contemporâneo brasileiro. Guinga, então, perguntou à Mônica se a participação dele no projeto poderia ser registrada na apresentação, o que a cantora concordou. "Era uma equipe de trinta japoneses e uma tonelada de equipamento 4K. Tudo da melhor qualidade", conta. Duas pessoas do staff, as produtoras Naoko Tamura, japonesa, e Nanci Lissa, brasileira que vive no Japão desde os 9 anos, se interessaram em levar o show do quarteto para o Japão.

Mônica já havia estado no país em 2017, a convite do saxofonista Sadao Watanabe para acompanhá-lo na turnê que ele faz atualmente pelos clubes de jazz do país. Porém, nessa segunda visita, a expectativa era sobre como as composições de Guinga seriam recebidas, sobretudo porque as apresentações não seriam realizadas em clubes de jazz, onde geralmente a música brasileira é acolhida, mas sim em teatros.

"A gente tem uma visão bem simplificada do que agrada o mercado japonês: bossa nova, samba e choro. A música do Guinga não está nessas gavetinhas. Ela tem caminhos melódicos e harmônicos muito próprios, uma assinatura", diz a cantora.

O resultado: japoneses com flores, lágrimas nos olhos e pedidos de autógrafos ao fim de cada apresentação. "Eu avisei ao Guinga que o japonês não é o latino, que grita, chama de 'lindo'. É tudo mais contido, aplausos sempre no final. Porém, no show Tóquio, fomos aplaudidos no meio da música. Em Baião de Lacan (música em parceria com Aldir Blanc), o público nos acompanhou com palmas em ritmo de baião. Era um público essencialmente japonês", conta.

Esse momento está registrado no álbum graças à astúcia do técnico de som japonês Seigen Ono, que, ao acompanhar o show no Nerime Culture Center a fim de se preparar a gravação que seria feita em estúdio dias depois - esse era o combinado - gravou a performance daquela noite. Por isso, Japan Tour 2019 traz faixas - são 12 no total - registradas ao vivo, como Contenda e Nó na Garganta, e outras em estúdio, entre elas, Passarinheira e Tangará.

"O público japonês tem atenção para receber aquilo que você mostrar de boa qualidade. O nível da escuta deles é maravilhoso. É o silêncio da concentração", diz Mônica.

Proximidade dos tempos de Carmen Miranda

O produtor japonês Jin Nakahara, responsável pelo programa Saúde! Saudade, dedicado à música latina, veiculado pela rádio J-Wave de Tóquio há quase 33 anos, atesta que a ideia de que se tem os japoneses só gostam de bossa nova não corresponde à verdade. "Um grande número de japoneses, inclusive aqueles que não ouvem música brasileira, ouvem e respeitam Antônio Carlos Jobim e João Gilberto. Acho que a música deles é muito mais importante do que o gênero musical", diz.

O programa que Nakahara produz elege a cada ano um disco brasileiro de destaque. Em 2020, o eleito foi Na Chave da Alegria, de Sérgio Mendes. O radialista, que viu seu primeiro show de música brasileira em 1979 (Elis Regina e Hermeto Paschoal no Live Under The Sky, festival de jazz em Tóquio), diz que os artistas mais populares no país neste século são Caetano Veloso e Marisa Monte. "Ambos são os mais veiculados no programa", diz.

Segundo o jornalista japonês Willie Whopper, autor de seis livros sobre música brasileira, a relação dos japoneses com cantores do Brasil começou com o 78 rotações - um formato pré LP - de Carmen Miranda que trazia o samba Alô, Alô, de 1934.

Com a bossa nova, o interesse se estreitou. A cantora Nara Leão esteve no país nos anos 1960 em turnê com Sergio Mendes. Em 1985, ela gravou um disco por lá na companhia de Roberto Menescal, músico idolatrado pelos japoneses por conta da canção O Barquinho. Em 1989, um comercial de cerveja com a voz da cantora ao fundo ficou muito popular entre os japoneses, assista abaixo:

Elizeth Cardoso e Clara Nunes também fizeram temporadas de shows no Japão. Nos anos 1990, Joyce tornou-se uma das artistas brasileiras com mais prestígio por lá.

"Os japoneses estão interessados em música de toda a parte do mundo, mas eu acho a brasileira melhor. É mais suave, tranquila", diz Whopper, que assina textos de encartes de 25 CDs de uma coleção recém-lançada pela gravadora Universal Music Japão (veja mais no fim da página) com 100 títulos que há tempos estão fora de catálogo no Brasil ou que nem sequer foram lançados nesse formato por aqui. Cada CD custa 1.100 ienes, algo em torno de R$ 50 no Brasil, preço considerado "barato" pelos colecionadores de lá.

Procurada pela reportagem do Estadão, a Universal Brasil não respondeu se há planos de disponibilizar a coleção para o público brasileiro que ainda se interessa pelo formato físico.

Outras gravadoras, como Warner e a Sony - essa última já não lança mais formato físico por aqui - lançam regularmente seus acervos por lá. A Deck também faz essa distribuição. No ano passado, chegaram em solo japonês títulos de artistas como Marcos Valle, Hélio Delmiro, João Donato, Wanda Sá e Marcelinho da Lua.

Para Nanci Lissa, a produtora que levou Mônica e Guinga ao Japão, o público de música brasileira no país não é tão grande, porém, aqueles que se tornam fãs se dedicam profundamente à obra dos artistas. "São colecionadores de discos, pesquisam todo o trabalho e têm um conhecimento incrível", diz ela, que, de 2014 a 2020 trabalhou na revista Latina, criada em 1952, primeiramente para falar de músicas mexicanas e tangos argentinos e que, aos poucos, se rendeu à música feita no Brasil com capas dedicadas a artistas como Edu Lobo, Gilberto Gil, Gal Costa, Beth Carvalho e Egberto Gismonti.

Segundo Nanci, 2019 foi especial para os cantores brasileiros no Japão, com apresentações de nomes como Hermeto Pascoal, Marisa Monte, Joyce, Zé Renato, Tom Zé, Quartabê, Yamandu Costa e Ordinarius. "Foi um ano de muita alegria", diz a produtora, que ainda cita o carnaval no bairro de Asakusa, que já dura 40 anos, e as rodas de choro.

Entre artistas brasileiros contemporâneos, Nanci, Whopper e Nakahara apontam nomes como Rubel, Dani Gurgel, André Mehmari, Vanessa Moreno, Amaro Freitas, Ana Frango Elétrico e Luísa Lacerda. "Uma nova geração está sendo descoberta por produtores e por fãs que escrevem em blogs. É incrível. Eles entram em contato diretamente com o artista por meio das redes sociais", diz Nanci.

E por que a música brasileira emociona tanto os japoneses? "É uma pergunta difícil, mas antes de tudo, penso que a música brasileira tem entrada ampla para quem gosta de rock, soul, hip hop, jazz, etc. Além disso, é rica em melodia e harmonia musical. Os japoneses também são atraídos pela sonoridade da língua portuguesa", diz Nakahara.

SÓ PARA OS JAPONESES

Os destaques entre os CDs da coleção de música brasileira lançada no Japão

Muita Zorra! (São coisas que glorificam a sensibilidade atual), Trio Mocotó

LP de 1971, lançado pela extinta gravadora Forma, nunca lançado em CD no Brasil. Entre músicas de Antônio Carlos e Jocafi e Roberto e Erasmo Carlos, há a participação de Jorge Benjor na faixa Aleluia, Aleluia.

Claudette Soares nº3, Claudette Soares

Lançado em 1970 pela cantora carioca, o álbum traz canções de Jorge Benjor, Roberto e Erasmo Carlos, Marcos Valle, Caetano Veloso e Dorival Caymmi. Por aqui, jamais foi lançado em CD. No Japão, também já fez parte de um box com a obra da artista que também nunca chegou ao Brasil.

Samba Eu Canto Assim, Elis Regina

Álbum que de fato lançou a cantora ao estrelato em 1965, com as canções Menino das Laranjas e Preciso Aprender a Ser Só, reaparece por lá com uma faixa-bônus, a música Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, o tipo de novidade que os fãs adoram.

Domingo, Menino Dominguinhos, Dominguinhos

Neste álbum, gravado em 1976, o compositor apresenta músicas que se tornaram sucessos, como Tenho Sede e Quero um Xamego, além de uma homenagem a Jorge Benjor, em O Babulina. Gilberto Gil, Wagner Tiso e a cantora Evinha participam.

Bossa Nova Mesmo

O disco coletivo da turma do banquinho e violão traz a primeira gravação de Vinicius de Moraes cantando, na faixa Pela Luz dos Olhos Teus. No álbum de 1960 ainda há artistas como Lúcio Alves e Carlos Lyra.

Braziliana, Luiz Bonfá e Maria Toledo

Compositor de clássicos como Manhã de Carnaval e Samba do Orfeu, o violonista carioca era reconhecido no mundo todo, sobretudo nos Estados Unidos, onde morou e atuou a partir do final da década de 1960. Nesse disco de 1965, ele gravou músicas como Sambura e Sugar Loaf.

Estadão
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