"Não tenho a pretensão de agradar", diz Marcelo Camelo sobre CD
- André Aloi
- Direto de São Paulo
São Paulo é a nova morada de Marcelo Camelo. Inspiração clara no recém-lançado segundo álbum solo Toque Dela - um disco que demorou um ano para ficar pronto, da composição às gravações intermitentes. O ex-vocalista do Los Hermanos afirma não ter pretensão de agradar todo mundo com a obra autoral. "Acho meio limitante fazer um disco direcionado, queria fazer uma parada aberta para um odiar, outro amar", disse ele em entrevista ao Terra.
Ouça Marcelo Camelo grátis no Sonora
Ruas, pessoas e até o açougue localizado em frente ao seu apartamento na capital paulista são os retratos do disco melancólico, que ele disse ter falhado em torná-lo popular e amável na primeira audição. Camelo nega que o título ou qualquer uma das faixas tenham a ver com a namorada, a também cantora Mallu Magalhães - com quem está desde 2008.
Carioca radicado em São Paulo, o cantor relata que a primeira vez que ouviu o CD foi em família e sua mãe chora ao escutar uma das canções. Preparado para os ensaios, sua turnê - em fase de construção do repertório - passa nos dias 28, 29 e 30 de abril pelo Sesc Pompeia. Depois, segue para o Rio de Janeiro, onde faz show no dia 7 de maio no Circo Voador.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Falar que Toque Dela é um disco de amor não é novidade. Como você o classifica?
Eu não costumo fazer isso, não. Deixo para quem tem isso como ofício. Meu objetivo é lançar um ponto de interrogação no espelho, uma coisa indefinida, um vazio qualquer.
Amor e tranquilidade são as tônicas do álbum. Foi isso mesmo que quis passar?
Não tinha muita intenção. A ideia é dar razão, dar voz sonora ao inconsciente. O objetivo é não ter objetivo. A gente monta o guarda para não deixar o objetivo entrar na casa...
O álbum começa com A Noite, passa por Ô Ô, cujas letras falam de uma visão notívaga. Ainda em Três Dias retoma o assunto, falando de insônia. Você passou muitas em claro para compor o CD?
Não, eu passo muitas noites em claro normalmente. Mas, no processo de composição, tentei fazer algo totalmente diferente do anterior (Sou, de 2008) para modificar o resultado. No outro disco, eu estava numa situação de remansa, tranquilidade. Nesse, o álbum me modificou (ainda mais), e essa situação propõe perguntas, questionamentos e situações. Vou fazendo, meio que tentando deixar a música ser o fruto dessas vivências, inconscientemente, de uma forma descontraída... fazendo com que isso possa ressoar na música.
Esse é o método. Como eu disse, no outro disco estava em uma situação de remansa, por conta da natureza das músicas, ao invés de gravar o CD por camadas - usando como guia um clique, que é uma referência de tempo - eu fiz um disco, tocando tudo ao vivo, com outras pessoas, sem referência de tempo, gravando tudo junto, inclusive a voz. Nesse, ao contrário: gravei uma coisa de cada vez... Tem uma música que toquei todos os instrumentos (Ô, Ô; Tudo o que Você Quiser e Pra te Acalmar).
Você gravou com o Marcelo Jeneci (que toca sanfona e piano), o suíço Thomas Rohrer (rabeca), o americano Rob Mazurek (corneta)... Eles dão uma sonoridade coesa ao disco. Como foi a participação de diferentes etnias no processo de criação do álbum?Nunca tinha reparado nessas diferentes nacionalidades. Tem o Jeneci, que tem um jeitão totalmente brasileiro, e eu, morando em São Paulo, já estou totalmente paulista. O Rob, que toca pra caramba no disco, com um jeito bem americano e tem um pessoal do Rio de Janeiro, que gravou o naipe (de instrumentos). O Jessé (Sadoc) é muito suburbano com cara de carioca até o final. Música é linguagem universal, é fantástico como ela atravessa a língua. Cada um tem seu sotaque, mas ela é compreensível por qualquer um em diferentes lugares. A música é uma forma de comunicação muito bonita.
Em Tudo o Que Você Quiser, você aparenta saudades do Rio. Qual o impacto que a mudança para São Paulo teve na sua vida e na sua composição?
Isso é peça-chave do processo, mudança de cidade tem um negócio muito forte na vida da pessoa. O disco é sobre meu apartamento de São Paulo, das pessoas, meus amigos, a rua, o açougue em frente de casa...
Demorou quase três anos para você lançar um novo CD. O que isso representa? Um amadurecimento... uma obra mais autoral?
Eu vou caminhando, faço uma coisa porque o momento que estou vivendo me lança perguntas existenciais. Existe um arejamento para com a vida que é constante. Qualquer momento que você esteja vivendo, há perguntas em função de determinada situação (...) Se você está namorando, tem a pergunta se é aquela a pessoa da sua vida; fico com ela, não fico; vamos viajar, não vamos... Mas tem essa fulana aqui que eu gosto também... Acho que todo mundo vive perguntas pessoais, e as minhas criam músicas. São como uma espécie de resposta para essas perguntas, elas me lançam - depois de um tempo de turnê (que são esses três anos que você me perguntou) para outro lugar. Por isso demora... eu fiz o disco, gravei, mudei de cidade, me separei, me apaixonei, namorei, casei, estou vivendo uma outra vida.
Os artistas atuais da MPB estão se voltando a uma sonoridade com toques de samba. Seu CD deixa claro que você está em outro caminho. Quais são as influências de Toque Dela?
Não saberia dizer. O outro CD foi muito influenciado pela pianista Guiomar Novaes, que eu estava apaixonado, era um disco que ouvia muito. Nesse disco, não sei te dizer... Eu tenho ouvido muito The Growlers, uma banda da Califórnia (Estados Unidos) que gosto pra caramba. Mas comecei a ouvir pouco depois de terminar de gravar o disco.
Podemos entender que Acostumar e Pretinha são declarações de amor para Mallu Magalhães?
Você pode entender o que você quiser (disse ele, em meio a risos). Eu faço as coisas de um jeito absolutamente pessoal no intuito de que a pessoa encaixe a música para si mesmo nos arquétipos, os símbolos... que a pessoa tenha sua "pretinha". Não quero que seja uma interpretação ou tentativa de tradução da minha vida pessoal. Não seria para se relacionar com minha vida pessoal, apesar das circunstâncias, mas no fundo o que desejo é que eu faça de um jeito pessoal, absolutamente, na intenção que as pessoas usem os símbolos que encontro na minha personalidade mais íntima para encaixe de suas próprias experiências. Que elas façam de determinada faixa, a sua música.
Com o perdão do trocadilho, este é o "toque dela" no álbum?
Se eu quisesse que fosse a leitura da Mallu (Magalhães) na minha vida, o nome do CD seria O Toque da Mallu na Minha Vida, mas como não quero que seja essa, quero que quem ouça tenha alguém para chamar de "seu", o nome do CD é Toque Dela. O nome vem de uma música que fiz, e acabou nem entrando no álbum. Todas as escolhas, desde a capa, tento não traduzir muito, que remetem a um negócio afetivo no final das contas. É a partir desse afeto que se dá a amarra do disco.
A capa do CD é, na verdade, um desenho do artista de Marília (interior de São Paulo) Biel Carpenter - radicado em Curitiba, no Paraná. Como você conheceu o trabalho dele e como surgiu a ideia de estampar a arte na capa do disco?
Como eu estava contando... Você vê a imagem, te toca no coração no exato lugar que a música que você está fazendo. A música é um diálogo com o inconsciente e ela melhora o seu 'input'. Faz com que o seu "receber informação" se torne mais apurado porque você consegue descrever melhor aquilo que está percebendo, faz uma associação maior de informações. Você fica mais craque em associar uma comida à banda, por exemplo. Eu conheci o trabalho dele pela internet, deixei a imagem de fundo (de tela, no computador) e, ao invés de aquilo perder significado - o que acontece com as imagens que você olha com muita frequência - aquilo foi ganhando força.
Como você configura a transição de seu último CD para este? A sonoridade tem semelhança, apesar de esse parecer mais denso, tristonho e autoral.
Eu fico tentando modificar meu método para chegar a um resultado diferente. E tentar me divertir um pouco, caminhando em um território pelo qual ainda não passei, brincar com o ineditismo. Tentar trazer para a minha arte um certo amadorismo, um certo não saber. Como se fosse o oposto da especialização. Fazer uma coisa que eu nunca fiz para me ver iniciante. É assim que eu vou caminhando. Música tem um espectro tão grande de possibilidades, que tem sempre alguma coisa que você nunca fez, que poderia se opor a um negócio que você está fazendo. O disco é sobre as pessoas à minha volta.
Quem foi a primeira pessoa a ouvir o CD?
Foi com minha família. Minha mãe, meu pai, meu irmão. Num primeiro momento, gostaram, mas acharam que não era tão feliz quanto eles imaginaram que seria. Aí, depois, voltaram atrás, concordando comigo, dizendo que eu tinha razão, ele era bem mais animado que o anterior. E, hoje em dia, já têm músicas preferidas. Minha mãe disse que chora, quando ouve Vermelho. O outro, o Sou, eu fiz para ser ouvido daqui 100 mil anos. Este eu queria que fosse um disco mais imediato porque não acredito em atual.
Vai muito mais da pessoa gostar na primeira audição, mas não acho que tenha me sucedido muito bem. Talvez não tenha ficado pop, fácil, do jeito como imaginei que seria. Acho que para cada pessoa é uma parada. Esse que é o negócio. Cada um que ouve tem uma opinião. Ele tem muitas referências. Se você comparar a Domingo, do Caetano Veloso, é um disco de Rock. Se comparar a Limp Biskit, é um disco que broxa. Não tenho a pretensão de agradar todo mundo nem que todos vejam sob mesmo aspecto. Acho meio limitante fazer um disco direcionado, queria fazer uma parada aberta para um odiar, outro amar... outro achar foda e outro bunda mole e broxa.
Como será a montagem do show e de quais canções será composto o set list?
Eu acabei de ensaiar por duas semanas com o Hurtmold, agora estou na etapa de ver o naipe (dos instrumentos) e ensaiar. Vou ter mais uns quatro ensaios (até a estreia). Já tenho uma carreira e só com o Los Hermanos foram 10 anos, e aí tem o meu primeiro disco inteiro solo, e agora tem mais esse disco. Então, é um repertório grande. Ainda não sei o que vou fazer, mas meus últimos shows foram predominantemente do meu último trabalho. Deve ser algo focado nesse disco, e vamos ver como é que fica.
Você divulgou na internet a primeira faixa do álbum, intitulada Ô Ô. Quão online e adepto da internet você é?
Eu adoro, uso pra caramba, acho o maior barato... O Twitter, por exemplo, uso como peça de divulgação e sempre tem os dois lados: consumidor e propositor de informação. Como consumidor, eu ouço muita música no YouTube, acesso blogs, sites oficiais e secundários, terciários... passo muito tempo consumindo informação diversificada nesses veículos. E, como propositor, tento me adequar à realidade do mercado, das coisas, para fazer o melhor possível.
Você, Rodrigo Amarantes, Rodrigo Barba e Bruno Medina anunciaram a separação em 2007, mas de lá para cá tocaram em alguns lugares. Há algo concreto sobre uma possível volta do Los Hermanos?
Já tem um tempinho que me reuni com eles, foi no casamento do Bruno. Mas não há nada em vista. Não tenho vontade (de voltar) não. Aquele repertório, com aquelas músicas, neste momento da minha vida, não tenho. O pessoal está em outra, cuidando das suas vidas, assim como eu, e para voltar para tocar aquele repertório, não acho que exista vontade. Não nesse momento, e depois não sei também. Eu nunca sei nada...