"Monstros" do jazz e do blues vencem a chuva em Rio das Ostras
- Peter Fussy
- Direto de Rio das Ostras
Feriado prolongado com muita chuva e frio pode significar frustração para algumas pessoas, mas em uma cidade da região dos lagos no Rio de Janeiro grandes jazzistas e blueseiros venceram as intempéries e moveram cerca de 80 mil pessoas nos últimos quatro dias para as apresentações ao ar livre do 10º Rio das Ostras Jazz & Blues. Sob uma chuva intermitente, o público fiel assistiu performances memoráveis de artistas como Mike Stern, Celso Blues Boy, Roy Rogers, Kenny Barron, David Sanborn e Armand Sabal-Lecco.
Durante os cinco dias de festival, a cidade praiana viu novas utilidades para guarda-sóis e cadeiras de praia, que passaram a proteger da água e descansar as pernas em um dos quatro palcos espalhados por Rio das Ostras. Nos estilos mais variados, capas e guarda-chuvas deram um colorido aos dias cinzas incomuns na região. Mesmo os mais despreparados para o clima ruim não se importavam em se molhar, comprovando que música boa e gratuita atrai todos os públicos: famílias, hippies, motoqueiros, hispters, músicos e até turistas estrangeiros.
Nas ruas e próximo aos palcos, até era possível ouvir algum Eu quero tchu, eu quero tcha ou Ai, se eu te pego saindo de um alto falante de carro, mas por incrível que pareça a verdadeira atração do feriado em Rio das Ostras foi a música instrumental. A escalação deste ano, pincelada pelo idealizador e produtor Stenio Mattos, mesclou artistas que marcaram as edições anteriores do festival, que completa uma década, e novidades para um público já identificado com os estilos musicais nascidos nos Estados Unidos.
Shows
A conexão entre público e música já ficou clara no primeiro dia, quarta-feira (6), com a apresentação do brasileiro Celso Blues Boy, considerado o maior expoente brasileiro do ritmo. Aos 56 anos, o guitarrista tem no corpo as marcas do estilo de vida rock¿n roll, e como recompensa o carinho dos fãs que cantaram seus maiores sucessos. Além dos artistas, o festival também impressiona pelos palcos ao ar livre. Em um camping na praia de Costazul, o maior dos palcos recebeu a abertura e as principais atrações noturnas.
Na praia da Tartaruga, a estrutura fica no final de uma península rochosa e abrigou os artistas no fim do dia. A dupla de guitarristas Mike Stern e Romero Lubambo abriu as atividades na tarde da quinta-feira (7), com o barulho das ondas agregado às cordas dos seus instrumentos. O americano mostrou sua virtuose no free jazz, e o brasileiro, que vive há muitos anos nos EUA, duelou com ele nos solos. As surpresas ficaram por conta de um baião bem brasileiro, que exigiu um pouco mais de Stern - talvez o momento mais interessante da apresentação -, e também por conta da água do mar que escalava as pedras molhando os pés dos ouvintes mais compenetrados.
Próximo à lagoa de Iriry, o palco "das 14h" recebeu bom público na sexta-feira (8) para o veterano Roy Rogers & The Delta Rhythm Kings. Maestro na técnica do "slide", o americano de 61 anos guarda boas lembranças da apresentação de 2007 no mesmo festival e empolgou também neste ano, mesmo sob uma chuva insistente. A performance enérgica só acabou depois de dois "bis" e com plateia pedindo mais. O local também contou com apresentações de Celso Blues Boy, Michael Hill Blues Mob e Duke Robillard.
Enquanto ganhava em espaço, o Costazul perdia em intimidade e outras distrações, como restaurantes locais servindo de caldos e temakis a moqueca de peixe e acarajé. Para esquentar a noite, o público preferiu o vinho em vez do bourbon, mas também não faltaram a cerveja e "sacolés" de vodka. Ainda era possível levar de casa sua própria garrafa e copos, de vidro mesmo ou plástico, e tudo sem medo de brigas que marcam eventos deste porte em capitais. Cadeiras espalhadas perto do palco eram tomadas rapidamente, antes mesmo do início das apresentações.
Entre os destaques, ficou o pianista americano Kenny Barron, que mostrou toda sua competência interpretando standards do jazz - talento que já lhe rendeu nove indicações ao Grammy. Mas o baterista Jonathan Baker roubou parte da cena com solos sensíveis e empolgantes. O show do gaitista brasileiro Maurício Einhorn, de 80 anos, teve uma bela seleção de músicas, mas foi prejudicado pela forte chuva, assim como outros espetáculos do palco Tartaruga que tiveram de ser cancelados.
A cada dia a esperança de um tempo aberto era renovada, mas não houve trégua. Ainda assim, as despedidas não chegavam antes das 3h, como foi com o blues agitado de Michael Hill Blues Mob, com a dançante Big Time Orchestra, de Curitiba, e com o camaronês Armand Sabal Lecco, que teve uma de suas apresentações transferidas para o final da noite de sábado. Aliás, o baixista foi uma das boas surpresas entre as novidades do festival, que mostrou também alguns novos talentos do cenário nacional como o mineiro Fabiano de Castro e Artur Menezes.
Ainda na infância (a cidade foi emancipada apenas em 1992), Rio das Ostras se orgulha de ter um evento de jazz e blues já em sua maturidade. Parte disso é proporcionado pelos royalties do petróleo explorado pela Petrobras na região. De acordo com o prefeito, o investimento neste ano chegou a R$ 1 milhão, pouco perto do que o evento faz girar na economia - em 2011 foram R$ 6 milhões, segundo cálculo do Sebrae. De qualquer modo, parece que a cidade encontrou sua vocação para se diferenciar das cidades turísticas tradicionais da região, como Cabo Frio e Búzios, e promete seguir nesse caminho.
*O Terra viajou a convite do Rio das Ostras Jazz & Blues.
