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Homenagens do 30º ano sem Cazuza poderão ajudar instituição de Lucinha Araújo

Mãe do cantor comanda a Fundação Viva Cazuza desde que perdeu o seu filho

16 jan 2020 - 19h11
(atualizado às 19h23)
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"Desde o dia em que o meu filho morreu, um pedaço de mim foi junto com ele. Eu não tinha escolha", revela Lucinha Araújo, mãe de Agenor de Miranda Araújo Neto, mais conhecido como Cazuza. Iniciando as homenagens do 30º ano sem o astro do rock, vítima de complicações decorrentes da aids em 1990, ela ressalta que o cantor permanece vivo em sua memória e "mais atual do que nunca no universo da música".

"Para mim, todo ano é igual. A minha vontade era de morrer junto com ele. Eu perdi o meu único filho no auge da beleza, juventude e sucesso, foi uma coisa muito dura, não só para mim, mas muito pior para ele. Eu estou aqui 30 anos depois", conta Lucinha, em entrevista ao Estado.

Além das músicas que frequentemente são tocadas nas rádios e se torna uma das formas mais fáceis de relembrar a carreira de Cazuza, a mãe do cantor comanda a Viva Cazuza desde que perdeu o seu filho. A sociedade, que dá assistência a crianças carentes portadoras do vírus da aids, localizada no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, depende dos direitos autorais do compositor brasileiro para sobreviver.

"Fundar a Viva Cazuza foi um alento para mim porque eu descobri que nada ia trazer o meu filho de volta, mas, a sociedade, de um modo, trouxe ele de volta. Foi uma âncora. Aqui eu ganho mais do que eu dou. Sei que estou fazendo a coisa certa porque era tudo o que ele queria que eu fizesse. Nunca toquei nesse assunto com ele, mas eu tenho certeza de que ele queria. Mãe sente", conta.

As homenagens aos 30 anos da morte de Cazuza poderão ajudar a aumentar o caixa da instituição. A expectativa é realizar projetos que possam arrecadar dinheiro para suprir os gastos do próximo ano e ainda restar verba para 2021. Além do tradicional leilão beneficente, Lucinha garante que tem grandes projetos. "Teremos comemorações o ano inteiro", afirma. Serão acertados shows, um festival no município de Vassouras, e será divulgada a gravação do projeto "Cazuza em bossa nova", que reúne clássicos do cantor em ritmo de bossa nova com Roberto Menescal, Leila Pinheiro e o ex-baixista do Barão Vermelho, Rodrigo Santos.

Atualmente a Viva Cazuza recebe cerca de 20 crianças, que vivem em regime de internato no local. "Hoje em dia o juizado só deixa ter no máximo 20 crianças. Eu tenho estrutura para receber mais, porém sou proibida, então eu apenas obedeço", conta Lucinha. Aos 83 anos, ela diz que "não tem mais idade para ficar batendo boca". "Eu já fiz muito isso e já passei dessa fase. Não sei nem como eu nunca fui presa. Mas hoje em dia não, eles ordenam e eu obedeço. No dia que eu não quiser obedecer eu fecho as portas", avisa.

Para manter a sociedade funcionando, Lucinha leva em conta um orçamento de mais de um milhão de reais por ano. Para se ter uma ideia do entrave financeiro, os direitos autorais de Cazuza devem fechar o ano de 2019 com a arrecadação de R$ 400 mil. "O primeiro desafio é sempre o financeiro. Eu não tenho nada do governo. Aqui eu uso o meu dinheiro e o dinheiro dos direitos autorais do Cazuza. Sobre doações avulsas, se eu tiver de três pessoas mensalmente é muito, contando todos esses anos", explica.

Uma das suas maiores batalhas, além das questões financeiras, é o licenciamento exclusivo para os direitos relacionados a marca, nome, imagem e dados biográficos do cantor Cazuza. "Está tudo registrado. Hoje temos lutas na internet. Por exemplo, eu vendo camisetas e você entra na internet e tem milhares de camisetas do Cazuza sendo vendidas sem pagar direito autoral. Tem shows sendo feitos até nos Estados Unidos sem me dar um tostão. Eu já coloquei até advogado nessas questões, mas ele falou que era melhor eu esquecer e disse que fica até antipático para mim, porque eles consideram uma homenagem para o meu filho. Mas também sabem que eu vivo dos direitos autorais dele, então eles tinham de dar uma porcentagem", explica.

Além das crianças, a sociedade também atende 200 adultos uma vez por semana no "programa de adesão ao tratamento". Esse projeto tem como objetivo auxiliar a população de baixa renda a usar os remédios disponibilizados gratuitamente em postos de saúde. "O Brasil é um dos únicos países do mundo a distribuir medicamentos para a aids gratuitamente e o que acontecia muito era a distribuição de remédios caríssimos para a população de rua ou baixa renda e eles não sabiam usar. Aqui, eu criei um programa onde a pessoa vem, prova que está se tratando em um posto de saúde, e a gente ensina a tomar. Para quem não sabe ler, nós colorimos as cartelas. Eu só não atendo mais pessoas porque não dá, mas a procura é muito grande. Temos também apoio psicológico e doação de cesta básica para quem participa", afirma Lucinha.

Ela, que já foi intitulada "mãe coragem", também aprendeu a se virar para comandar o projeto. "Eu negocio, faço contrato e com o tempo fui aprendendo a lidar com tudo isso. Também estudo muito antes de aceitar um pedido. Eu sou muito coração, mas tenho pessoas ao meu lado que são mais calmas. Algumas trabalham comigo ao longo desses 30 anos. Quando o João (Araújo, marido de Lucinha) era vivo, tudo ficava mais fácil. Ele já nasceu nesse meio e sabia lidar com tudo. Era sempre o meu conselheiro. Apesar de ter a Som Livre, quando eu tinha alguma dúvida era ele quem resolvia. Também tinha outro ponto: ele era mais positivo do que eu. Eu já fico pensando no pior e ele não fazia questão de agradar ninguém", lembra.

João Araújo morreu em 2013, vítima de uma parada cardíaca, aos 78 anos. Um dos fundadores da gravadora Som Livre, ele esteve à frente dela durante 38 anos. Por sua atuação durante esse período, tornou-se um dos executivos mais importantes da indústria fonográfica do País. "Eu nunca vou esquecer do João. O pior foram os anos subsequentes depois que o Cazuza morreu. Sem mencionar que o meu filho foi uma pessoa que morreu, mas está sempre presente na minha vida", diz Lucinha.

Para conseguir lidar a organização do seu projeto, a mãe do cantor, que mantém proximidade com todas as crianças da Viva Cazuza, conta que marca presença no local todos os dias. "Se eu não fizesse isso, não funcionaria para mim. Não gosto de nada que o dono não esteja de olho. A minha relação com as crianças é maravilhosa. É como se eu tivesse muitos filhos, como se fosse uma grande casa. Procuro sempre o sorriso do meu filho no sorriso de uma criança, esse é um lema que desde o dia em que eu abri a casa levei muito a sério".

Estadão
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