Carly Rae Jepsen chega ao Brasil e conta como 'explorou limites do pop' após hit 'Call me maybe'
Canadense faz shows no Rio e em São Paulo, onde se apresenta no festival Primavera Sound. 'Eu tinha uma ideia limitada do que uma música pop deveria ser', ela diz ao Estadão sobre megahit de 2011
Faz mais de uma década que Carly Rae Jepsen, hoje com 38 anos, conquistou sucesso meteórico com Call Me Maybe, número 1 em mais de 20 países, feito raro para uma artista iniciante. Com produção pop chiclete, refrão contagiante e videoclipe divertido no qual aparece flertando com seu vizinho gay, a canadense viralizou quando o termo nem era tão utilizado, e marcou 2012 com uma das músicas mais tocadas naquele ano.
Foi seu auge comercial, mas, segundo a própria artista, não o ápice criativo: "Acho que com o Kiss [álbum de Call Me Maybe] eu tinha uma ideia limitada do que uma música pop deveria ser. Chegava ao ápice muito rápido e não podia ser muito complicada, então era muito sobre as borboletas (no estômago), os novos começos de um amor e o fim, mas não muito sobre o que estava no meio disso", avalia.
Carly Rae Jepsen falou ao Estadão minutos após desembarcar no Rio de Janeiro, onde faz um show nesta sexta-feira, 1º. Depois, ela se apresenta no festival Primavera Sound, em São Paulo, no domingo, 3. Ela se diz ansiosa para a estreia no Brasil.
"Consigo me lembrar de quando estava no meio da pandemia de covid e ficava apenas sonhando em pegar um avião e estar junto (do público). É o que me inspirou a estar aqui", conta. Assim como o restante do mundo, Carly Rae Jepsen sofreu com o peso do isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus, algo que mais tarde catalisou no seu 6º disco, "The Loneliest Time" ("O tempo mais solitário"), lançado no final de 2022 e seguido menos de um ano depois pelo álbum "The Loveliest Time" ("O tempo mais amável").
Nos anos e trabalhos seguintes a Call Me Maybe, de 2011, Carly não conseguiu replicar o mesmo nível de sucesso comercial alcançado em Kiss, seu álbum de estreia no mercado internacional. Mas ela também está longe de ser uma "one hit wonder" (artista de uma música só) ou "a garota de Call Me Maybe".
Compositora prolífica, ela é autora ou coautora de tudo o que gravou até hoje. Nos seis discos seguintes, conquistou o respeito da crítica e uma base de fãs dedicados, pela forma como suas obras descrevem as diversas fases, formas e nuances do amor, um tema tão constante e dissecado na sua produção que lhe rendeu uma certa fama de "intensa" nas redes sociais e entre seus admiradores.
"Com o Emotion (2015), eu estava de fato determinada a achar os assuntos que estavam na 'área cinza', havia um pouco menos de 'preto e branco'. Eu realmente gostei de brincar com isso", ela descreve.
O álbum não vendeu tanto quanto seu antecessor nem rendeu uma música no topo das paradas, mas ao mesmo tempo teve uma boa recepção da crítica e figurou entre os 10 melhores álbuns daquele ano nas listas de publicações como TIME, Newsweek e Rolling Stone.
Com sonoridade inspirada no pop da década de 1980, a produção do trabalho mesclou saxofones e sintetizadores enquanto alternava baladas vulneráveis com hinos dançantes sobre essas muitas nuances do amor. Pelo contraste entre os desempenhos comercial e crítico, Emotion sustenta hoje um status de "clássico cult" do pop, enquanto alguns críticos consideram que o disco foi uma das principais influências para a produção do gênero nos anos que se seguiram.
Para Carly, entretanto, o trabalho significa uma ruptura na forma com que ela passou a encarar sua arte:
O repertório dos shows de Carly nas edições argentina e chilena do Primavera Sound é apoiado principalmente nas músicas de seus dois últimos discos, que funcionam de forma quase complementar e mantêm uma certa tradição da artista: lançar um segundo álbum formado pelas músicas que ficaram de fora do primeiro, como lados A e B do mesmo trabalho.
Esses projetos "casados" são possíveis pela forma como a artista conduz seu processo criativo, chegando a criar mais de 200 composições para um único disco.
"Acho que por isso que eu escrevo tanto, mais do que deveria. Eu gosto demais do processo e acredito que a magia está em não pensar demais", diz. Para a canadense, uma boa música pop deve só "dizer algo que venha do coração". "Não acho que seja possível escrever sobre uma experiência que você nunca sentiu antes. Mas eu também meio que amo quando a imaginação toma conta."
Talvez por se permitir um nível alto de sinceridade, vulnerabilidade e imaginação, Carly tenha criado uma conexão forte e singular com seus fãs, que aproveitam a sua personalidade reservada fora dos palcos para criar memes, correntes e teorias mirabolantes com base nos mínimos detalhes das suas músicas.
Seja pela emoção do saxofone que abre Run Away With Me, a onda de comentários "rainha de tudo" em suas fotos ou o movimento coletivo de presenteá-la com espadas (uma referência a "Cut To The Feeling"), público e artista têm mantido uma troca duradoura e que se renova a cada lançamento (as montagens sobre a euforia eletrônica do refrão de "Psychedelic Switch" são o capítulo mais recente dessa história).
a chegada de carly rae jepsen vai parar o brasil nessa semana. vai receber projeção no cristo redentor. no rio tietê. na praça dos três poderes. o sax de run away with me vai ecoar e deixar os crentes passados.
arrebatamento? não. É A CARLY!!!!!! pic.twitter.com/FsUHOyQAM4
— vitty (@vittyetc) November 26, 2023
Um meme especial entre os fãs brasileiros é a ideia de que a música Store, cujo refrão é apenas a frase "Eu só estou indo à loja" repetida à exaustão, seria a versão pessoal de Carly para a anedota antiga do pai que foi comprar cigarros na esquina e nunca mais voltou. Ao Estadão, ela confirma a teoria e conta o significado real por baixo da piada.
"Ai, minha nossa! Para mim, (a música) é essa ideia de que, enquanto sociedade, nós nem sempre sabemos como sair de situações constrangedoras. Como quando alguém pode sentir alguma coisa por você e você não sabe como rejeitar esses sentimentos de uma forma educada", explica, confirmando que se inspirou na história popular de homens que saíam para comprar cigarro e nunca mais voltavam. "Achei que seria engraçado acrescentar um pouco de comédia. É apenas a ideia de que você foi à loja mas, na verdade, você foi embora e terminou a relação enquanto escondia como realmente se sente."
"O que na verdade é meio que um caminho covarde e eu não recomendaria", ri depois. "Mas é divertido."