O adeus amargo de Gilberto Braga: autor de 'Vale Tudo' morreu ressentido com a Globo
Apesar do legado consagrado na teledramaturgia brasileira, escritor deixou este mundo frustrado por não conseguir emplacar novos projetos e por ter sua última novela rejeitada pela emissora onde brilhou
Gilberto Braga, nome de peso na história das novelas brasileiras, faleceu no dia 26 de outubro de 2021, aos 75 anos. Ele estava internado no Hospital Copa Star, no Rio de Janeiro, e morreu em decorrência de uma infecção sistêmica gerada por uma perfuração no esôfago. Sua partida não apenas deixou uma lacuna na dramaturgia nacional, mas também revelou uma faceta pouco conhecida de seus últimos anos: a frustração e a tristeza diante da rejeição por parte da TV Globo, emissora com a qual construiu quase toda sua carreira.
Ao longo de décadas, Braga firmou-se como um dos autores mais respeitados da teledramaturgia, assinando obras marcantes como Dancin' Days (1978), Água Viva (1980), Corpo a Corpo (1984) e, claro, a icônica Vale Tudo (1988), escrita em colaboração com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Essa última, inclusive, se consolidou como um clássico absoluto da televisão, símbolo de crítica social e sucesso de audiência, com personagens memoráveis como a vilã Odete Roitman, eternizada por Beatriz Segall.
Contudo, nem mesmo um currículo recheado de sucessos o livrou do desgaste emocional causado pelos anos finais de sua trajetória profissional. O fracasso de Babilônia, exibida em 2015, foi um divisor de águas. A novela, que dividiu opiniões e teve baixa repercussão junto ao público, marcou negativamente o autor. Segundo pessoas próximas, o insucesso da trama impactou profundamente sua autoestima criativa.
João Ximenes Braga, também roteirista e colaborador de Gilberto, revelou em entrevista um depoimento emocionado e revelador do autor:
"Não ouso dizer que antecipasse sua morte, mas naquele dia me disse... que não queria encerrar sua carreira com um fracasso e queria voltar a trabalhar logo para recuperar seu prestígio. […] Mas superar esse fracasso era importante para ele."
Mesmo abalado, Gilberto não deixou de produzir. Nos anos seguintes, ele apresentou à Globo três projetos distintos, com a esperança de retomar sua posição de destaque no horário nobre. O primeiro era uma minissérie sobre a vida da cantora Elis Regina, cuja proposta, embora rica em potencial, acabou não sendo aprovada. O segundo era uma adaptação moderna da novela Brilhante (1981), pensada para a faixa das 23h. E o terceiro, Feira das Vaidades, era inspirado no romance inglês Vanity Fair, de William Makepeace Thackeray. Nenhum deles recebeu sinal verde.
Com a saúde cada vez mais frágil e os ânimos abalados, Braga foi se recolhendo. A rejeição por parte da emissora que havia sido sua casa por tanto tempo, foi um duro golpe. Ele sentia que ainda tinha muito a oferecer à televisão brasileira, mas não teve a chance de se redimir de Babilônia, que ele próprio considerava um ponto fora da curva em sua trajetória.
A mágoa, segundo fontes próximas, não era apenas por vaidade ou orgulho, mas por amor à profissão e ao desejo genuíno de continuar criando. Ele se ressentia por não ter recebido uma nova oportunidade de mostrar seu talento, em um ambiente que ele conhecia como poucos.
Após sua morte, a Globo autorizou um remake de Vale Tudo, exibido em 2025, como uma forma de celebrar seu legado. Apesar da homenagem, a produção não foi capaz de apagar o sentimento de frustração que o autor levou consigo. Seu último desejo — encerrar sua carreira com uma obra relevante, reconhecida — nunca se concretizou.
Gilberto Braga foi um mestre da crítica social, da ironia refinada e do olhar atento sobre o Brasil. Deixou uma obra extensa, influente e necessária. Mas, infelizmente, partiu sem o reconhecimento final que tanto buscava.
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