No remake de 'Karate Kid', socos e beijos chegam mais cedo
De cara, ele se apaixona justamente pela garota por quem o vilão está interessado. E aí nosso protagonista passa metade do filme levando pancadas, cotoveladas e pernadas profissionais e a outra metade treinando para vingar todos os seus hematomas em grande estilo. Tudo isso para que, de quebra (literalmente), ele possa terminar ao lado da gatinha lá do começo desse parágrafo. A premissa seria mais um clássico no estilo filme de ação com temas românticos não fosse o sujeito central desse roteiro uma criança de 12 anos de idade.
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Mas se você acha perfeitamente coerente que um pequeno menino com cara de bebê leve porradas nada infantis e simultaneamente se apaixone por uma adolescente quatro anos mais velha do que ele, então ok, você vai achar o remake de Karate Kid divertido e, quem sabe, profético. Afinal de contas, deve ser um sinal dos tempos ver que a adolescência dos primeiros beijos de boca e socos na cara chega cada vez mais cedo ao pátio do colégio.
Tendo isto dito, o novo Daniel San se chama agora Xiao Dre e aquele que a geração dos anos 1980 conhecia como o imbatível e sábio Senhor Miyagi responde em 2010 pelo nome de Jackie Chan, ou melhor, Senhor Han, um mestre do kung fu disfarçado de zelador rabugento. Dre, o protagonista magrinho, bonitinho e guti-guti do filme, é interpretado pelo ator Jaden Smith, herdeiro direto do paizão e todo-poderoso ator Will Smith. Bob Pai instruiu Bob Filho a começar a projetar sua carreira como um conquistador sarado e eis que vemos em vários momentos do filme o pequeno Jaden exibindo o seu ínfimo muque e provando que, sim, ele tem talento nato para conquistar corações depois de alguns elaborados golpes de kung fu. Bob Pai deve estar super orgulhoso.
Aliás, em se falando em kung fu, é bom pontuar aos desavisados que a nova versão de Karate Kid não tem nada de caratê. O kung fu é o novo pretinho básico das artes marciais e, portanto, o filme ganhou essa necessária atualização. Discutir aqui sobre os motivos por que o título do filme original se manteve é discutir sobre estratégias de marketing da indústria de cinema mas, para um filme sobre artes marciais, você não vai nem para beber, nem para conversar: a ideia é mesmo ver todo mundo articulando coreografias incríveis que você finge saber repetir na frente do espelho. E nesse tópico, o novo Karate Kid faz a tarefa de casa bem feito.
A trama começa em Detroit e logo parte para Pequim. A mensagem é clara: do sucateamento econômico americano pulamos direto para a China do capitalismo que, até agora, deu certo. A mãe de Dre, uma entusiasta das pequenas alegrias da vida, tem seu trabalho transferida para a cidade chinesa e logo seu filho, órfão de pai, percebe que a adaptação àquela terra de festa estranha e gente esquisita não vai ser fácil. Seus maiores inimigos: a língua e o kung fu. Não necessariamente nessa ordem.
Perseguido por meninos mais velhos e mais altos que ele, Dre é logo encurralado quando tenta soltar sua lábia para cima da mocinha da trama, uma virtuosa adolescente que toca violino, fala inglês fluente e, de alguma maneira estranha, se interessa romanticamente por aquele pequeno conquistador.
E aí entra em cena a figura paterna de Jackie Chan, ops, do Senhor Han, o zelador do humilde conjunto residencial para onde Dre e sua mãe foram morar. Apresentado no filme em uma clássica referência ao Senhor Miyagi - quem esquece aquele velhinho matando moscas com hashis? -, Han termina se tornando o guia espiritual de Dre, treinando o rapaz para se defender e participar de um tal campeonato de kung fu que vai decidir o futuro de sua vida social na China. E quando achamos que está tudo mais ou menos resolvido com os dilemas de pai e filho, o filme joga uma construção de personagem interessante para Jackie Chan. O ator que geralmente é poupado de cenas mais dramáticas aqui ganha seu momento solo de "os brutos também choram". Roteiro ousado, cena nem tanto.
Naturalmente, assim como no Karate Kid original de Daniel San, o espectador sabe para onde o filme se encaminha. O interessante aqui é notar não apenas que a idade permitida para a violência corporal diminuiu, como ver que Jaden Smith é o novo mascote de Hollywood. Cheio de carinhas bonitinhas e com um carisma próprio, ele parece ter um futuro dourado no cinema.
E voltando ao tópico da propaganda enganosa do título que bem poderia ser Kung Fu Kid, o nome desse remake nos deixa a pensar sobre as reais intenções de resgatar uma franquia que, na época do Senhor Miyagi, tentava fazer com que os Estados Unidos dialogassem com um Oriente japonês determinado em vencer a partir de disciplina e da paciência.
Agora, o novo Karate Kid espelha a crise econômica americana na prosperidade de uma China que, para vencer, pretende usar golpes altos e baixos. Temos a sensação de que é preciso, mais uma vez, lembrar que a America, seja na figura de adolescente bobinho de Ralph Macchio ou no rosto de menino de pelúcia de Jaden Smith, pode ganhar qualquer luta no tatame inimigo. Faltou apenas a trilha de fundo: "I am a man who will fight for your honor..."