'Marighella' mostra 'humano' por trás do guerrilheiro
Após dois anos de impedimentos e em meio a polêmicas sobre censura, o filme ‘Marighella’, dirigido por Wagner Moura, ganha as salas de cinema do Brasil a partir desta quinta-feira, 4. O lançamento oficial do longa aconteceu em 2019, no Festival de Cinema de Berlim, mas a primeira exibição no Brasil foi realizada na última sexta-feira (29), na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
“Foi muito angustiante que o filme não estreava. E todo o sucesso, os prêmios, era tudo muito bom, mas nada disso fazia sentido até que chegasse esse momento de entregar o filme aqui no Brasil”, disse Wagner Moura, em coletiva de imprensa realizada durante a Mostra. Inspirada na biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães, a produção é um recorte dos últimos cinco anos de vida de Marighella, quando passou de um militante comunista ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) a um guerrilheiro armado, sendo um dos principais líderes do movimento contra a ditadura militar brasileira. Após prisões e torturas, Marighella foi morto em uma emboscada orquestrada pelo regime em 1969.
Apesar de mostrar um período histórico importante na história do Brasil, com a censura à imprensa, o clima de terror, os desaparecimentos, prisões e torturas, o longa traz um olhar mais íntimo sobre esses guerrilheiros que pegaram em armas pela volta da democracia. Conhecemos um outro lado de Marighella, o homem por trás da figura pública, com momentos de seriedade mas também de bom humor.
A interpretação, inclusive, rendeu a Seu Jorge os prêmios de melhor ator no Bari International Film Festival e no International Film Festival of India. “A minha vontade era devolver ao imaginário popular brasileiro a figura desse cara que teve a sua vida silenciada. Sempre fui fascinado pela história das revoltas populares e me sentia muito perturbado sobre como essas histórias eram contadas”, comentou Wagner Moura.
Previsto para ser lançado em 2019, o filme passou por uma série de revezes que atrasaram a estreia no Brasil. Em comunicado, a produtora O2 Filmes explicou que a cinebiografia "não conseguiu cumprir a tempo todos os trâmites exigidos pela Ancine", mas o diretor Wagner Moura acredita que o filme não estreou devido a uma censura do governo federal. “Eu tenho falado bastante sobre a censura. Eu não tenho a menor dúvida de que o filme foi censurado. Os pedidos negados pela Ancine, feitos pela O2, foram negados em um momento em que Bolsonaro falava abertamente sobre filtragem na Ancine, ‘Ou vai ter filtragem na Ancine, ou vai ter que acabar’”.
Seu Jorge não foi a primeira opção de Moura para dar vida a Marighella. Inicialmente, Mano Brown havia sido cotado para o papel, mas deixou o projeto logo no início. Na época da escolha do elenco, o diretor não imaginava as críticas racistas que a escolha de Seu Jorge trariam ao filme, já que Marighella era um homem negro de pele clara. “Essa discussão não passava pela minha cabeça na época. Eu precisava de um ator negro. Marighela era um homem negro”.
Para Seu Jorge, a participação no longa trouxe uma nova oportunidade de reconexão com o Brasil, após um período morando no exterior dedicado a sua carreira internacional. “Ele [Moura] percebeu que àquela altura eu estava mais conectado com o mundo. E para fazer esse personagem, para viver essa pessoa eu precisava me conectar com o Brasil e automaticamente me conectar com as causas do Brasil, que são as minhas causas e sempre foram e que em determinado momento deixaram de ser apreciadas”, explicou o músico e ator.
‘Marighella’ também resgata a importante participação dos freis dominicanos na luta contra a ditadura no Brasil, episódio nem sempre mencionado pela história oficial, tampouco nas diferentes teologias do catolicismo. Durante a coletiva, ao ser questionado sobre o papel das igrejas evangélicas na ascensão de políticos e discursos anti-democráticos no País, o pastor e ator Henrique Vieira ressaltou que é preciso cuidado ao abordar o tema.
“A igreja evangélica tem setores que têm um projeto de poder anti-laico, anti-democrático, que ajuda a violentar terreiros, pais e mães de santo. Esse projeto de poder é perigosíssimo e tem que ser denunciado. Mas nós não podemos generalizar a experiência evangélica no Brasil. O campo evangélico é plural, é popular, é periferico, é favelado, é feminino, é negro. Eu não quero entregar esse campo ao monopólio do discurso dos conservadores”, concluiu.