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Lendas inglesas: Sir Ridley e aquele tal Robin

11 mai 2010 - 07h24
(atualizado às 10h52)
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David Carr

Ridley Scott já teve dias melhores. Tudo bem que ele estava no hotel Four Seasons de Beverly Hills, algumas semanas atrás, cercado por pessoal do estúdio que se agitava para garantir o arranjo perfeito das bandejas de frutas. Mas o cineasta estava a ponto de ser atacado por uma multidão de repórteres, ansiosos para perguntar como Robin Hood, seu mais recente filme, se compara a Gladiador (é parecido, mas também não é), e se ele e Russell Crowe haviam brigado no estúdio (na verdade não brigaram, mas a colaboração deles é caracterizada por muita franqueza.)

Mas antes que o ritual começasse, Scott, nascido na Inglaterra, decidiu que se aqueceria fazendo... mais numa entrevista. Eu tinha uma entrevista marcada com ele em seu escritório em Los Angeles, um dia antes, mas o cineasta passou a noite em claro, sofrendo com um problema físico: as sequelas de uma cirurgia para consertar um problema na articulação do joelho. "Eles dizem que a recuperação é rápida. Mas isso é pura, ahn, bobagem", diz Scott, abrindo caminho até um sofá e cuidadosamente repousando a perna operada sobre uma mesinha.

Naquele momento, o cineasta de 72 anos aparentava a idade e a experiência como diretor de 20 longas, entre os quais Alien, o Oitavo Passageiro, Blade Runner, o Caçador de Andróides, Falcão Negro em Perigo e O Gângster. Mas uma pergunta simples sobre a proveniência de Robin Hood bastou para fazê-lo levantar e caminhar pela sala, usando uma bengala, como só um comandante de exército poderia fazer ao planejar sua nova campanha.

"Sem perceber, desenvolvemos uma história que gira em torno da formação de Robin Hood, do início da lenda e de como ela surgiu, em oposição ao que as pessoas já sabem", explica.

Com um romance entre grandes estrelas de Hollywood - Russell Crowe (Robin) e Cate Blanchett (Lady Marion) - e cenários medievais deslumbrantes que foram construídos, saqueados e incendiados ao longo de muitos meses, Robin Hood, que estreia nesta sexta-feira (14), é um espetáculo que segue a tradição de Scott. Há muitos combates, muitos duelos e, caso isso não baste, um pouco de Crowe sem camisa, revelando seu torso musculoso.

Scott costuma receber tanto elogios quanto críticas por seu estilo. Ele é um cineasta que gosta de trabalhar com os gêneros tradicionais, criando uma estética muitas vezes vista como mais influente do que os seus filmes - o look steampunk de filmes como Alien e Blade Runner é imitado até hoje na decoração de muitos hotéis de luxo.

Comparado frequentemente ao produtor Jerry Bruckheimer e o diretor Michael Bay como criador de entretenimento em larga escala e um tanto chocho, ele, no entanto, prefere temas mais substanciais. Os mundos distópicos de Blade Runner e Chuva Negra servem para lembrar que a ambição humana cria danos colaterais mortíferos, enquanto Gladiador e Falcão Negro em Perigo ilustram os limites e percalços do imperialismo. Até mesmo The Good Wife, a série de TV da rede CBS (exibida no Brasil às segundas, às 22h, no Universal Channel) estrelada por Julianna Margulies e produzida pela Scott Free, a empresa que ele controla com o irmão - o também cineasta Tony Scott -, traz como traço central a corrupção que muitas vezes acompanha o poder.

Artista da telona

"Há um lado pictórico visceral naquilo que ele faz", diz David Bordwell, professor de estudos de cinema na Universidade de Wisconsin. "Sim, ele é um diretor de entretenimento e para as multidões, mas produz filmes de gênero com certo peso, pintados em uma tela maior e de modo que os faz se destacar com mais substância. Sua carreira é longa, e suas imagens da civilização moderna são tão importantes para nossa concepção da vida moderna quanto as de, digamos, Metrópolis (1927), de Fritz Lang."

Robin Hood, como Gladiador, permite que Scott use suas técnicas visuais e de som modernas para fazer com que os combates do passado pareçam muito ameaçadores. E ele brinca com o arquétipo hollywoodiano personificado ao longo das décadas por Douglas Fairbanks, Errol Flynn, Sean Connery e Kevin Costner ao fazer de seu Robin Hood a história sobre as origens da lenda e não sobre a lenda.

O filme de Scott explica como Robin Longstride, um arqueiro comum que servia Ricardo Coração de Leão, então rei da Inglaterra, se tornou Robin Hood. Transportado a um mosteiro francês ainda menino, o rumo de Robin muda quando o rei Ricardo sofre ferimentos fatais e Robin decide partir para a costa francesa com um bando de alegres companheiros, e, de lá, chegar à Inglaterra.

Eles terminam testemunhando uma emboscada e Robin é encarregado por um moribundo de devolver uma espada a Nottingham, orgulhosa aldeia no passado, mas, agora, forçada a uma existência precária, sob tributação opressiva. Lá ele conhece e entra em choque com Marion Loxley (Blanchett), a viúva do dono da espada. Com um empurrão de Walter (Max von Sydow), pai do cavaleiro morto, Marion e Robin se apaixonam e lutam, tanto a favor quanto contra o país que amam, agora liderado pelo narcisista e fútil rei João. Nessa versão de Robin Hood, Robin é um súdito leal, se bem que indeciso, e o arqueiro descobre aos poucos que o destino o colocou exatamente onde deveria estar.

Scott explicou o argumento de seu filme enquanto se acomodava melhor no sofá. Mas uma menção ao gosto cinematográfico de Hollywood o levou a levantar de novo, exclamando, com gestos intensos: "Um chefe de estúdio me disse que fazia filmes que nem gostava de assistir", ele afirmou. "Para mim, isso é inteiramente deprimente e foi o que lhe disse. Só quero fazer filmes que eu deseje ver!"

Talento nem sempre compreendido

Recentemente, porém, suas escolhas nem sempre foram aprovadas pelos espectadores. Dos seus cinco últimos filmes, apenas um, O Gângster, arrecadou mais de US$ 100 milhões na bilheteria norte-americana; outros, como Rede de Mentiras e Um Bom Ano, fracassaram - acumularam, respectivamente, cerca de US$ 39 milhões e US$ 7,5 milhões nos EUA.

Embora o sucesso comercial nem sempre esteja garantido, a reação dos críticos vem sendo muito mais constante: alguns deles costumam formar fila para repetir que aquela grande embalagem muitas vezes parece meio vazia.

"Em um filme de Ridley Scott, a construção da trama é tão mais interessante do que os resultados que ele por fim apresenta", diz David Edelstein, crítico de cinema da revista New York, que ainda não viu Robin Hood e disse ter admirado muito o trabalho do diretor em Falcão Negro em Perigo. "Ele é excelente para criar uma atmosfera de antecipação, mas acho que ela nem sempre apresenta resultados."

Ao longo de sua carreira, Scott vem resistindo às críticas como se fosse imune, em parte porque trabalha com suprema confiança em todas as partes de seu ofício. Ele já foi diretor de arte, criador de cenários e operador de câmera. Dirigiu centenas de comerciais antes do lançamento de Os Duelistas, seu primeiro longa britânico, em 1977, e de Alien, O Oitavo Passageiro, seu primeiro trabalho em Hollywood, dois anos mais tarde, que resultou não só em uma série de filmes mas em uma reconsideração do gênero ficção científica.

No entanto, segundo atores que trabalharam com Scott, ele escolhe alguns profissionais no set para ser amigo, mas ignora os demais. Sigourney Weaver diz que ele dedicava mais atenção aos cenários e objetos de cena do que aos atores, em Alien, O Oitavo Passageiro. Mas Crowe ainda assim trabalha constantemente com Scott. Robin Hood é sua quinta colaboração -antes, haviam feito O Gângster, Rede de Mentiras, Um Bom Ano e, é claro, Gladiador.

"Ele é o chefe"

"Ele chega preparado", revela Crowe em entrevista por telefone. "Sabe exatamente quantos cavalos ele tem, quantas cabeças decepadas estão disponíveis no departamento de adereços, quantas câmeras são necessárias para uma tomada. Ele é o chefe e, por ter esse comando da infraestrutura, consegue criar mundos inteiros."

Crowe diz que Scott é, na verdade, uma pessoa tímida, que gosta de dedicar tempo à pintura, o que surpreende um pouco, mas um guerreiro no estúdio, o que não é surpresa.

"Nós estávamos na praia de Fresh Water, na Inglaterra, filmando uma grande cena de desembarque do exército francês e a maré estava subindo", ele diz. "Nos posicionávamos e nos reposicionávamos a todo momento e havia, sei lá, 14 barcaças e 500 extras na pele de soldados franceses. Um dos barcos flutuava repetidamente para um lado do enquadramento que não deveria flutuar, porque deveria estar fora da imagem. Ridley entrou na água e empurrou a barcaça de 15 toneladas com as duas mãos, apesar do joelho bambo, para tentar tirá-la do quadro. Quando ficou claro que ele não venceria a batalha sem ajuda, olhou para a praia e para as centenas de extras e perguntou: 'Vocês estão esperando o quê? Eu já mostrei liderança'."

Família que trabalha unida...

Scott está sempre em movimento e faz muito mais que dirigir, trabalhando como produtor em diversos projetos de cinema e televisão. A Scott Free, que opera em Londres e Los Angeles, conta com diversos membros da família Scott: o irmão Tony está em pós-produção com Unstoppable, estrelado por Chris Pine e Denzel Washington, e os filhos Jake (diretor de Welcome to the Rileys, com James Gandolfini e Kristen Stewart) e Jordan (que dirigiu Cracks, com Eva Green) são diretores de outros projetos.

A empresa também está produzindo Cyrus, filme dirigido por Mark e Jay Duplass sobre um homem apaixonado que está em guerra com o filho de sua namorada. Além de The Good Wife, a empresa também produz Numb3rs, que está em sua sexta temporada na CBS, e bancou a minissérie The Pillars of the Earth, baseada em um best-seller de Ken Follett.

Para Scott, Robin Hood oferecia a chance de uma vez mais retratar a vida de um soldado. E a sujeira, lama e confusão do novo filme o tornam tão assustador quanto o mundo de Gladiador, que valeu ao cineasta o Oscar de Melhor Filme e, a Crowe, o de Melhor Ator.

O diretor afirma que a força corruptora do poder é um tema persistente em seus filmes porque é assim que a História transcorre. "Em certo sentido, o que vemos é Robin começando a compreender a corrupção que o cerca, quer se trate do rei João, da Inglaterra, ou do rei Felipe, da França", diz. "E assistir ao modo como isso dá forma a Robin Hood é ver o início da lenda."

Depois de concluirmos nosso trabalho, Scott se levanta e caminha pelo corredor, se preparando para novas perguntas.

veneza 2007, Ridley Scott, pose, boneco (interna)
veneza 2007, Ridley Scott, pose, boneco (interna)
Foto: AP
The New York Times
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