"'Garapa' muda a maneira com que o público vê a fome", diz Padilha
Principal estrela do cinema brasileiro na oitava edição do Festival Internacional de Cinema de Tribeca, em Nova York, José Padilha, diretor de Tropa de Elite, premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim do ano passado, trouxe para Manhattan seu mais recente documentário.
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Em Garapa, ele acompanha o dia-a-dia de três famílias que enfrentam a fome no nordeste brasileiro. O filme, que será apresentado para o público amanhã no Festival, impressionou a platéia na exibição para convidados e imprensa.
A reportagem do Terra conversou com o diretor de Ônibus 174 na Rua 13 da Big Apple, sobre os problemas sociais do Brasil, o distanciamento que nova-iorquinos, paulistanos, cariocas e qualquer morador dos grandes centros urbanos brasileiros têm com a fome e seus novos projetos. Garapa estréia nos cinemas brasileiros ainda este mês.
Como foi a reação do público às sessões de Garapa aqui em NY?
Muito semelhante a Berlim. Um silêncio muito grande, muitas pessoas balançadas. Os caras estão vendo uma realidade que é dramática para aquelas três famílias, mas também são informados que aquela é a realidade de uma em cada sete pessoas no planeta. E se perguntam: por que não estamos resolvendo isso?
Você acredita que o filme faça os americanos redimensionarem o drama que vivem neste momento, com uma crise financeira ainda de proporções desconhecidas?
Não. Garapa nada mais é do que um filme em que eu acompanho três famílias que vivem numa situação de insegurança alimentar grave, para usar a classificação da ONU. E o objetivo é mostrar o dia-a-dia destas famílias enquanto o público entende o que é enfrentar a fome. Não de uma maneira intelectual - é só entrar na internet e ver os números - mas como um encontro pessoal. Você não vai aprender sobre a fome do anônimo, como na estatística. Você vai ser apresentado a personagens reais de um filme, vai gostar deles e vai sentir o que significa ver alguém que você 'conhece' não ter o que comer. E isso muda tudo. Garapa muda a maneira com que o público vê a fome.
Imagino que a reação do público não seja muito diferente à de NY em grandes centros como Rio e São Paulo...
Hoje em dia é possível separar as populações entre pessoas que estão integradas na economia global e as que estão à margem. Não há convivência entre o primeiro grupo e as pessoas com insuficiência alimentar grave. Embora os números sejam chocantes, essa gente não tem amigos ou parentes que passam fome.
Você já tinha tido contato direto com a fome antes de Garapa?
Não. Li, pesquisei e estudei muito o assunto. Mas nada me preparou para conviver com a fome diariamente. E esta, creio, é a realidade do público também. E isso explica por que ainda existe a fome. Se entendêssemos o quão terrível é a situação destas pessoas, já teríamos feitos um esforço imenso para resolver o problema da fome no planeta.