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'Tempo de Guerra' expõe horror com realismo e em tempo real: 'Estão tratando o público como criança'

Ao 'Estadão', diretores Alex Garland e Ray Mendoza se unem ao elenco para discutir como retratar uma história real de guerra sem heróis e idealismo

15 abr 2025 - 12h22
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Não há escapatória para o conflito armado no novo filme de Alex Garland. Recém-saído de Guerra Civil, o diretor que ficou conhecido por longas que flertam com a ficção científica, como Ex Machina e Aniquilação, apresenta aqui a sua obra mais realista até agora. Não apenas porque Tempo de Guerra, que chega aos cinemas brasileiros em 17 de abril, é inspirado na experiência real do codiretor Ray Mendoza na Guerra do Iraque, mas porque a dupla escolhe deliberadamente traçar caminhos desconfortáveis para contar a história.

O filme reconstrói, passo a passo e em tempo real, uma missão do pelotão de SEALs, a força especial da Marinha dos Estados Unidos, em vigilância na cidade de Ramadi, no Iraque, em 2006. O objetivo era garantir uma passagem segura para as forças terrestres no dia seguinte, mas o grupo, que invade e ocupa uma casa de uma família comum para executar a missão, é atacado com granadas e fica completamente isolado. Durante quase 90 minutos, acompanhamos esse pelotão tentando sair do local para cuidar dos feridos.

Garland e Mendoza contam essa história sem cortes de tempo ou tramas paralelas, e removem da narrativa os artifícios tradicionais de filmes bélicos. Não há a trilha sonora que embala a jornada do herói, não há a montagem que poupa o espectador dos momentos em que aquelas pessoas são atingidas e gritam de dor. No lugar disso, há planos longos e uma câmera que faz questão de não perder de vista o terror nos olhos dos seus personagens.

"Acho que o público consegue sentir o cheiro da verdade da mesma forma que sente o cheiro da mentira. Normalmente, em filmes, os momentos são basicamente inventados. Eles podem até ser influenciados por algo real, mas são inventados. O processo é diferente porque [com Tempo de Guerra] foi uma pesquisa", conta Alex Garland em entrevista ao Estadão.

"Muito do que fizemos era simplesmente nós dois trabalhando juntos, Ray contando sobre suas experiências, entrevistando outras pessoas e absorvendo as deles. Mas em determinado ponto, você está em um set de filmagens, há operadores de câmera e microfone, diretores de arte, atores com dúvidas. Aí é como em qualquer outro set. A diferença é que este tinha níveis diferentes de seriedade e eletricidade."

O nível elevado de seriedade vem porque Tempo de Guerra retrata o que o próprio Garland descreve como "o pior dia da vida de Ray e seus colegas". Mendoza idealizou o projeto como uma homenagem ao amigo Elliot Miller, veterano que também fazia parte do pelotão e, em virtude dos ferimentos, não se lembra de nada do que aconteceu no dia. Para chegar o mais próximo possível da realidade, ele construiu uma espécie de colcha de retalhos: Ray uniu suas próprias memórias às dos colegas que conseguiu entrevistar para entender o que cada um se lembrava do dia. O roteiro foi escrito a partir disso.

"Muito do trabalho pesado em relação às emoções aconteceu quando estávamos fazendo a transição para a vida civil", admite Mendoza, que serviu como SEAL durante 17 anos. "Mas algumas partes ainda precisavam ser discutidas, e o filme é isso. Elliot não se lembra do que aconteceu, e ele sempre teve esse desejo e muitas perguntas. Fazer o filme era a peça que faltava. Caminhamos pelo set e era a primeira vez dele vendo muitas dessas coisas. Rimos, choramos, tivemos uma experiência terapêutica que foi um bom encerramento de ciclo para os envolvidos."

Desde aquele momento, ambos já sabiam como queriam fazer o longa. "Sempre foi concebido desta forma. Ray já havia pensado em fazer talvez um média-metragem ou um híbrido entre documentário e ficção. Mas este filme, conosco trabalhando juntos, sempre foi pensado como uma representação fiel em tempo real", conta Garland.

Mendoza completa: "Depois de aprender sobre produção cinematográfica, narrativa e as habilidades da arte de fazer cinema, acho que cheguei em um ponto onde eu estava pessoal e emocionalmente pronto para contar essa história. Quando saí do exército, houve muita terapia e recuperação, e também uma compreensão do que eu tinha vivido por 17 anos."

Imersão e treinamento real

A preparação do elenco, tão realista quanto toda a concepção da obra, incluiu a equipe de jovens atores passando por um treinamento de combatentes, uma experiência que durou cerca de três semanas em um campo que prepara os soldados para situações de risco e imprevistos. No processo, o grupo que conta com Joseph Quinn, Will Poulter e Noah Centineo se aproximou e aprendeu um pouco de tudo, de como manusear armamento de forma segura à importância de fazer um bom trabalho em equipe.

"Ray montou uma estrutura na qual precisávamos confiar uns nos outros. Como qualquer um, temos forças e fraquezas, e sabíamos que essas características viriam à tona durante o treinamento. Então, através das nossas fraquezas, nós aprendemos a confiar na força do outro. Conscientemente ou não, ele ajudou a criar em nós uma irmandade e uma proximidade muito fortes", explica D'Pharaoh Woon-A-Tai, que interpreta o próprio Ray no filme.

"Todos os desafios foram positivos porque exigiam de nós mais responsabilidade e legitimaram de certa forma o que estávamos fazendo ali", complementa Cosmo Jarvis, intérprete de Elliot.

Orgulhosos do treinamento e da experiência coletiva, os atores rasparam as cabeças um do outro durante a preparação e até saíram das filmagens com uma tatuagem em comum: todos eles marcaram no corpo a frase "Call on Me", em referência a um momento específico do longa; na primeira cena, os soldados estão reunidos em frente a uma TV assistindo ao videoclipe da música homônima de Erik Prydz, um ritual que também acontecia com os soldados na vida real.

"Acho que todos nós aprendemos um pouco de disciplina e uma ética de trabalho que não é muito comum em sets de filmagens", reflete Kit Connor. "Não quer dizer que não fôssemos disciplinados e éticos antes, mas acho que o treinamento nos levou a outro patamar. Fiz um outro trabalho depois do filme e sinto que consegui aplicar isso de algumas maneiras, e realmente me beneficiei disso. Espero levar o que aprendi para a minha vida."

Como falar sobre guerra em um mundo dividido?

Ciente do teor sensível e potencialmente polarizador do longa em um mundo já tomado por guerras, Garland prefere confiar no público para concluir sozinho o que o filme quer dizer sobre os horrores dos conflitos armados. Embora coloque o público no meio do horror vivido por aquele grupo de soldados americanos, a câmera se comporta como uma mera observadora dos acontecimentos.

Ao ser perguntado se o público está pronto para um filme com esta abordagem, o diretor é categórico: "Nem todos". "Muitas vezes, os filmes estão tratando o público como criança, como se as pessoas não tivessem experiências de vida, opiniões e capacidade própria de opinar. Na verdade, não tratamos nem crianças assim."

'Tempo de Guerra' é o primeiro filme distribuído diretamente pela A24 no Brasil
'Tempo de Guerra' é o primeiro filme distribuído diretamente pela A24 no Brasil
Foto: A24 Brasil/Divulgação / Estadão

Tempo de Guerra elabora essa provocação com delicadeza, embora às vezes até demais. O filme contrapõe o trauma dos soldados com a situação que eles mesmos deixam para trás, ao invadirem casas de famílias comuns e deixarem civis inocentes expostos a atos de violência. Fica a cargo do público elaborar o que isso significa.

"Tem algo estranho e paternalista nisso [em infantilizar o público], e eu considero problemático", continua a refletir o diretor. "Quando cada informação colocada no mundo tem um objetivo claro, então toda informação já está dividida com base no fato de você já concordar ou discordar. De forma ampla, isso vai cada vez mais ao longo de alguma linha política."

Já para os atores, não há nada controverso nas conclusões que o filme deixa sobre o que significa estar no meio de um guerra: "O filme me deu um entendimento melhor do que significa ver um conflito de perto, mas não mudou o que eu penso sobre isso", relata Connor.

"Acho que o filme confirmou algumas das minhas crenças, porque conflito é algo que muitas pessoas conhecem de perto, algumas mais do que outras. Para a maioria de nós, é mais um conceito do qual estamos cientes, e sobre o qual se assume o pior. Então, ouvir em primeira mão os relatos de pessoas que estiveram lá foi algo que abriu a minha cabeça", compartilha Jarvis.

Mas Garland não parece querer respostas fáceis. "Se você olhar ao redor do mundo e ver os tipos de problemas que o mundo tem, que na verdade incluem a guerra, a polarização pode ser catastrófica. No seu extremo menos catastrófico, a polarização é apenas extremamente irritante. Mas no seu extremo mais catastrófico, leva as pessoas à morte. Então, não iríamos participar desse jogo."

Estadão
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