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'Suçuarana': Road movie inspirado em Henry James questiona trabalho precarizado; leia entrevistas

Diretores Clarissa Campolina e Sérgio Borges comandam filme livremente inspirado em 'A Fera na Selva'

16 set 2025 - 17h11
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Chegou aos cinemas na última quinta-feira, 11, Suçuarana, novo filme dos diretores Clarissa Campolina e Sérgio Borges que provoca reflexões profundas sobre pertencimento, coletividade e os rumos da sociedade brasileira contemporânea. O longa, que conquistou cinco prêmios Candango no Festival de Brasília - incluindo Melhor Atriz para Sinara Teles e Melhor Ator para Carlos Francisco -, nasceu de uma inspiração inusitada: o clássico A Fera na Selva, de Henry James.

Cena do filme 'Suçuarana', uma adaptação livre da obra 'A Fera na Selva'
Cena do filme 'Suçuarana', uma adaptação livre da obra 'A Fera na Selva'
Foto: Embaúba Filmes/Divulgação / Estadão

"Há mais de dez anos, a Clarissa leu A Fera na Selva e me convidou para ler também", relembra Sérgio Borges em entrevista ao Estadão. O que começou como uma possível adaptação de época logo se transformou em algo muito mais ambicioso: uma "transcriação" que mantinha a alma do livro original, mas a transportava para a realidade brasileira contemporânea. "A gente logo viu que queria aproveitar algo que gostava do livro - essa narrativa que fala muito, mas não revela totalmente todas as coisas", explica o diretor.

A protagonista Dora, interpretada por Sinara Teles, é uma mulher solitária que vive na estrada há anos, sem pouso fixo. Seu único apego é uma fotografia da mãe em um lugar idílico chamado Vale do Suçuarana, que se torna o motor de sua busca incessante. Ao longo da jornada, ela encontra outros personagens igualmente desenraizados, como Ernesto (Carlos Francisco) e o cão Encrenca - que, segundo os diretores, funciona como um espelho dos sentimentos da protagonista.

A crítica social por meio da paisagem devastada

Para além da jornada individual, Suçuarana se revela uma reflexão aguçada sobre a precarização do trabalho e a crise do coletivo na sociedade brasileira. "O trabalho é o lugar social onde antes a gente se organizava coletivamente, e hoje em dia há uma individualização do trabalho para termos menos força enquanto trabalhadores", observa Clarissa. A diretora estabelece uma conexão poética e política entre a imagem de crianças trabalhando na Revolução Industrial e a realidade atual. "Hoje em dia, a criança trabalhando no feed do celular", exemplifica.

A escolha das locações em Minas Gerais não foi casual. Os diretores mapearam cidades que vivenciaram os ciclos econômicos do estado - do ouro ao extrativismo, das fábricas aos fechamentos industriais. "A gente conheceu fábricas que foram abertas em Minas e absorveram mão de obra que antes estava na mineração", conta Borges. Essa pesquisa resultou em cenários que funcionam como personagens do filme, materializando visualmente o estado de ruína e abandono que permeia a narrativa.

A paisagem árida e devastada não é apenas pano de fundo, mas elemento dramático essencial. "A gente materializa o desejo dela numa paisagem, numa foto. O drama dela está no corpo, no caminhar, no cansaço, na fome", explica Campolina. Diferentemente do livro de Henry James, que é introspectivo e psicológico, o filme opta por uma abordagem mais tátil e material, onde as questões psicológicas se manifestam através do físico e do concreto.

Do individual ao coletivo: uma protagonista em movimento

Dora é uma personagem complexa que recusa muitos dos lugares tradicionalmente atribuídos às mulheres na sociedade. "Ela recusa enquanto mulher muitos lugares que a sociedade coloca: casa, cuidado, estabilidade, vaidade", aponta Campolina. Essa recusa se manifesta desde a cena de abertura, onde ela trabalha enquanto o cachorro tenta brincar, estabelecendo imediatamente quem é essa mulher que escolheu o movimento como forma de existência.

O processo de desenvolvimento do roteiro contou com dois anos de trabalho através de um núcleo criativo do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), permitindo aos diretores aprofundar tanto o entendimento da obra de Henry James quanto as questões contemporâneas que queriam abordar. "A gente teve essa oportunidade de entrar mesmo no filme, entender o contexto da época, entender o Henry James, e entender o que a gente queria dizer", resume Campolina.

Cachorro Encrenca é um dos corações de 'Suçuarana'
Cachorro Encrenca é um dos corações de 'Suçuarana'
Foto: Embaúba Filmes/Divulgação / Estadão

Suçuarana é, fundamentalmente, um filme sobre a necessidade de encontrar novas formas de viver que considerem o coletivo. Através de uma narrativa errante, conduzida por uma mulher que faz do caminho sua forma de existência, o longa convida o espectador a repensar não apenas o presente, mas também reconhecer o fracasso de um modelo econômico predatório que deixa rastros de devastação por onde passa.

Estadão
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