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Anthony Hopkins revê infância infeliz e luta contra o álcool em autobiografia soturna

Ator celebrado pelo trabalho em filmes como 'O Silêncio dos Inocentes' e 'Meu Pai', lança 'Até Que Deu Tudo Certo', livro no qual aborda os perigos do vício, relembra momentos cruciais da carreira e diz que provavelmente sofre da Síndrome de Asperger

19 nov 2025 - 12h12
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Autobiografias de atores consagrados em Hollywood viraram uma tendência do mercado editorial, especialmente no período pós-pandemia. Os livros best-sellers de Matthew Perry, Matthew McConaughey, Al Pacino, Viola Davis e Charlie Sheen são prova desse fenômeno. Agora, quem decide compartilhar suas memórias é Anthony Hopkins, de 87 anos, um dos maiores nomes da história da atuação.

Em Até Que Deu Tudo Certo (Ed. Sextante), Hopkins olha para a própria vida de maneira sombria, autodepreciativa e irônica. Ele direciona parte considerável da narrativa à sua infância infeliz. Nascido e criado numa inexpressiva cidade do País de Gales, em meio à 2ª Guerra e à crise econômica, o pequeno Tony, filho do padeiro local, era visto como um menino "meio lento" e "inepto", cuja cabeça enorme era alvo de gozações. Aluno ruim em escolas rigorosas, foi chamado pelo pai de "caso perdido".

Anthony Hopkins imprime as mãos em argila para cerimônia em Hollywood
Anthony Hopkins imprime as mãos em argila para cerimônia em Hollywood
Foto: Jan-Erik Blondell/Divulgação / Estadão

Tony, um pinguço briguento

Os rumos mudaram quando ele assistiu ao filme Hamlet (1948) e se conectou de maneira "sobrenatural" com a interpretação de Laurence Olivier, lenda do ramo que anos depois seria seu mentor no círculo teatral de Londres. Encantou-se por William Shakespeare e, ao ser capaz de decorar monólogos inteiros das obras do dramaturgo, provou que não era um garoto tão burro como muitos imaginavam.

É espantosa a maneira como o veterano relembra detalhes de sua juventude, reproduzindo diálogos familiares como se estivesse tecendo um romance. O livro ganha contornos soturnos quando o alcoolismo passa a tomar conta da vida dele. Por causa do vício, ele lamenta ter perdido o "frenesi dos anos 60" e ter se tornado uma espécie de "pinguço briguento", tal como outros heróis do teatro britânico, como Richard Burton, Peter O'Toole e Richard Harris.

"Toda notícia, boa ou ruim, era uma desculpa para beber. Quando me sentia sozinho, a única maneira de derrubar as barricadas entre mim e os outros e começar a experimentar alguma conexão com o mundo era a bebida (...) A diversão oferecida pela bebida é um escorpião - sua picada é letal", escreve o ator.

Anthony Hopkins, em 1961, já lutava contra o vício em álcool
Anthony Hopkins, em 1961, já lutava contra o vício em álcool
Foto: Divulgação/Ed. Sextante / Estadão

O alcoolismo e a depressão arruinaram seu primeiro casamento, com Petronella Barker, filha de estrelas da Rádio BBC. O clima entre o casal era tão repulsivo que o ator revela ter considerado suicídio durante aquela época. "Eu não sabia ser bom", resume, em uma das passagens mais pesadas do livro. Eles tiveram uma filha, Abigail, de quem Hopkins se mantém afastado até hoje - aspecto que ele define como o "maior arrependimento de sua vida".

Após estrelar a minissérie QB VII (1974) e começar a vislumbrar uma carreira nos EUA, Hopkins trocou o uísque pela tequila e o problema continuou. A embriaguez o tornava um homem arrogante, egoísta e cruel que magoava as pessoas ao seu redor. Ele abandonaria o hábito de vez em 1975, depois de ser internado e compreender que o alcoolismo era, de fato, uma doença séria a ser tratada. Ateu desde sempre, assim como o pai, descobriu a fé em Deus subitamente.

De personalidade introspectiva e arredia, ele não se enquadrava nos moldes de Hollywood e sofria ao se imaginar em festas chiques ou ser fotografado. Logo que pisou na Califórnia, rejeitou adotar o caminho mais óbvio para tentar o estrelato e, ao ignorar conselhos dos americanos, decidiu bancar o "durão", ser "astuto como uma serpente" e esperar uma oportunidade - ela veio pelas mãos de David Lynch, que o convidou para participar de O Homem Elefante (1980).

Anthony Hopkins interpretou o serial killer Hannibal Lecter em 'O Silêncio dos Inocentes'
Anthony Hopkins interpretou o serial killer Hannibal Lecter em 'O Silêncio dos Inocentes'
Foto: Divulgação/20th Century Fox / Estadão

Um psicopata simpático: 'Todos temos o diabo em nós'

A sobriedade mudou a vida de Anthony e sua carreira nas telonas decolou. Ele nunca se afastou definitivamente dos palcos, mas achava aquela rotina um pouco entediante. "Comparado ao teatro, o cinema é fácil", afirma, antes de dedicar um longo capítulo ao papel que o tornaria conhecido globalmente: o psicopata canibal Hannibal Lecter, vilão de O Silêncio dos Inocentes (1991), filme de Jonathan Demme adaptado do livro homônimo de Thomas Harris.

A oferta para fazer o longa-metragem veio em um momento inesperado. Hopkins não acreditava que poderia estrelar um filmão hollywoodiano. Ele acabara de participar de um thriller "sem importância" chamado Horas de Desespero (1990), no qual quase chegou às vias de fato com Mickey Rourke, quando recebeu o script por meio de seu agente. Ao ler as primeiras quinze páginas, percebeu que ali havia um personagem extraordinário.

Ele então se encontrou com Demme em Londres e lhe disse que interpretaria Lecter como uma máquina sem emoções, tendo em mente o computador HAL, do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Outro aspecto determinante foi concebê-lo não de forma monstruosa, mas envolto de simpatia penetrante e assustadora. "Todos temos o diabo em nós. Sei o que assusta as pessoas", diz.

Durante a preparação, Hopkins revela não ter conseguido terminar de ler um livro sobre Ted Bundy por ser "terrível demais". Deixou-o de lado para ler um a respeito de Stalin, cuja filha disse não existir ninguém mais solitário que o pai. Outra inspiração para fazer Lecter foi o emblemático Drácula de Bela Lugosi.

Anthony Hopkins em 'Dois Papas', na pele do Papa Bento XVI
Anthony Hopkins em 'Dois Papas', na pele do Papa Bento XVI
Foto: Netflix/Divulgação / Estadão

O trabalho célebre rendeu a ele um Oscar de Melhor Ator, prêmio que voltaria a receber quase trinta anos depois por Meu Pai (2020), drama emocionante onde encarna um idoso que luta contra a demência.

Nas últimas três décadas, sua trajetória prolífera pela sétima arte lhe proporcionou dar vida a homens complexos como o Papa Bento XVI, em Dois Papas (2019), o presidente americano Richard Nixon em Nixon (1995), o pintor Pablo Picasso em Os Amores de Picasso (1996) e o psicanalista Sigmund Freud em A Última Sessão de Freud (2023), entre tantos outros.

Hopkins passa rapidamente por estes projetos transmitindo sabedoria serena e sinceridade bem humorada. Mesmo tendo se conectado com milhões de espectadores mundo afora, em vários momentos ele admite sua incapacidade de formar vínculos com as pessoas. A atual mulher dele, Stella Arroyave, acredita que o ator sofra da Síndrome de Asperger, parte do diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista.

"Provavelmente ela [Stella] está certa, dada minha tendência à memorização e à repetição e a minha falta de emotividade. Mas, assim como qualquer homem estoico das Ilhas Britânicas, tenho alergia a jargão terapêutico. Ainda que o mundo prefira que eu aceite o rótulo de Síndrome de Asperger, escolhi me ater àquela que considero uma designação mais significativa: antipático", analisa.

Perfeito reflexo de seu autor, Até Que Deu Tudo Certo termina de maneira profunda. Satisfeito e aliviado por registrar tudo no papel, Hopkins é franco ao falar sobre a morte e dizer que está se preparando para descobrir o "Grande Segredo".

Capa do livro 'Até Que Deu Tudo Certo', de Anthony Hopkins
Capa do livro 'Até Que Deu Tudo Certo', de Anthony Hopkins
Foto: Divulgação/Ed. Sextante / Estadão

Até Que Deu Tudo Certo

  • Autor: Anthony Hopkins
  • Tradução: Rogerio Galindo
  • Editora: Sextante (404 págs.; R$ 62 e R$ 40 o e-book)
Estadão
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