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Charada? Sim. Enigma? Certamente. Documentário?

14 abr 2010 - 16h38
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Será que no mundo da arte existe um equivalente da história de Pedro e o lobo? Se existe, Banksy certamente já a viveu muitas vezes.Banksy, um artista de rua britânico, construiu sua reputação com base em ousadias como inserir peças suas entre as obras de mestres da arte nos museus, zombando de um mercado no qual mesmo assim seus trabalhos são vendidos por preços milionários. Mas seu mais recente projeto, o documentário Exit Through the Gift Shop saída pela loja de presentes, é um esforço para convencer os espectadores de que ele está sendo sério.

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O filme, que estreia na sexta-feira em Nova York e na Califórnia, acompanha Thierry Guetta, um amistoso francês que mora em Los Angeles e grava tudo em vídeo - ou assim somos informados. Quando Guetta e sua câmera enfim chegam ao mundo da arte de rua - ao qual ele foi apresentado pelo primo, o artista de rua parisiense Street Invader - as imagens entusiásticas que ele grava se combinam ao desejo do artista de ver documentado um trabalho em geral efêmero. Ele registra os líderes do segmento, como Shepard Fairey e Swoon, trabalhando em telhados e becos, sob a proteção da noite.

O tema parece natural para um documentário. Mas as imagens ininterruptas de Guetta na verdade não são assistidas (ele tem caixas e mais caixas de fitas sem identificação) e, anos mais tarde, quando ele decide montá-las, o resultado é impossível de assistir. "Talvez ele fosse simplesmente um sujeito com problemas mentais e uma câmera", diz Banksy no filme. Por isso, Banksy decidiu tomar controle do material - ou assim nos diz o documentário. Privado de sua câmera e estimulado por Banksy, Guetta se torna artista de rua, inventando um alter ego chamado Mr. Brainwash e realizando uma exposição que o torna sensação instantânea em Los Angeles. Tudo isso é capturado em Exit Through the Gift Shop.

O filme causou sensação no festival Sundance deste ano, especialmente depois que as obras de Banksy (que incluem imagens grafitadas de um câmera filmando uma flor) começaram a surgir em paredes de lojas em Park City, Utah, a sede do festival. No Festival de cinema de Berlim, em fevereiro, ele convocou uma entrevista coletiva mas a cancelou no último minuto e substituiu por um vídeo no qual aparece nas sombras, com o rosto protegido por um capuz e disfarçando a voz, como acontece no documentário, para alegar que tudo que afirma é verdade.

O fato é que Banksy e Guetta são ambos narradores nada confiáveis. A fofoca imediata era que Guetta não existia, que estava conspirando com Banksy ou que era Banksy. Nem mesmo os conhecedores desse meio estão certos de qual seja a verdade.

"Será verdade?", pergunta Andrew Michael Ford, diretor da Last Rites Gallery, em Nova York, e curador independente que já trabalhou com artistas de rua. "Será trapaça?" O filme, acrescentou ele, oferece tantas possibilidades circulares que "fica difícil comentar sobre o assunto diretamente".

Mas todos os envolvidos dizem que se trata de um documentário legítimo. "É claro que, quanto mais tento dizer que tudo é verdade, mais parece que eu esteja envolvido em uma conspiração", diz Fairey, amigo de Banksy.

Guetta não atendeu a um pedido de entrevista - ainda que pareça existir de verdade e ser tão idiossincrático quanto o filme mostra.

"Não sei por que tanta gente se deixou enganar com a ideia de que o filme era falso", disse Banksy, ou alguém que alega ser Banksy, em uma mensagem de e-mail enviada de Los Angeles, onde o filme estreou na noite de segunda-feira. "É uma história real com imagens reais. Se me incomoda que as pessoas não acreditem? Eu jamais teria conseguido escrever um roteiro tão engraçado".

Como define Mark Schiller, responsável pelo woostercollective.com, um site dedicado à arte de rua, "estamos diante de um desses casos nos quais Banksy descobre com sua arte que a verdade é mais estranha que a mais esquisita das ficções imagináveis".

Tanto Schiller quanto Fairey dizem que Exit Through the Gift Shop é um projeto semelhante a peças mais localizadas de Banksy, como uma instalação clandestina sobre Guantánamo que ele montou na Disneylândia e uma falsa loja de animais que criou no West Village, em Nova York.

"Banksy está realizando um filme que é 100% como uma de suas exposições", disse Schiller. Ele definiu o trabalho como uma brincadeira, mas se corrigiu e o classificou como "um evento ao modo Banksy".

Fairey, que disse que ele e Banksy haviam enfrentado situação semelhante ao tentar recuperar imagens de momentos importantes para suas carreiras registrados por Guetta, acrescentou que "essa é uma maneira de Banksy contar a história dele mas ao mesmo tempo criticar o fenômeno da arte de rua. Está em perfeito alinhamento com a maneira pela qual ele faz as coisas. Mas também é uma adaptação astuta a um problema que de fato existia, e não algo premeditado".

Banksy diz que definir o filme como sua "estreia na direção" é um exagero.

"Não me conferi crédito como diretor porque achei que seria um tanto injusto", ele escreveu. "Os editores é que essencialmente montaram a coisa toda, e eu cedi ao produtor quanto às cenas de que participo e que deveriam ser incluídas - de outro modo, só aproveitaria as tomadas em que minha silhueta parece bonita".

Mesmo assim, acrescenta, trabalhar no filme foi um "processo de grande envolvimento, e meu vandalismo certamente sofreu, em consequência". E Schiller disse que Banksy estava envolvido em todos os detalhes da produção e da comercialização do filme. (O artista afirmou que bancou o filme sozinho, e novas pichações surgiram nas ruas de Los Angeles para a estreia.)

A surpresa, disse Ford, é a rapidez com que audiências que não conhecem bem o mundo da arte aceitaram a ideia de arte de rua como grande espetáculo.

"É uma daquelas coisas a que as pessoas vão sem saberem bem por que, mas mesmo assim se entusiasmam muito por estar lá", diz no filme um fã que estava na fila de uma das mostras de Mr. Brainwash em 2008, na qual peças foram vendidas por dezenas de milhares de dólares - preço ainda bastante inferior ao conquistado por certos trabalhos de Banksy.

"Banksy se importa muito com vender arte e com aquilo que as pessoas pensam sobre ele", disse Fairey, "e compreende completamente que a fantasia das pessoas é uma ferramenta de marketing muito superior à realidade".

Em última análise, porém, tentar determinar se Exit Through the Gift Shop é real ou não pode nem ter importância. O documentário certamente propõe questões reais sobre o valor da autenticidade, financeira e esteticamente, e sobre o significado de ser um superastro em uma subcultura que foi criada para rejeitar o comercialismo, bem como sobre a sensatez da maneira pela qual uma cultura julga, e monetiza, o talento.

Perguntado se um filme que contesta a comercialização da arte de rua não desvalorizaria as suas obras, Banksy escreveu que "parecia apropriado que um filme questionando o mundo de arte fosse bancado pelos proventos da arte. O título mais adequado talvez devesse ser 'não cuspa no prato em que come'".

Cartaz de 'Exit Through the Gift Shop'
Cartaz de 'Exit Through the Gift Shop'
Foto: Divulgação
The New York Times
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