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Análise: '50 São os Novos 30' sabe ser inteligente sem ostentação

Longa, no entanto, não é nenhuma obra-prima e nem mesmo uma comédia genial

4 jul 2018 - 06h03
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Marie-Francine é uma pesquisadora de meia-idade que, de súbito, se vê sem marido, sem casa e sem emprego. A protagonista é vivida por Valérie Lemercier, que também dirige o filme. O título em francês é apenas este, Marie-Francine, seu nome. No Brasil optou-se por um título descritivo: 50 São os Novos 30, uma dessas ilusões da modernidade sobre a (quase) eterna juventude.

Enfim, Marie-Francine, de repente, não mais que de repente, vê-se na contingência de, aos 50 anos, voltar a morar com papai e mamãe, pelo menos temporariamente. Seu marido a abandonou por uma mulher mais jovem.

Não que o casal idoso não queira receber a filha em casa. Mas, digamos assim, fica incomodado. Ainda mais porque papai é um tipo rígido, um francês à moda antiga, cheio de convicções e preconceitos e que, na velhice, alimenta o sonho de tornar-se escritor. A mãe é uma perua de terceira idade, disposta a manter uma ilusória juventude à custa de cosméticos e bronzeamento artificial. Ambos, mãe e pai, desejam rapidamente encontrar novo relacionamento e emprego para Marie-Francine, para que esta reencontre sua independência amorosa e financeira. E, portanto, deixe a casa e vá cuidar da própria vida.

Essas providências incluem a abertura de uma lojinha de cigarros eletrônicos que, por tabela, propiciará a Marie-Francine a oportunidade de novos relacionamentos. Como o cozinheiro Miguel (Patrick Timsit) que, sem ousar dizer, encontra-se em situação parecida com a sua. E assim segue a vida.

Nem é preciso dizer que 50 São os Novos 30 não constitui uma obra-prima e nem mesmo uma comédia genial, como faziam os italianos da época de ouro como Mario Monicelli ou Dino Risi. Mas se pode reconhecer nele um filme talentoso. E nada vulgar em se tratando de comédia contemporânea, gênero abastardado pela grossura, pelo riso fácil pelo uso de preconceitos e outras apelações que apostam no mau gosto do público.

De maneira modesta, mas não menos incisiva, Lemercier procura outro caminho. Faz graça com inspiração, ironiza algumas características da cultura francesa, como sua idolatria às vezes cega pela literatura como cânone estético e a relação com imigrantes, etc. Busca mais o sorriso que a gargalhada.

Se às vezes Lemercier parece flertar com clichês é com intuito de desmontá-los, como faz com a grande presença de portugueses morando em Paris, fenômeno que não é de hoje, como sabe quem conhece a multicultural capital francesa. Ou com esnobismo em relação a estrangeiros de modo geral, traço deslocado em cidades europeias cada vez mais multiétnicas. O elenco secundário também ajuda, como Hélène Vincent e Philippe Laudenbach como a mãe e o pai de Francine.

Trabalhando com despojamento estético e simplicidade estilística, Valérie Lemercier não parece cortejar a aprovação crítica, pelo menos da crítica mais xiita. Teve boa acolhida na França e ganhou três estrelas da exigente revista Positif. Faz um filme destinado de maneira explícita ao público, este que vai ao cinema em busca de entretenimento e não se incomoda se o produto é um tanto acima do nível habitual oferecido. É boa diversão, com uma inteligência que não busca ostentação.

Estadão
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