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Documentário 'Torre das Donzelas' revive a experiência de ex-presas políticas

De Suzanna Lira, filme maneja emoção e lucidez na memória da ditadura militar brasileira

20 set 2019 - 19h05
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Torre das Donzelas era o apelido um tanto sardônico da ala feminina do Presídio Tiradentes, onde ficavam as presas políticas na época da ditadura. É o título assumido pelo documentário de Suzanna Lira. Dos tantos filmes que, em forma de ficção ou documentário, revisitam os tempos da ditadura, este é dos mais originais. E dos mais emocionantes.

Torre das Donzelas, nem poderia ser de outra forma, sustenta-se em depoimentos das ex-presas políticas. Mas não se limita a isso. Como o presídio não existe mais (foi demolido nos anos 1970), o filme cria um espaço cênico que imita o ambiente carcerário. Esse recurso funciona como estímulo à memória das mulheres que vão prestar depoimento à diretora. E permite que conversem entre elas, lembrando e dando outro sentido ao tempo de prisão.

O núcleo da obra consiste nos depoimentos dessas cerca de 30 mulheres que lá estiveram encarceradas pelo "crime" de lutar contra a ditadura. Entre elas, a ex-presidente Dilma Rousseff, cuja fala traz lucidez e humor. Quem ainda acredita que Dilma é verbalmente desarticulada, deveria ver o documentário para, talvez, revisar seus conceitos. (Embora preconceitos sejam a coisa mais arraigada deste mundo.)

O filme constrói, a partir desses depoimentos, uma curva dramática reproduzindo as diversas fases da experiência por que passaram - a militância, a prisão, o encarceramento, a tortura, a resistência, as estratégias de sobrevivência no cárcere, a libertação. Este é um ponto importante, e bastante surpreendente para quem não passou por essa triste experiência. A libertação pode se dar no interior mesmo da cadeia, quando elas constroem, atrás das grades, um espaço de convivência e liberdade. Como o fazem? Através do trabalho, do estudo, do diálogo, que tornam o enclausuramento uma experiência de convivência produtiva.

Há ainda a sutil encenação com atrizes nesse ambiente recriado, para mostrar o quanto elas eram jovens na época. As imagens ficcionais, intercaladas às falas, dão essa sugestão de mocidade, de frescor juvenil, que potencializa o exercício da memória das mulheres ao relembrar o passado.

O resultado é um filme muito tocante, que em momento algum cai na pieguice ou na autopiedade. É, de fato, uma lição de vida, sem qualquer concessão. E sem também reprimir a emoção, que salta à vista como quando recordam que, quando uma delas deixava o cárcere, as outras, de suas celas, entoavam a Suíte dos Pescadores para acompanhar a saída da companheira - a linda canção de Dorival Caymmi como trilha musical da liberdade.

Estadão
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