"Beyoncé do Samba", Bianca Monteiro pisou pela 1ª vez na Portela aos 13 anos até ser coroada rainha
À frente da bateria da escola com mais títulos do Rio de Janeiro, ela vai para oitavo desfile no posto
O maior sonho de uma passista de escola de samba é ser rainha de bateria. Na Portela, isso parecia distante. Por muito tempo, as meninas de Madureira viam a coroa passar entre famosas, como Sheron Menezzes e Luiza Brunet. Até o reinado voltar para uma portelense ‘raiz’. Criada na agremiação, Bianca Monteiro desfila pela oitava vez como destaque da azul e branca no carnaval do Rio de Janeiro.
Hoje aos 35 anos, a rainha-águia da Portela lembra que começou a frequentar a escola ainda adolescente, com 13 anos. No posto de passista, ela sempre quis ocupar o lugar de destaque na Tabajara do samba. No entanto, nem nos seus maiores sonhos esperava que, no seu ano de estreia, a agremiação de Madureira quebraria um jejum de 33 anos.
Em 2017, quando desfilou pela primeira vez como rainha de bateria, a portelense Bianca Monteiro experimentou um frio na barriga que garante não ter perdido até hoje. Naquele ano, a agremiação levou seu 22º título com o samba-enredo Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar.
Oito anos depois de atravessar a Marquês de Sapucaí como rainha estreante, Bianca falou ao Terra sobre sua história com o samba e cobrou a participação de ex-rainhas e musas no dia a dia da comunidade portelense. Ela ainda detalhou a rotina puxada pré-carnaval e deu opinião sobre o que é ser uma rainha de bateria de verdade.
Rainha de bateria raiz
A história de Bianca Monteiro com a Portela é igual a de muitas meninas com as suas escolas de samba do coração. É um amor passado de geração em geração de famílias que vivem o carnaval o ano inteiro. No caso da rainha portelense, o responsável por sua conexão com a agremiação foi o pai, Paulo Monteiro.
Ele levou a filha aos 13 anos para brilhar na ala de passistas e ela nunca mais parou. Mais do que uma rotina recheada de treinos de samba e novos amigos, Bianca conta que ganhou um novo destino. “Sou filha da Portela, nasci e me criei lá. Tudo que eu tenho e tudo que eu sei hoje foi a Portela e o samba que me deram”, declarou.
Depois de anos como passista, Bianca foi coroada como princesa do carnaval em 2015 e 2016. Conhecida como a "Beyoncé do Samba", ela brilhou tanto no posto que foi convidada pelo então presidente da agremiação, Luís Carlos Magalhães, para assumir o reinado. “Eles já queriam colocar alguma menina da comunidade e eu fui a escolhida”, relembrou.
Bianca acredita que ter uma pessoa da comunidade assumindo um cargo tão admirado é muito representativo e faz com que outras meninas criadas na quadra da escola acreditem que é possível chegar lá. “Sou cria de Madureira e acho muito importante isso. Estamos falando da realização de um sonho, de ser reconhecida no nosso ofício. O samba, para a menina da comunidade, é o que ela é”, explicou.
Por isso, a rainha da Portela leva a responsabilidade como um privilégio e não como um fardo. “Quando você ganha o privilégio de representar a sua história nessa posição de rainha, você não representa só o seu samba, mas sim toda a história de toda uma comunidade”, destacou.
Para Bianca, o seu ‘reinado’ não é só seu e seu samba no pé leva junto o molejo de muitas pessoas que já passaram e que ainda estão na comunidade. “Represento os sambas de todas essas mulheres que passaram por ali e que sonharam, assim como eu, um dia ser rainha de bateria”, afirmou.
A rainha também revelou se preocupar em como passará a coroa adiante: “Tenho uma responsabilidade muito grande não só com a minha carreira, mas em como eu vou passar isso. Hoje, é muito bom poder ser essa referência para que elas possam ter seus sonhos realizados, assim como estou tendo o meu”.
Corpo e espírito equilibrados na avenida
Poucas pessoas experimentam o peso de representar a bateria e toda uma escola de samba durante o desfile na Marquês de Sapucaí. Como rainha, Bianca Monteiro é uma delas. Mesmo segura do amor pela Portela e do samba no pé treinado exaustivamente em Madureira, ela garante que fica tensa a cada carnaval.
“Não tem como não ficar nervosa e emocionada. Não tem como não ter medo! É uma apreensão para que dê tudo certo não só no meu trabalho, mas no de toda a escola”, explica.
A preocupação é um reflexo do respeito que tem pela comunidade portelense e a vontade de ser campeã em uma liga tão competitiva como o grupo especial do Rio, onde o vencedor é decidido por décimos. Com todos os holofotes voltados para a Sapucaí, a tensão é certa mesmo quando se tem experiência.
“Esse ‘friozinho’ na barriga não muda com o tempo. Acho que a hora que esse nervosismo passa é quando já não dá mais para ficar ali. Já não tem mais aquela expectativa, a entrega”, opina.
Nada prepara uma rainha de bateria para a emoção que é pisar na avenida a cada fevereiro. No entanto, uma rotina especial durante os meses que antecedem a folia pode ser uma boa pedida para acalmar os ânimos. Bianca conta que a programação é puxada e cansativa, mas necessária.
“É um trabalho diário e constante para chegar na avenida com o corpo que a gente deseja. Porque cada uma molda seu corpo e trabalha em cima disso, né? Faço atividade física todos os dias, cuido da estética e treino samba todos os dias também”, relata.
Fora o cuidado com a estética, a rainha portelense garante a necessidade de olhar com carinho para a saúde mental e espiritual. Iniciada no candomblé, Bianca compartilhou sua preparação: “Cuido sempre do orí, para que ele possa estar sempre tranquilo e bem encaminhado para que possamos fazer bem o nosso trabalho”.
Ausência de ex-rainhas famosas
A lista de celebridades que ocuparam o cargo de Bianca Monteiro na Portela é longa. Luma de Oliveira, Luiza Brunet, a ex-globeleza Valéria Valenssa e Adriane Galisteu são algumas delas. Pelo histórico da escola de Madureira com famosas à frente da Tabajara do samba, Bianca acredita que enfrentou certa resistência por ser "anônima".
"As pessoas têm um preconceito muito grande, né? ‘ah, se não é famoso eu não sei quem é’. E quando dão a oportunidade para essa galera da comunidade, que vive aquilo ali, outras pessoas se veem em você", comenta.
Mesmo defendendo que a coroa deve ser passada entre as meninas da comunidade, Bianca faz questão de reverenciar as ex-soberanas. "É um cargo que grandes mulheres como Sheron Menezzes, Adriana Bombom e outras mulheres pretas ocuparam. Representar isso agora é muita responsabilidade, porque a ideia é que outras meninas, assim como eu, tenham a sua oportunidade", pontua.
No ano passado, o destaque da Portela recebeu quatro ex-rainhas de bateria no desfile em que se comemorava o centenário da escola de Madureira. Na Sapucaí, Bianca brilhou ao lado de Adriane Galisteu, Sheron Menezzes, Luiza Brunet e Edcleia das Neves.
Apesar do momento bonito de comunhão entre rainhas, ela afirma que nunca chegou a receber conselhos e cobra uma presença maior das famosas na comunidade. "A galera, quando sai desse lugar, acaba não convivendo com a escola, não fazendo parte da rotina. Sinto falta das ex-rainhas estarem mais presentes, falarem mais da sua história no samba", reclama.
Bianca continuou: "Precisamos dessa movimentação, dessa bandeira, não só no período de carnaval. O samba é o ano todo. É uma fábrica de sonhos, de vidas, onde várias pessoas são empregadas. As pessoas precisam ter um olhar um pouquinho mais carinhoso sob esse trabalho que é feito o ano todo".
Mesmo sentindo falta dos conselhos e do apoio das ex-rainhas, Bianca conta que o amor dos potelenses foi essencial desde o início e que isso é o bastante para ela. "Recebi muito carinho de toda a comunidade. Essa é a energia que eu preciso, a minha comunidade me abençoando sempre!", exalta.
O que é que a rainha tem?
Praticamente criada para ser uma rainha de bateria desde os seus 13 anos, Bianca Monteiro define dois pré-requisitos para quem quer ocupar o cargo: empatia e muito amor. Com a história da comunidade, com o povo, com o barracão e com cada pessoa que pega uma condução para ir a um ensaio na quadra.
"Não existe esse lugar de rainha absoluta, só ela olhando para ela, para o corpo dela, para a vaidade dela. Isso não cabe mais", opinou Bianca. De acordo com a soberana da Portela, as rainhas de bateria são as mensageiras das escolas e devem se empoderar desse papel, independente de ter sido criada ou não na comunidade.
"A rainha tem a obrigação de levar o nome da escola e aquele trabalho em todos os lugares. Se ela é famosa e tem a mídia a favor dela, deve levar isso para a mídia. Se é blogueira, leve nas redes sociais. Mas ela tem a obrigação de falar, não só por ela, mas por toda uma comunidade que se dedica muito para fazer o carnaval", desabafou Bianca Monteiro.
A Portela desfila na segunda-feira de carnaval, 12, na Marquês de Sapucaí. Neste ano, a azul e branca vai defender o enredo Um defeito de cor, sobre o livro homônimo de Ana Maria Gonçalves.