Aos 17 anos, rainha de bateria da Beija-Flor conta como lida com comentários maldosos
Lorena Raíssa foi coroada aos 15 anos; em 2024, ela desfila pela segunda vez no cargo de rainha
Sorriso de menina. Jeito de menina. Leveza de menina e… postura de rainha! Aos 15 anos, Lorena Raíssa viu o sonho de sua mãe se concretizar nela quando ganhou o concurso para ser rainha de bateria da Beija-Flor de Nilópolis. Sua história, marcada pelo carnaval desde o nascimento, é digna de roteiro de filme.
Hoje aos 17 anos, Lorena vai para o seu segundo desfile sendo a mais jovem rainha de bateria entre as escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro. No entanto, se engana quem pensa que o cargo assusta. Como a adolescente que é, ela encara o momento como uma grande diversão.
Quem vê Lorena sambando com tanta graça nem imagina que a rainha de Nilópolis carrega a responsabilidade de representar o sonho de sua família e ser exemplo para as meninas que querem um dia, quem sabe, chegar ao ‘reinado’.
Para isso, ela reverencia, sempre que pode, as mulheres que vieram antes dela. Se hoje ocupa este espaço e tem a oportunidade de inspirar várias ‘Lorenas’ da comunidade, é porque, antes, ela mesma foi inspirada por uma ‘Raíssa’, a qual carrega no seu segundo nome.
Ao Terra, Lorena Raíssa conta um pouco mais da sua história com o carnaval, sua relação com a comunidade da Beija-Flor e compartilha os conselhos que recebeu de rainhas de bateria experientes quando chegou ao posto. Ela também revelou ter ouvido críticas que vão desde a pouca idade até mesmo a sua aparência.
Um sonho de carnaval
Era dia 29 de janeiro de 2007. A passista Aline Souza estava na reta final da gestação quando saiu de casa para ir ao ensaio técnico da Beija-Flor. Na volta, uma surpresa: o trabalho de parto tinha começado. Ao invés de voltarem para suas casas, os integrantes da escola seguiram em quatro ônibus para acompanhar a chegada da bebê.
A criança era Lorena Raíssa. Com ela, parece ter nascido também um vento de prosperidade para a Beija-Flor. Naquele ano, a agremiação foi a campeã do carnaval carioca com o enredo Áfricas: do berço real à corte brasiliana.
Mesmo com a história quase cinematográfica de seu nascimento, a verdade é que o destino de Lorena se entrelaça com o carnaval desde antes de vir ao mundo. “Meu avô levou minha mãe para Beija-Flor muito nova. Ela cresceu lá, se tornou passista, depois diretora de passista e hoje é diretora de harmonia”, conta.
Foi a sua mãe que passou a levá-la para a escola e, desde criança, ela aprendeu a se divertir ao som do samba. Aos 7 anos, Lorena lembra que desfilou como passista mirim pela primeira vez: “Em 2014 eu desfilei no meu primeiro ano como passista. Em 2015, no carro Abre Alas”.
A rainha da Beija-Flor se manteve como passista até 2022, quando se tornou destaque da bateria. Mesmo com o cargo grandioso, sua melhor lembrança em um desfile foi quando ainda não tinha sido coroada. “2018 foi o meu ano favorito, com certeza!”, disse empolgada. À época, a escola foi campeã com o enredo Monstro é aquele que não sabe amar.
Naquele período, ela já sabia que queria ser rainha de bateria. No entanto, Lorena conta que não nasceu com o desejo de ocupar o cargo. A adolescente começou a sonhar com o reinado quando se aproximou da 'xará' Raíssa de Oliveira, que brilhou por 20 anos na bateria Soberana.
“Sonhava desde 2016, quando eu me encantei pela tia Raíssa. Desde esse momento eu soube que era isso que eu queria: ser rainha de bateria. Ela e o mestre [Rodney] sempre falavam. A tia Raíssa até falou que o meu nome era Raíssa por causa dela (risos)”, relembra.
Máquina de fazer rainhas
Lorena Raíssa faz parte de uma dinastia de rainhas que cresceram na quadra da agremiação. Antes dela, vieram Sônia Maria Regina, conhecida como Soninha Capeta, e Raíssa de Oliveira, escolhida através de concurso. A valorização das ‘crias’ da comunidade é uma marca registrada da escola de Nilópolis.
Apesar de ter tido que enfrentar várias fases e o julgamento de jurados até a coroação, Lorena acredita que o que conta mesmo é o desejo do povo. “Foram eles [a comunidade da escola] que estavam torcendo por mim desde o início. Então são eles que eu tenho que exaltar sempre. Claro, tinham os jurados! Mas quem escolheu mesmo foi a comunidade, né?”, ressalta.
A consagração como rainha veio aos 15 anos, em 2022. Seu primeiro desfile no cargo foi no ano seguinte, com o samba-enredo Brava gente! O grito dos excluídos no bicentenário da independência. Desde então, ela faz dupla jornada: como estudante em uma escola pública e como destaque da agremiação.
Lorena garante que mantém as duas obrigações bem equilibradas e nunca deixou os estudos em segundo plano. “É uma rotina bem exaustiva, pesada. Mas desde o início a Beija-Flor sempre priorizou a escola. Nos momentos em que eu tenho que estar na escola, sempre estou. Não posso faltar. É um compromisso da Beija-Flor”, explica.
Mesmo com a rotina puxada, ela afirma que não é só no período de carnaval que se mantém atuante na agremiação. “A comunidade é como uma família, porque a gente tem um convívio intenso com todo mundo que está ali. São pessoas que não aparecem só para o Carnaval. A maioria atua no projeto social da escola”, conta.
A agremiação de Nilópolis investe na profissionalização e na educação da comunidade em torno da Beija-Flor. Por lá, Lorena afirma que já fez de tudo um pouco. “Eu gosto de fazer de tudo. Já fiz a parte de cabelo, de unha... Hoje eu sou auxiliar da minha irmã Lorraine, que é a professora de samba no pé”, detalha.
O peso da coroa
Desde que ganhou o concurso para ser rainha de bateria da Beija-Flor, Lorena Raíssa recebe muito carinho, mas também algumas críticas. Os comentários que chegaram até ela vão desde a idade até mesmo a aparência.
“Os maiores comentários foram por ser a mais nova do concurso que não iria ter experiência para estar à frente da bateria. Já disseram que eu tinha que esperar mais alguns anos para ser rainha de bateria”, compartilha.
Outras opiniões afetam diretamente as características físicas de Lorena. “As pessoas falavam mal de escolherem uma menina mais magrinha, sem corpo”, relembra. Infelizmente, ela também não ficou imune a comentários racistas. “(...) [reclamaram] também por ser menina negra, de cabelo cacheado, sempre tem isso”, diz.
Apesar da pouca idade, ela lida com as críticas de forma muito madura. Para as opiniões maldosas, Lorena garante que não dá resposta e nem atenção. “Sempre temos que levar em consideração apenas os comentários das pessoas que estão ali do nosso lado. Por meio deles que vou saber o que é certo e o que é o errado”, argumenta.
Ela continua explicando quem seriam essas pessoas: “O apoio, o diretor de harmonia, o presidente e principalmente o mestre de bateria, porque já passaram rainhas por ele. É preciso ouvir as pessoas certas e não todo mundo. Muita gente quer o nosso bem, mas muita gente também quer o nosso mal”.
Entre os que Lorena está de coração aberto para ouvir os conselhos estão as rainhas de bateria das outras agremiações do Rio. Ela conta que se relaciona muito bem com todas, em especial Maria Mariá, da Imperatriz Leopoldinense, Mayara Lima, da Paraíso do Tuiuti, Bianca Monteiro, da Portela, e Evelyn Bastos, da Mangueira.
Todas, aliás, são ‘crias’ da comunidade e começaram novas no posto, assim como Lorena. Sobre os melhores conselhos, a rainha da Beija-Flor considera que foram os da rainha da Portela e da Mangueira. “A Bianca e a Evelyn me falaram que também começaram novas e escutaram muitas coisas de muitas pessoas. Elas me deram força para não me deixar levar por isso”, diz.
Futuro da rainha
Da mesma forma que respeita e admira as rainhas mais experientes, Lorena Raíssa tem consciência que é exemplo para as meninas de Nilópolis que um dia querem chegar ao posto. Sobre a responsabilidade, ela considera muito grande, mas encara como uma boa missão.
Indo para o seu segundo ano como rainha na avenida, Lorena se vê desfilando por muito tempo à frente da bateria Soberana. No entanto, os sonhos não foram todos realizados com essa conquista. Ela revelou que ainda pretende passar por várias instâncias da Beija-Flor.
“Depois eu quero ser ritmista. Também quero ser baiana com toda certeza na minha vida! Eu quero tudo o que puder fazer dentro da quadra. Posso estar aqui ou até empurrando o carro”, garante a rainha.
Lorena quer que seu reinado dure o necessário para a escola de samba e espera passar o cargo para alguém que tem a Beija-Flor na sua história, assim como ela. “Posso ficar por 10, 12 ou até 20 anos, mas ainda tem bastante tempo pela frente. Eu quero viver cada momento e passar a coroa com uma pessoa da comunidade”, vislumbra sobre o futuro.