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Tela de 400 anos teria sido furtada antes de chegar ao Masp

Itália quer devolução do quadro, alegando exportação ilegal; museu nem havia sido fundado quando do suposto crime

18 dez 2018 - 08h50
(atualizado às 13h45)
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Um quadro de quase 400 anos doado ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) há décadas teria sido furtado na Itália antes de se tornar parte do acervo do museu, de acordo com autoridades daquele país.

Após solicitação italiana, o MPF (Ministério Público Federal) do Brasil chegou a pedir que a pintura fosse apreendida. A Justiça determinou uma medida mais branda.

Segundo os italianos, o quadro pertence ao município de Pesaro, na costa leste do país europeu. Ficava na Igreja de Sant’ubaldo. Tem 352 cm de altura e 210 cm de largura.

Não se sabe a data exata do suposto furto, teria sido entre 1883 e 1909. Jacopo Palma — citado nos documentos como Giacomo Negretti —, conhecido por “O Jovem”, terminou de pintar o quadro em 1620. Ele nasceu em Veneza, em 1548, e morreu na mesma cidade em 1628.

O quadro de Jacopo Palma, pintado com óleo sobre tela em 1620
O quadro de Jacopo Palma, pintado com óleo sobre tela em 1620
Foto: João Musa/Reprodução / Masp

As autoridades italianas atribuem grande valor cultural à obra. O principal motivo está no lado esquerdo da tela. Há uma representação que dá uma ideia de como era Pesaro no século XVII.

Desencontros

Sobre o nome do quadro não há consenso. Os italianos o chamam de “Madonna col Bambino San’Ubaldo che indica sullo sfondo la cittá di Pesaro”.

O site do Masp se refere à obra como  “Aparição da Virgem com o Menino a santo Ubaldo, bispo de Gubbio, que indica ao fundo a cidade de Pesaro”, uma tradução próxima do nome em italiano.

Em 3 de janeiro 1948, porém, o hoje extinto jornal Diário de São Paulo (não confundir com o Diário de S.Paulo, que teve falência decretada em 2018), noticiou a doação do quadro para o museu. O nome da obra, segundo a publicação, era “Nossa Senhora do Carmo e um Patriarca de Veneza”.

O texto do Diário foi reproduzido no documento entregue pelo MPF à Justiça. Assis Chateaubriand, além de fundador do Masp, era dono do jornal.

O nome com o qual o quadro chegou ao Brasil, de acordo com os italianos, é um indício de que a obra foi exportada de maneira ilegal — provavelmente em 1946.

“A declaração falsa sobre a titularidade da pintura faz, portanto, apesar do tempo passado, nula a licença de exportação emitida”, escreveu um procurador da Itália. A Justiça do país europeu queria um “sequestro preventivo” do bem.

Há um desencontro sobre a data da doação do quadro ao museu. O documento entregue pelo MPF à Justiça diz que foi em 1947, ano confirmado pela assessoria de imprensa do Masp. No site da entidade, por outro lado, consta 1976. As autoridades italianas falam em 1948, talvez assumindo a data da publicação do Diário de São Paulo.

O nome do doador, ao menos, confere. Trata-se de Pietro Maria Bardi, italiano e crítico de arte, designado por Chateaubriand para dirigir o Masp em sua fundação e primeiros anos.

Era casado com a também italiana Lina Bo Bardi, arquiteta que desenhou o prédio ocupado pelo museu na Avenida Paulista desde 1968. No site da entidade, ela consta como doadora da obra junto com o marido.

O ano em que, segundo a assessoria, a pintura de Jacopo Palma foi doada é o mesmo da fundação do museu. À época, o Masp funcionava na sede dos Diários Associados, o império de mídia de Assis Chateaubriand.

Chateaubriand aproveitou o caos e a destruição da Europa nos anos após a Segunda Guerra Mundial para montar o acervo. Com os europeus sem dinheiro, obras valiosas eram vendidas por preços menores. Foi mais fácil convencer a elite brasileira a comprar peças e doar.

Até 2012, não houve registro de contestação relevante sobre o quadro. Foi quando Claudio Maggini viajou da Itália para São Paulo.

A missão de Maggini era preparar no Masp uma exposição do pintor Michelangelo Merisi, mais conhecido como Caravaggio. Ao ver o quadro de Palma, reconheceu como a tela que falta em Pesaro.

Não há documentação fotográfica embasando o pedido de devolução. O juiz italiano, porém, entendeu se tratar da mesma obra “em virtude da descrição do autor e das dimensões da pintura”. Essas informações constam do certificado de exportação.

Na Justiça

Os italianos, por meio de seu Ministério Público, entraram em contato com o Brasil, e o caso chegou ao MPF. O órgão achou razoável o relato das autoridades estrangeiras. Manifestou-se favoravelmente ao pedido de devolução.

O MPF em momento nenhum implica o Masp em alguma ilegalidade ou suspeita. Inclusive, elogia o que seria, nas palavras o procurador Vicente Mandetta, da Procuradoria em São Paulo, “boa fé” da entidade — atestada pelo fornecimento de documentos à investigação.

O juiz federal Silvio Gemaque negou o pedido de busca e apreensão feito pelo procurador, em decisão de 11 de dezembro.

Nomeou, porém, o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa, fiel depositário do quadro. Ou seja, ele é responsável por manter a obra à disposição da Justiça enquanto o caso não estiver resolvido.

Enquanto isso, a tela continua no museu. Pedrosa também responderá pelo estado de conservação do objeto. O termo foi assinado na última sexta-feira (14).

O diretor deverá, ainda, manifestar-se sobre o caso e mostrar os documentos pertinentes.

Gemaque demonstrou não ter certeza se a obra furtada em Pesaro é a mesma exposta no Masp. Solicitou ao MPF a documentação enviada pela Itália.

De acordo com a legislação brasileira, o furto prescreveu. Compromissos internacionais assumidos pelo Brasil preveem prazos maiores para esse tipo de processo, mas mesmo assim o cumprimento do termo não teria sido comprovado.

Ele ainda mencionou possível compensação financeira ao Masp, “terceiro de boa fé, que possui a suposta obra”. Caso essa possibilidade se concretize, outro magistrado deverá analisar o caso. Gemaque é da área criminal, enquanto indenizações do tipo são cíveis.

A reportagem do Terra entrou em contato com a assessoria de imprensa do museu. O Masp afirma que “tem cooperado com as autoridades”.

Perguntado se, caso necessário, disputará o quadro na Justiça, não respondeu que sim nem que não. Disse que ajudará a esclarecer a questão.

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Fonte: Redação Terra
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