Script = https://s1.trrsf.com/update-1747233309/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Os segredos do melhor churrasqueiro do mundo

O dono do segundo melhor restaurante do planeta segundo um guia falou à BBC sobre como ele dominou o "sussurro do fogo" e transformou seu ofício em arte.

4 abr 2025 - 05h09
(atualizado às 05h14)
Compartilhar
Exibir comentários
Embora seja dono do segundo melhor restaurante do mundo, Arginzoniz não se sente uma estrela
Embora seja dono do segundo melhor restaurante do mundo, Arginzoniz não se sente uma estrela
Foto: Joao Wengorovius / BBC News Brasil

O espanhol Bittor Arginzoniz, de 64 anos, sobe ao palco do Congresso Diálogos de Cozinha em San Sebastián, na Espanha. Ele veste um cardigã marrom, uma camisa modesta e calças sociais. Diante dos aplausos, ele parece desconfortável.

Nos minutos seguintes, apesar dos esforços do entrevistador, ele dá respostas curtas e ignora algumas perguntas, como se quisesse escapar delas.

Pouco depois, após a apresentação no Congresso, o silêncio da biblioteca do Basque Culinary Center parece relaxar Arginzoniz, que é proprietário e chef do restaurante Asador Etxebarri.

O estabelecimento tem uma estrela Michelin e foi considerado o segundo melhor restaurante do planeta, segundo a última edição do ranking The World's 50 Best Restaurants. As reservas são feitas com quatro meses de antecedência e exigem pré-pagamento: o menu degustação custa 280 euros por pessoa (R$ 1,7 mil), o que não inclui bebidas.

Arginzoniz começou como guarda florestal. Depois, durante dez anos, trabalhou na fábrica de celulose de sua cidade, Atxondo, com 1.372 habitantes.

Na ida e na volta para o trabalho, ele passava por um bar a dez quarteirões de sua casa que estava fechado há anos devido a uma disputa entre os proprietários. Arginzoniz — que não sabia nada de culinária além do que havia aprendido com a avó e a mãe — pensou que algo poderia ser feito ali.

Até que um dia ele largou o emprego e, com suas economias, comprou o imóvel. Ele reformou o local e durante 30 anos se dedicou a aperfeiçoar o que ele define como um ofício: o sussurro do fogo.

Arginzoniz diz que se algo fica na cabeça, ele não para até conseguir fazer. Ele acredita que as técnicas modernas de culinária muitas vezes esquecem o mais importante: o produto.

Em seu restaurante, ele supervisiona até os menores detalhes. Ele escolhe qual árvore é queimada para assar cada alimento: carvalho para carne; laranja para salmão; de maçã para caviar.

Ele construiu um viveiro para criar suas próprias enguias e trouxe vários búfalos da Itália para sua terra natal, para que ele mesmo pudesse ordenhá-los e fazer sua própria burrata.

Ele projetou ferramentas que lhe permitiam expandir as matérias-primas que coloca na grelha. Além de carnes, ele cozinha frutos do mar, cogumelos, ervilhas, enguias e caviar.

Arginzoniz acredita que os pontos de cozimento são "sagrados" e que eles se perdem se não forem praticados. É por isso que quando a pandemia chegou e ele teve que fechar seu restaurante, ele montou uma churrasqueira em casa para continuar praticando. "Eu não conseguia parar de grelhar. Não conseguia perder o foco."

Arginzoniz tende a evitar conferências culinárias — tanto como palestrante quanto como participante. Ele prefere ficar em casa e é descrito como uma pessoa "antimarketing".

A BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC) conversou com o chef para tentar entender seus segredos.

BBC News Mundo: Quando você começou a medir o pH da carne? Em que momento você percebeu que havia mais do que apenas colocar a carne na grelha?

Bittor Arginzoniz: Depois de alguns anos trabalhando; Primeiro, com fornecedores diferentes, porque não conseguia encontrar a carne que procurava.

Houve muitos altos e baixos e o mundo da carne é um pouco mafioso. Não?

BBC: Por que?

Arginzoniz: Porque eles colocam qualquer coisa em você. Eles dizem que um pernil [parte superior da pata traseira de um porco] é incrível, mas depois descobrem que é uma porcaria.

A parte difícil é encontrar um fornecedor em quem você confie. E que saiba o que você quer.

Arginzoniz escolhe a madeira usada para assar cada carne
Arginzoniz escolhe a madeira usada para assar cada carne
Foto: Joao Wengorovius / BBC News Brasil

Eu sempre digo: "Eu não discuto sobre preço. Eu procuro a mais alta qualidade." O que você precisa me oferecer é o melhor.

Mas muitas vezes a carne ficava com aspecto de marmelada, e eu percebia que isso era febre. Que o animal, no momento do sacrifício, havia sido morto em más condições. Então, comecei a medir o pH.

BBC: Como você aprendeu tudo isso?

Arginzoniz: Baseado em tentativa e erro. Ninguém me ensinou nada.

O sistema funcionou para mim. É um pouco caro, porque você perde muito dinheiro tentando, mas no final das contas o que eu quero é oferecer o melhor para o cliente e se tem algo que não está certo, então é descartado.

BBC: Você começou como guarda-caça [pessoa que administra caças]. Há algo dessa experiência que o ajuda quando você está na frente da grelha?

Arginzoniz: Conhecer a madeira. No começo, trabalhei com carvão, mas ele exalava aromas agressivos que mascaravam as propriedades de sabor de muitos produtos.

Eu disse a mim mesmo: droga, isso não acontece com madeira! Porque a madeira exala aromas naturais e limpos.

Mas, claro, para isso é preciso uma infraestrutura: queimar a lenha em fornos independentes para poder controlar a temperatura das brasas o tempo todo. Essa foi uma das mudanças mais importantes.

Arginzoniz acredita que as técnicas modernas de culinária muitas vezes esquecem o mais importante: o produto
Arginzoniz acredita que as técnicas modernas de culinária muitas vezes esquecem o mais importante: o produto
Foto: Joao Wengorovius / BBC News Brasil

BBC: Como você faz com os utensílios?

Arginzoniz: Bem (risos). Bem... Assistindo. Trabalhando. Não funciona na primeira vez, mas você continua experimentando diferentes tipos de produtos.

BBC: Por exemplo?

Arginzoniz: Para poder assar as enguias, comecei a testá-las em escorredores normais. Foi daí que surgiu a ideia: panelas com furinhos.

Eu mandei fabricá-las. Pedi para serem perfuradas a laser.

Demorou um pouco, mas me fizeram quatro ou cinco que funcionaram muito bem. Elas são adequadas para qualquer tipo de produto pequeno que você queira cozinhar: polvo, cogumelos...

Para preparar essas enguias, o chef fez panelas especiais com pequenos furos
Para preparar essas enguias, o chef fez panelas especiais com pequenos furos
Foto: Joao Wengorovius / BBC News Brasil

BBC: Quantas horas por dia você trabalha?

Arginzoniz: Do nascer ao pôr do sol. Eu acordo às 6h e às 6h30 já estou no restaurante. Preparo o queijo mussarela, o pão, acendo o fogo para carregar as brasas. Continuo até escurecer, por volta das 20h.

BBC: E quando você chega em casa?

Arginzoniz: O que eu gosto é de sentar, abrir uma garrafa de vinho e jantar. É o momento mais relaxante do dia. Eu amo isso.

BBC: O que você gosta de jantar?

Arginzoniz: Em casa, minha sogra já tem o jantar preparado para mim (risos).

Normalmente, alho-poró cozido com batata-doce ou lentilha cozida normal, ou o que quer que elas tenha feito. E é o meu prazer. Paz, paz, paz. Às 22h30 já estou na cama.

BBC: Você tira férias?

Arginzoniz: Fechamos em agosto, mas desde a pandemia, todos os anos tenho que continuar trabalhando na reforma do salão de jantar e do bar. Sempre havia trabalho a ser feito. Mudar um pouco a cara [do restaurante].

Às 6h30 da manhã, Arginzoniz já está em seu restaurante
Às 6h30 da manhã, Arginzoniz já está em seu restaurante
Foto: Joao Wengorovius / BBC News Brasil

BBC: É difícil parar quando você está trabalhando em algo que você ama, não é?

Arginzoniz: Sim. É difícil.

BBC: Você gosta de momentos de lazer? Você consegue ficar sentado sem fazer nada?

Arginzoniz: Não. Geralmente tenho que fazer alguma coisa: se não for cozinhar, tenho que estar no jardim ou procurando cogumelos. Eu sempre tenho que estar fazendo alguma coisa. Não sou uma dessas pessoas que dizem: "Ah, vou deitar aqui". Não, não.

BBC: Não há filiais do Asador Etxebarri e você disse que não haverá mudança geracional. Por que?

Arginzoniz: Porque tenho dois filhos. Um deles gosta do mundo dos vinhos, mas não de culinária, e o outro é economista.

BBC: Por que você acha irritante ir a convenções ou reuniões de culinária?

Arginzoniz: Não me sinto confortável. Eu não sou uma estrela.

BBC: Você é o dono de um dos melhores restaurantes do mundo.

Arginzoniz: (Cora, sorri e olha para o chão). Não… Eu sou apenas um trabalhador esforçado e amo o que faço. Todo o resto veio de… Você sabe.

Arginzoniz costuma passear por montanhas por algumas horas para relaxar
Arginzoniz costuma passear por montanhas por algumas horas para relaxar
Foto: Joao Wengorovius / BBC News Brasil

Quando as pessoas colocam você nessas rodas, é difícil sair. Que as pessoas apreciem o que você faz e espalhem a palavra: bem, isso é bem-vindo, mas eu nunca busquei isso.

BBC: Como é calculado o preço do menu para um restaurante desse tipo?

Arginzoniz: Primeiro, analiso a proposta gastronômica que ofereço e calculo aproximadamente o custo. Logicamente, tenho que ganhar alguma coisa, e acrescento um pouquinho do preço que considero justo.

As pessoas costumam dizer: "Etxebarri é caro", mas eu gostaria de mostrar a elas as contas que recebo para que possam me dizer se o que cobro é realmente honesto.

BBC: Se você cobrasse o dobro, acho que as pessoas também iriam.

Arginzoniz: Sim, mas não, não, não...

BBC: O mundo da culinária é muito estressante. Como você lida com isso?

Arginzoniz: O momento do serviço é estressante, embora eu tente dominá-lo.

Sempre que posso, vou para as montanhas por uma ou duas horas e volto relaxado.

É uma maneira de lidar com todo o estresse que virá depois.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade