Cafeína é o mais saboroso dos 'hormônios'
Sem ela, metade das invenções, músicas, livros e teses de doutorado não existiriam
Salve, salve!!! Salve-se quem puder.
Sou viciado em café! Bebo entre 4 e 5 espressos por dia, fora os capuccinos do sábado e do domingo no desjejum.
A descrição química da Cafeína é: substância que figura na composição dos grãos do café, principalmente depois de torrados, nas folhas do chá, etc., dotada de propriedades estimulantes, diuréticas e anti nevrálgicas.
Cafeína, essa dama que nos ativa, estimula, massageia e faz funcionar. Sem ela, metade das invenções, músicas, livros e teses de doutorado não existiriam.
Tem a bebida, mas temos também os locais onde saboreamos essa iguaria única. Locais não, templos sagrados do convívio social, do bem estar, da contemplação, das discussões acaloradas, da resolução dos problemas da Humanidade, dos encontros e desencontros.
A cultura dos cafés, o local, começou em Viena. Você sabia disso?
Agora levante da cadeira, faça um espresso e aumente o som pra curtir melodias que farão seu líquido negro ser sorvido mais suave e tranquilamente.
Os cafés vienenses: onde tudo começou
Landtmann, Hawelka, Prückel, Central, Sperl, Schwarzenberg, Frauenhuber, usw. (und so weiter, em alemão é o famoso etc.). Reza a lenda que após o cerco dos otomanos, atuais turcos, lá pelos idos de 1650, quando abandonaram os arredores de Viena frustrados pelo fracasso da tentativa de invasão, algumas sacas de um misterioso grão marrom escuro foram deixadas pra trás.
Meio sem saber o que era aquilo, os vienenses guardaram o material para posterior análise e, quem sabe, uso e consumo. Lá pelas tantas, descobriram que era um tal de café. Um grao que, quando torrado e moído - no caso dos graos, somente torrado em temperaturas e pressoes diversas alterando seu sabor e acidez - misturado com água fervendo e coado num filtro de pano ou papel, se transformava num líquido negro, robusto, aromático e extremamente viciante.
Os vienenses logo aprenderam que o consumo excessivo deste elixir negro deixavam acesos os usuários do precioso líquido. Era difícil dormir logo após beber o tal café. Após várias tentativas e erros, acharam os parâmetros ideais de temperatura, pressão, quantidade de água e de pó, chegando numa fórmula mágica.
Todos sabemos que a Europa não produz uma única saca de café. O produto é importado das Américas e da África, notadamente da Etiópia e Quênia. O café da Colômbia, Brasil, Guatemala, Equador e Costa Rica se destacam pelos mais variados motivos.
Trieste ainda é o principal porto de entrada das toneladas de sacas essenciais para o funcionamento do Velho Mundo. Não por acaso, a gigantesca fábrica da Illy é lá junto ao porto, aquela da marca de café com um logo vermelho.
Essa introdução toda foi pra falar dos cafés vienenses. Foi na capital austríaca onde essa cultura começou. Se hoje você se senta num café confortável, com música ambiente e bebe seu capuccino lendo seu livro ou trabalhando no "lépi tópi", agradeça aos comparsas austríacos.
O Hawelka é uma máquina do Tempo. Cheira a cigarro e charuto até hoje, apesar dos anos de proibição. Reduto de intelectuais, artistas, escritores e políticos que mandavam e desmandavam na sociedade da época, ainda sentimos em suas paredes e carpetes puídos o eco das discussões acaloradas que mudaram o curso das artes, da literatura, da política e, por que nao, dos governos. Lá você pode beber um Fiaker, que leva o nome das carruagens da cidade, um tradicional café com rum. Após algumas horas você sairá de lá recitando poemas abraçado com um anônimo escritor amador.
O Landtmann fica em frente à Rathaus, a prefeitura de Viena, e ao lado do Burgtheater, o mais famoso teatro da cidade. O programa clássico era e ainda é tomar um aperitivo no Café, ir ao teatro assistir uma ópera ou peça e recomeçar o ciclo para jantar ou continuar bebericando. É uma instituição vienense que serve um dos melhores Wiener Schnitzel da cidade. Era o preferido de Freud. Também tinha como habitué o pintor Oskar Kokoschka, o compositor Gustav Mahler e o escritor Thomas Mann. Tá bom pra você?!
Já o Café Central, talvez por sua localização e pelo piano de cauda, é o mais famoso em todos os guias turísticos. Fica dentro do Palais Ferstel exalando tradição e aristocracia. A vitrine de doces faz qualquer patisseur parisiense ajoelhar. Os saraus de piano são diários, geralmente à tardinha. O ideal é chegar pra almoçar e ir ficando e respirando aquela atmosfera inigualável, pedir uma Strudel e um Melange ouvindo Schubert, Strauss ou List. Se você vier a Viena e não for lá é como ir a Roma e não visitar o Vaticano. Dizem que em 1913 até Trotsky, Lenin e Stalin travaram discussões fervilhantes em seus salões.
O Frauenhuber é menos festejado, mas igualmente conhecido. Fica numa Gasse que desemboca na Kartner Straße, a rua de comércio entre a Ópera e a catedral Stephansdom. Foi aberto em 1824 e é o café mais antigo da cidade. Tanto Mozart quanto Beethoven tocaram ali entre 1782 e 1791 para os comensais durante o jantar.
O Café Prückel fica em local privilegiado na esquina oposta ao Stadtpark, o parque municipal, numa praça próxima ao Plachutta, outro templo da gastronomia local. O Prückel já teve seus dias de glória, mas a pandemia fez miséria em suas mesas e cadeiras antigas. Um brunch ali com o sol do outono entrando pelas janelas e o café recém servido infiltrando suas narinas e descendo pela garganta é daqueles momentos em que agradecemos pelo simples fato de estarmos vivos.
O Café Sperl fica mais escondido numa esquina, entre a Mariahilfer Straße e o Naschmarkt. Ao entrar sentimos que ali o Tempo parou. Os prendedores de jornal, marca registrada dos cafés vienenses, dependurados na parede, o Garderobe cheio de casacos, garçons com 130 anos de idade média, mesas com pequenas divisórias de madeira para tentar filtrar as conversas. E tem até mesa de bilhar! Um bom livro, um Melange e sua tarde vai durar 20 horas. O movimento artístico Secessão se iniciou ali por volta de 1897.
Já o Café Schwarzenberg, apesar de ficar numa ótima localização nas margens do Ring, é um dos menos festejados. Apesar do luxo decadente, seus doces ainda são muito disputados. Os clientes em sua maioria são locais já que os turistas preferem ir aos cafés famosos citados acima. Fica perto do trabalho, mas raras foram as vezes em que estive ali. Uma pena.
Se um dia eu ganhar na loteria terei um café como o Phil. Além da máquina italiana fabricando líquidos maravilhosos, eles vendem livros e vinil. Precisa mais? Ganharia minhas horas entre um espresso e outro conhaque, lendo e ouvindo do bom e do melhor. Paraíso na Terra!
Uma lista de 10 cafés que inspiraram grandes artistas e escritores. Vários são citados acima.
Pra ver e ler
FILME: Coffee & Cigarettes (2003), Jim Jarmusch
Essa pérola em preto e branco, não por acaso, foi dirigida por Jim Jarmusch com participações especiais como Iggy Pop e Tom Waits, seus grandes amigos.
São ao todo 11 curtas-metragens mostrando diversos personagens bebendo café, fumando cigarros e discutindo temas variados, tais como picolés com cafeína, Abbott & Costello, a ressurreição de Elvis Presley, a forma correta de se preparar um chá inglês, as invenções de Nikola Tesla, desentendimentos familiares, Paris nos anos 1920, rock, hip hop e o uso da nicotina como inseticida.
Difícil escolher apenas uma história como a preferida. O engraçado é que quando temos uma história ruim, os artistas salvam a cena. É uma série perfeita de pequenas histórias, artistas e, claro, café e cigarros.
LIVRO: Escolhi dois, entre tantas opções: “World Atlas” do James Hoffmann e “Rota do Café – Fazendas de Minas Gerais” do Clesio Barbosa e Patrícia Soutto Mayor.
O “World Atlas” é uma espécie de turnê mundial pelos países produtores de café com muitas fotos e textos informativos. Mostra as origens do café – onde é cultivado e por quem - e as culturas onde o café se tornou um modo de vida. Depois temos o consumo, processamento, degustação e notas, o consumidor e como está a cultura moderna do café.
Já o “Rotas do Café” é um guia turístico sobre 30 fazendas produtoras, atrações turísticas dos municípios, mapas ilustrativos e belíssimas fotos das fazendas. Servem para aqueles que querem percorrer as trilhas de uma das maiores riquezas de Minas Gerais: o café.
(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico, PhD em Materiais, vive em Viena na Áustria, é apaixonado pelos cafés vienenses e escreve semanalmente a newsletter Alea Iacta Est.