A Preguiça é um pecado necessário
Salve, salve!!! Salve-se quem puder.
Estou bocejando, caindo de sono. Os dedos estao pesados, quase colados ao teclado. Até a playlist rola solta e devagar. Abro e fecho os olhos na velocidade de um jabuti manco. Se a sua segunda-feira começou assim, não se penalize. Você não está sozinho. Caymmi estaria exultante!
A definição clássica deste pecado capital que tanto amamos é: “A preguiça é a falta de vontade ou de interesse em atividades que exigem algum esforço, seja físico ou intelectual. Ela pode ser definida como a falta de ação, a ausência de ânimo para o trabalho e outras tarefas do dia a dia. O oposto da preguiça é o esforço, a força de vontade, a ação.”
Há quem diga também que a Preguiça como pecado capital é definida assim: “aquela que, mesmo quando temos tempo sobrando, deixamos de fazer coisas boas em função de Deus ou do próximo.” E que esse mesmo Deus nos deu uma vida boa para que fizéssemos grandes obras, mas simplesmente desperdiçamos fazendo nada.
Tenho preguiça de algumas pessoas, lugares, situações, narrativas, filmes, livros, trabalhos, etc., mas pra dirigir estou sempre a postos. No momento, estou lendo 10 livros ao mesmo tempo. Começo um e logo vou perdendo o interesse aos poucos pegando outro em seguida, alimentando o ciclo até chegar nesta ridícula e improdutiva situação. A pilha só aumenta e as aranhas agradecem.
Séries com mais de uma temporada? Nem começo. Se tem mais de 6 capítulos dificilmente me pega. Se um filme não me fisga em 15 minutos, já largo pra lá. Sei que é perda de Tempo, este sim nosso bem mais valioso.
Academia de manhã cedo é algo impossível. Sou noturno, não tem jeito. Já tentei enganar meu relógio biológico sem muito sucesso, mesmo sabendo dos benefícios da prática matinal de qualquer atividade física. Não brigo com a Natureza.
O procrastinador costuma adiar tarefas devido a causas psicológicas como transtornos de ansiedade. A falta de autoestima e segurança também são fatores que afetam a realização de ações, já que o sujeito evita concluir algo para não ser avaliado pela entrega.
Mas nem sempre a procrastinação é algo ruim. Já li alguns estudos dizendo que pesquisadores e cientistas, às vezes, adiam suas descobertas propositalmente. Não somente para acumular mais evidências que validem suas ideias, mas também as deixam maturar, acertar uma ponta daqui, amarrar um fio solto acolá até que... Eureka!!!
O controle remoto surgiu da preguiça de se levantar para trocar o canal. O microondas também é fruto dela acelerando o aquecimento dos alimentos. São tantas invenções graças a essa moribunda que arrisco dizer: a Preguiça move o Mundo!
Livros sobre o assunto são fartos: criação de novos hábitos, como evitar procrastinar, 10 fórmulas infalíveis para aumentar sua produtividade, etc.. Daria uma biblioteca municipal inteira. Gostei de “O Poder do Hábito”, mas sinceramente não me lembro de mais nada.
“Atomic Habits” é outro muito bom com lembranças positivas. Te ensina a quebrar as tarefas nas menores unidades possíveis tornando-as tão fáceis e simples que fica praticamente impossível não executá-las.
Segundo Walcyr Carrasco, famoso autor de novelas globais, a Preguiça é necessária. Não fazer nada é essencial para ter ideias já que a mente está relaxada e o pensamento fluindo. Apesar da ditadura da produtividade e eficiência nas empresas, os horários de ócio criativo (outro livro muito bom) são valiosos e deveriam ser incentivados ao invés de punidos.
Já estive na Praia do Sono no litoral fluminense durante um carnaval. Foi a própria definição de Preguiça. Armamos as barracas sob a sombra das castanheiras e ali ficamos por quatro dias fazendo absolutamente nada. Nem pra comer era preciso sair do lugar já que uns meninos passavam vendendo bolinhos de aipim recheados de vários sabores e ambulantes ofereciam cerveja ou água. Era só levantar o braço e pronto.
Os esforços que fazíamos eram dar um mergulho no mar, fazer as necessidades básicas e depois à noite ir ao forró apenas pra ouvir, eu disse ouvir, e fragar o movimento. Uma única vez inventamos moda de fazer uma caminhada pela praia que termina num rio. Resultado: subimos pela encosta e nos perdemos. Demos meia volta, descendo o morro, ralando pernas e bunda, até chegar de novo na areia.
De volta ao amado ócio, um bolinho e uma gelada nos refrescaram a memória de que com a Preguiça não se brinca.
Dicas culturais
Ver: O Grande Lebowski (Ethan & Joel Coen, 1998). Jeff “the Dude” Lebowski talvez seja o preguiçoso mais famoso do cinema. Vivia em casa de roupão e chinelos, deitado no sofá bebendo white russians e fumando maconha. A Vida estava em eterno modo “pause” e o Dude esperando algo cair do céu mudando seu dia, sem o menor esforço. Até que...
Ler: Canoas e Marolas (Preguiça) de João Gilberto Noll. A coleção Plenos Pecados deveria ser lida por todos. Nessa versão para o pecado mais inofensivo de todos, o autor coloca a apatia no centro como condição reveladora, e por que não, que nos define nos dias de hoje. O personagem principal é uma ilha.
Reler: O Direito à Preguiça de Paul Lafargue, que indaga: trabalhar pra quê? Este livreto manifesto de 96 páginas é uma celebração ao ócio. Publicado em 1855, irreverente e polêmico, enaltece as virtudes do pecado capital e denuncia a degradação física e intelectual causada pelo trabalho. A miséria crescente do proletariado pós-Revolução Industrial deu combustível às críticas de Lafargue.
(*) Pedro Silva é engenheiro, vive em Viena na Áustria, não é preguiçoso e escreve semanalmente sua newsletter Alea Iacta Est.