Conhecer a história do Teatro Amazonas é conhecer a história de Manaus. As duas estão interligadas de tal maneira que o gigantesco prédio cor-de-rosa, erguido no centro da capital amazonense, traz em cada tijolo as marcas dos altos e baixos dessa cidade ilhada pela maior floresta tropical do planeta. Pouca gente sabe, mas Manaus já foi uma das metrópoles mais prósperas do mundo. "Manaus teve eletricidade antes de Londres, um sistema de telefones antes do Rio de Janeiro", explica a escritora americana Sy Montgomery em seu livro Journey of The Pink Dolphins -- An Amazon Quest. "Enquanto Nova York e Boston ainda usavam carruagens puxadas a cavalo, Manaus tinha bondes elétricos verdes".
E tinha muito mais. No fim do século 19, a capital do Amazonas possuÃa um porto flutuante modernÃssimo. Só havia outro como ele, em Amsterdã. O Mercado Municipal, construÃdo como uma cópia do Les Halles parisiense, teve sua estrutura de ferro projetada por ninguém menos que Gustave Eiffel, o mesmo que batizou a torre que virou sÃmbolo de Paris.
Até mesmo a alfândega de Manaus, por onde passava a borracha retirada das seringueiras rumo às fábricas de Henry Ford, foi importada, pedra por pedra, de Londres.
Graças ao dinheiro dos barões da borracha, Manaus foi batizada de a "Paris dos trópicos". A lÃngua francesa era a mais escutada nas conversas de salão. A moeda corrente era a libra esterlina. A elite local adquiria seus luxos nas maiores metrópoles do mundo. "Minha avó mandava lavar e engomar as roupas em Lisboa", relembra a artista plástica Rita Loureiro, cuja famÃlia chegou a Manaus em meados de 1800.
Entre 1890 e 1910, grandes obras públicas foram ali iniciadas: aterros, largas avenidas, um sistema de esgoto que é praticamente o mesmo de hoje e, é claro, um teatro.
Ópera na selva
O Teatro Amazonas demorou 15 anos para ficar pronto. Seu projeto foi assinado pelo artista italiano Domenico de Angelis, que morreu logo depois de terminá-lo. O destaque da construção é a imensa cúpula localizada no topo do edifÃcio. Coberta por 36 mil telhas vitrificadas de cerâmica, forma um mosaico com as cores da bandeira do Brasil e é vista de qualquer ponto da cidade de Manaus.
Todo o material usado na sua construção foi importado da Europa, com exceção da madeira do piso, que veio da Bahia. Os mármores que cobrem as colunas são de Carrara, os cristais dos lustres e espelhos vieram de Murano e da Boêmia, o couro que revestia as cadeiras, da Rússia, e os jarros que enfeitavam os corredores, do Japão.
Da Alsácia vieram as telhas vidradas; de Paris, as grades de ferro dos camarotes, frisas e balcões. O vigamento de aço das
paredes foi encomendado da Inglaterra. Até mesmo os paralelepÃpedos ao redor do teatro foram revestidos com borracha para que o som das carruagens fosse abafado e não atrapalhasse os espetáculos.
Ascensão e queda de uma casa de espetáculos
A inauguração foi em 1896, com a apresentação da ópera La Gioconda, de Ponchielli. A platéia, composta pela elite da região, descia das carruagens vergando o que de mais novo havia nas vitrines de Paris.
De lá para cá, a casa de espetáculos espelhou os altos e baixos da cidade. Enquanto durou o auge da extração de borracha, o Teatro Amazonas viu grandes nomes se apresentarem em seu palco. A dançarina britânica Margot Fonteyn, considerada um dos maiores nomes da dança do século 20, dançou ali. Mas quando a borracha deixou de dar lucro, a região entrou em declÃnio. Assim como seu teatro.
"Manaus já teve sua elite, que construiu o teatro e o frequentava em noites de gala, mas quando o dinheiro secou, ninguém mais queria vir para cá", explica Inês Daou, atual diretora do Teatro Amazonas. "Os que ficaram eram pobres e, obviamente, não tinham como frequentar a ópera. Por isso o lugar foi decaindo".
Decaiu a ponto de, durante a Primeira Guerra Mundial, virar uma feira livre. "Em 1915 vendia-se batatas dentro do salão principal do Teatro Amazonas", conta Rita Loureiro. Os espetáculos foram suspensos, a bilheteria, fechada.
Veio a Segunda Guerra, e o teatro virou abrigo para as tropas americanas.
"Chegaram a jogar futebol no palco do Amazonas", lembra o diretor de artes cinematográficas Óscar Ramos. Com a chegada da Zona Franca, em 1967, Manaus assistiu ao renascimento de sua economia - e de seu teatro. O prédio sofreu sua primeira restauração e voltou a abrir suas portas, mas para conjuntos locais. Mesmo sem seu glamour original, o Teatro Amazonas continuava a provocar a imaginação das pessoas.
Inspiração para cineasta Herzog
O diretor alemão Werner Herzog teve a idéia do filme Fitzcarraldo ao conhecer a casa de ópera nos anos 70.
"Durante 74 anos o Teatro Amazonas não sediou um espetáculo de ópera", diz o secretário de Cultura e Turismo do Amazonas, Robério Braga.
Inês Daou confirma: "Quando assumi a diretoria do Teatro Amazonas, em 1995, ele estava largado às moscas. Funcionava mais como um museu. A grande atividade eram as visitações públicas. Pensei comigo mesma: tenho que reviver esse lugar. Achei que a única maneira de fazer isso era trazendo bons espetáculos para cá."
Em 1997, o tenor espanhol José Carreras foi convidado, por um cachê de 600 mil reais, para abrir as festividades dos 100 anos do teatro. Os ingressos, em torno de 600 reais por pessoa, provocaram protestos indignados dos manauaras, que na noite de estréia se plantaram em frente à casa de ópera provocando um tumulto que quase cancelou a apresentação de Carreras.
Também Luciano Pavarotti fez questão de conhecer o teatro em uma viagem que fez à Floresta Amazônica. Chegou no prédio de surpresa e, cercado de guarda-costas, subiu no palco, onde cantou duas árias para uma platéia de meia dúzia de turistas embasbacados.
Glamour recuperado
Embora ainda sejam raras as apresentações de grandes nomes, como Carreras e Pavarotti, o Teatro Amazonas já recuperou um pouco de seu glamour original.
Hoje ele possui um corpo de dança, um coral e uma orquestra própria -- a Amazonas Filarmônica. Pelo menos duas vezes por semana suas portas se abrem, seu palco se acende e sua sala recebe uma platéia simples -- muitos estão de tênis, jeans e camisetas --, mas ávida por cultura.
"Não fazemos grandes exigências com relação ao traje porque queremos que as pessoas se sintam bem aqui", diz Inês Daou.
"Antes da primeira edição do festival, quem nunca havia saÃdo de Manaus não sabia como se comportar diante de uma apresentação de ópera", conta a jornalista Liliane Maia.
"Ninguém sabia a hora de aplaudir, de pedir bis. O espetáculo acabava e era aquele silêncio constrangedor". Em maio passado foi possÃvel ver como as coisas mudaram. Durante a apresentação da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, com produção local, o teatro quase veio abaixo com os aplausos da platéia.
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Reuters
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