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Celeiro de craques, Osasco espera que suas crias tragam o hexa

Bairro onde saíram jogadores como Ederson, Cristiane Rozeira e Rodrygo, conserva em suas ruas uma importante história de luta política

27 out 2022 - 05h00
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Foto do atacante Rodrygo em bar de Osasco
Foto do atacante Rodrygo em bar de Osasco
Foto: Daniel Arroyo

Osasco, cidade na região metropolitana de São Paulo, é um celeiro de craques do futebol do passado e do presente, como o histórico atacante do Palmeiras, Edu Manga, e Cristiane Rozeira, artilheira da seleção brasileira de futebol feminino e titular do Santos. Entre os cotados pelo técnico Tite para a Copa do Catar, estão o goleiro Ederson, com passagem pelas camadas de base do São Paulo, pela equipe principal do Benfica, de Portugal, e que atualmente defende as cores do Manchester City, da Inglaterra; e o atacante Rodrygo, que saiu do Santos diretamente para o Real Madrid, da Espanha. Apelidado de Rayo, pela velocidade e habilidade jogando pelas pontas, Rodrygo nasceu em um dos bairros mais antigos da cidade, Presidente Altino, lugar que guarda uma importante história de resistência política.  

Foi no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, com sede em Presidente Altino, que aconteceu uma das mais primeiras e mais emblemáticas greves operárias durante a Ditadura Civil-Militar.  Em julho de 1968, trabalhadores e trabalhadoras da Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários, e das empresas Braseixos, Barreto Keller, Granada, Brown Boveri e Lanoflex cruzaram os braços. O exército brasileiro sitiou a cidade de Osasco, invadiu o sindicato e prendeu cerca de 80 pessoas, entre elas um dos líderes do movimento, José Ibrahim. Ele foi um dos presos políticos libertados após a negociação para a entrega do embaixador estadunidense, Charles Elbrick, sequestrado naquele mesmo ano.  

Antonio Donizete Mendes, dono do Bar do Rock
Antonio Donizete Mendes, dono do Bar do Rock
Foto: Daniel Arroyo

Antonio Donizete Mendes, 65, que nasceu em Presidente Altino e lá ainda vive, se orgulha da história de luta de seu bairro. “O Sindicato dos Metalúrgicos era nossa base de resistência na ditadura, mas hoje mudou. Esse bairro tem muita história, meu pai mesmo lutou contra a ditadura militar, foi preso e torturado pelo delegado Fleury”, conta.  

Um dos líderes do Movimento Che Guevara durante os anos de 1970 e 1980, Antonio guarda em seu bar uma bandeira com o rosto do revolucionário argentino, e assinada por sua filha, Aleida Guevara. “Conheci a Aleida numa palestra dela aqui em São Paulo. Depois fui pra Cuba e passei um tempo lá. Eu tenho uma herança de esquerda, mas fui sargento do Exército Brasileiro aqui em Barueri. Assim que dei baixa, quando tinha uns 28 anos, fui pra Colômbia e fiquei três anos na selva”, conta.  

Foto: Daniel Arroyo

Ainda que tenha adquirido o título de doutor em História pela PUC-SP, Antônio sempre trabalhou com comércio e há 10 anos abre, de domingo a domingo, seu pequeno Bar do Rock. “Estou no bairro há 65 anos, aqui parece uma cidade do interior, a veteranada toda se reúne aqui no bar pra conversar e tomar umas cervejas. O que eu gosto é dessa harmonia. Se bem que nosso bairro está mudando por conta das torres que estão subindo, os prédios, e está chegando gente nova que não conhece nossa história. Mas é bom, é renovação”, pontua.  

Foto: Daniel Arroyo

Ele conta que o avô de Rodrygo costumava frequentar seu antigo bar, e algumas vezes levava o neto consigo. “Eu lembro do Rodrygo quando ainda era pequeno. O avô dele gostava de trocar ideia comigo. Teve uma vez que eu estava pegando um limão pra servir com a cachaça. O limão caiu, o Rodrygo pegou e começou a fazer embaixadinha”, lembra.  

Celeiro de craques

Foto: Daniel Arroyo

Logo em frente ao Bar do Rock fica o Campo da Ford, um dos mais famosos campos da várzea osasquense. O espaço foi reformado pela prefeitura em 2020 e ganhou grama sintética e iluminação. Além de amistosos e jogos de campeonatos locais, o campo também recebe dois projetos sociais. Um deles foi criado por Rodrygo em 2019, e chama-se Associação Rayo Sport. Quem gerencia o projeto, e é um dos professores, é seu tio, Roberto Luis da Silva Pereira, 46. “O Rodrygo já quebrou muita janela e entornou portões da minha casa. Mas valeu a pena. Hoje na associação temos 150 alunos, a gente fornece lanche, transporte e tem treino três vezes na semana”, conta.  

Roberto é natural de Presidente Altino e vê com bons olhos o crescimento do bairro: “Mesmo com os novos condomínios o bairro mantém sua essência, é muito unido e cheio de empatia, tem moradores muito antigos”. 

A outra iniciativa social que acontece no Campo da Ford é o Projeto Tom, criado por André Luiz Baia da Silva, 42, mais conhecido por Tom: “Comecei o projeto há uns 15 anos, desde a época que aqui ainda era terrão. Começamos com quatro crianças, não vinha ninguém, mas a gente persistiu e hoje temos por volta de 200 alunos conosco. A gente treina duas vezes por semana. É um projeto social totalmente gratuito”.  

Foto: Daniel Arroyo

As crianças assistidas vêm de Presidente Altino e das comunidades vizinhas do Fazendinha e Areião. Primo de Rodrygo, Tom foi jogador da base do Palmeiras, mas a carreira não vingou. Atualmente é servidor público municipal da Secretaria de Esportes, e gerencia o Campo da Ford há cerca de uma década. “Temos uma carência de campos no bairro, só tem esse e mais um”, lamenta.  

Nascido e criado em Presidente Altino, atribui ao futebol uma parte central da vida familiar e comunitária. “Aqui no bairro temos do time Fittipaldi, que é meio que o time da família e dos amigos próximos. A gente joga uns amistosos e já disputamos muitos campeonatos O Rodrygo jogou muito aqui com a gente, desde que era terrão. É um lugar muito importante pra comunidade, não só por conta dos projetos sociais, mas porque é aqui que os amigos se reúnem e vêm conversar, onde acontecem os jogos dos times da cidade e onde recebemos gente de fora”, explica. 

Para Tom, apesar de Presidente Altino estar em desenvolvimento urbano acelerado, verticalizando-se e se tornando cada vez mais um bairro de classe média, consegue preservar sua característica acolhedora, e é por isso que não pretende se mudar. “Aqui não é só um celeiro de craques, é um bairro do aconchego, como um coração de mãe”, completa.  

Ponte
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